Historicizando as canções

Velho Menino: 80 anos de Rodger Rogério

quarta, 07 de fevereiro de 2024

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Rodger Franco de Rogério, mais conhecido simplesmente como Rodger Rogério, nasceu em 28 de janeiro de 1944, natural de Fortaleza, é físico, cantor, violonista, compositor, ator, esposo, pai e avô. Mais conhecido por ter feito parte de geração conhecida como “Pessoal do Ceará” ao lado de nomes como Belchior, Fagner, Ednardo, Fausto Nilo, Téti e muitos outros.

Rodger, Téti e Ednardo. Foto tirada do encarte do disco “Meu corpo minha embalagem todo gasto na viagem”

Nos últimos anos participou de diversos projetos no cinema, talvez o mais famoso seja o longa Bacurau, foi professor na Universidade Federal e ajudou na criação da Rádio Universitária da instituição, sempre se mantendo ativo na vida artística da cidade de Fortaleza, sempre fazendo apresentações e lançando músicas, ano passado lançou o disco “Instante Zero ou Primeiro Sinal Luminoso” ao lado do também músico Vitoriano.

Vitoriano e Rodger. Créditos: Jacques Antunes/Divulgação

Ano passado eu fui recebido na casa de Rodger para uma entrevista, para a minha pesquisa, tenho quase duas horas de gravação, fora o que não foi registrado e ficou na memória, vou compartilhar com vocês um pouco dessa entrevista. Foi uma tarde muito agradável, até presentes de Rodger eu ganhei, um livro e dois discos.  Não foi difícil entrar em contato com ele, na Biblioteca Pública Estadual do Ceará rolou um evento com a presença do próprio, ele contou um pouco de sua história e cantou, inclusive ele cantou uma composição inédita em parceria com o amigo Fausto Nilo, felizmente eu fiz o registro desse momento e está devidamente guardado em meus arquivos. Após a apresentação conversei com ele, pedi para que autografasse um disco e contei que era pesquisador e queria uma entrevista.  Tudo foi acertado e tivemos uma agradável conversa, fique com um trecho porque a entrevista foi grande. Nessa conversa eu tive ao meu lado meu amigo e parceiro Rodrigo Passolargo.


Rodger, para começar eu gostaria de ouvir sobre sua vida universitária, como você entrou, se na sua família alguém já tinha formação universitária, se foi fácil. Já que hoje se discute muito sobre o acesso à universidade.

A família da minha mãe era uma família de professoras, as mulheres eram professoras, a minha mãe era professora, meu pai era aviador [...] 

Era daqui do Ceará?

[...] Sim, só que quando meu pai morreu eu tinha 9 anos [...] minha mãe me criou dando aula

Você foi educado em casa ou ia para a escola?

A minha primeira escola foi na Vó Goesinha, a Vó Goesinha era irmã da minha avó [...] ela tinha uma escolinha na casa dela, alfabetização, primeiro e segundo ano. Eu me alfabetizei lá, até terminar o curso dela, que ia até o segundo ano. Aí depois fui pro Cearense (Provavelmente, Rodger se refere ao Colégio Cearense do Sagrado Coração) [...] Em 53, foi o ano que meu pai morreu, ele morreu de um acidente [...] aí eu acabei tendo que ir pro Rio de Janeiro [...] o terceiro ano do primário acabei tendo que fazer no Rio de Janeiro. Aí voltei (para Fortaleza) e fui para o 7 de Setembro.

Era em outro lugar ou o mesmo que é hoje?

Era na Imperador (Avenida do Imperador no centro de Fortaleza) [..] os colégios eram todos pequenos.

Então, eu estudei no 7 de Setembro, aí foi no tempo de fazer o exame de admissão. Aí minha avó disse que era melhor eu fazer no outro ano, porque eu não tava preparado, não sei o quê… E o quinto ano do primário na época, era uma espécie de revisão de tudo. Aí eu pedi pra sair do colégio, aí minha mãe me botou no Cearense, fiz o exame de admissão no Cearense. Foi um terror (risada)

Foi?

Eu entrei numa malandragem sem fim (risadas) [...] eu realmente fui reprovado em várias. No fim do ano ela (a mãe) mandou eu buscar as notas e não fui [...] Aí ela ligou para o colégio, o irmão falou para ela as notas e tal. Cara, ela não brigou comigo

Tu esperou que ela brigasse e tal?

Eu esperava, pô, ela não brigou [...] eu queria uma bola de natal e ela me deu a bola, fiquei num remorso tão grande [...] um remorso tão grande, rapaz [...] “Eu quero sair do colégio” [...] ela tinha dado umas aulas no colégio Batista, ela tinha feito alguma coisa no colégio Batista [...] alguma coisa na época [...] aí ela aproveitou esse crédito [...] me matriculou no Batista pagando só metade, né, junto com os barões…

Continuou a malandragem?

Cara, eu queria tirar 10 em tudo, foi duro

Você falou que foi com os “barões”, você sentiu essa diferença social, incomodava ou…

Não, não chegava a incomodar, não [...] eu achava os meninos ricos meio bobos, eu achava [...] não tinha a malandragem [..] eu fui pro Batista e queria tirar 10 em tudo [...] aprendi a gostar de Matemática, tirei 10 em Matemática no Ginásio todo [...] eu aprendi a gostar de matemática e o importante foi isso. Vi que tinha facilidade e tal, comecei a dar aula para os colegas, comecei a gostar de dar aula. Quando eu disse em casa que ia fazer Física… Rapaz, a minha família… foi uma reação horrível. “Sabe tanto matemática, podia ser engenheiro, economista…” (risadas) “Professor?!”, a família toda de professor, “vai ser pobre a vida inteira” (mais risadas)

A partir daí você começou a ser um bom aluno?

Eu aprendi a gostar de matemática, até hoje gosto.

Você ainda mexe com isso (matemática) ou já guardou?

Não, não, não mexo mais não

Rodger, você conheceu o Malba Tahan?

Eu conheci, ele deu uma palestra no colégio sobre o livro (O homem que calculava)

E a Universidade?

Eu achava que ia ser professor de Matemática. Quando eu entrei no Científico e comecei a estudar Física, eu me apaixonei [..] o pessoal dizia “Você é bom de Matemática, vai levar Física de Letra”. Eu quebrei a cabeça, eu sofri no começo [...] Minha trajetória escolar foi assim… Na universidade a gente fez um convênio… eu fui a terceira turma de Física, a primeira turma de física fez o último ano na PUC do Rio [...] Na verdade, a primeira turma foi pra Brasília, a segunda turma foi pra PUC do Rio…

Você foi pra qual?

Eu fui pra USP, era eu e mais dois…

Você sentiu diferença daqui pra USP?

A gente era os melhores da turma

E como foi essa experiência da USP?

Pra mim foi bom, eu estudei num centro grande, tinha laboratório [...] Não era nada muito diferente [...] A gente praticamente não saía da residência universitária, uma vez por mês, quando a bolsa caía, a gente saía, ia tomar um porre (risadas)

E a música? Foi quando entrou na universidade ou desde criança?

Na verdade, é desde criança [...] eu lembro, eu fiz força pra… pra me alfabetizar logo pra ler as letras e começar a acompanhar na velocidade que o cantor cantava.

E o que você ouvia?

O que tocava no rádio

Nelson Gonçalves?

Também [...] tocava muita música americana, muita música argentina

Argentina?

É [...] portuguesa pouca, francesa pouco mas tocava, né

Você tinha rádio em casa quando criança? Seus pais tinham?

Tinha

Você podia mexer na hora que quisesse ou só quando seu pai ligava?

Podia [..] eu aprendi a mexer

Você disse que tocava de tudo, mas desse tudo, o que você gostava? Que quando tocava, te chamava a atenção.

Era tudo, eu gostava de tudo. Quer dizer, de todos esses gêneros, eu gostava de uma música, de outra, independente do gênero.

Nesse momento da entrevista eu chamo a atenção sobre a entrevista que Rodger deu para seu filho, Pedro Rogério, presente no livro “Pessoal do Ceará: habitus e campo musical na década de 1970”, originalmente sua dissertação de mestrado. Comentei que nas entrevistas presentes muitos falavam de músicos românticos como Nelson Gonçalves, Lupicínio Rodrigues e etc. Rodger complementou com Orlando Silva, que ouvia muito esses nomes quando criança.

Você gosta dessa veia romântica?

Gosto!

Eu sei que você tem várias músicas assim, pergunto porque teve um período com muito preconceito com música romântica, é só lembrar do período dos “bregas” e “cafonas” (risos) [...] o que você acha disso?

Isso é universal (a temática do amor na música brasileira). Porque é falar dos dramas, né? E o drama é importante. Essa coisa da relação, né, do amor

Falar de amor é falar de dor?

Às vezes, né

E você entrou na universidade, e como começou os movimentos (início da produção musical)? E o primeiro instrumento?

A minha vontade de tocar começou quando eu ouvi o João Gilberto

Eu ia chegar lá mas ele já chegou…

Quando eu ouvi, eu pensei “Ih, rapaz, eu quero fazer isso”

Eu ia falar sobre isso porque no livro do Pedro todos os seus amigos falam nas entrevistas que você foi o mais influenciado pela Bossa Nova…

O Petrúcio também (Petrúcio Maia)

Dizem que você sempre tentava fazer os dedilhados, queria sempre fazer música puxando pra Bossa Nova [...] foi na rádio, te deram o disco? Como você ouviu a primeira vez?

[...] Teve um compacto, ele (João Gilberto) gravou 4 músicas [...] teve um disco mas agora eu não lembro o que veio primeiro [...] eu fiquei encantado

Era a melodia? A voz? Tudo?

Era o violão

Só em ouvir você já percebia que…

Era diferente de tudo que eu tinha ouvido

E como foi pra aprender? (risos)

Foi uma novela…

Você já tocava violão ou foi por causa disso?

Não, não…

E como foi? Você comprou? Pediu para a sua mãe?

Eu pedi pra minha mãe

Era caro naquela época?

[...] eu procurei o mais barato que tinha

O importante era ter

O importante era ter

Eu fui pedir a minha mãe e fui logo dizendo “O mais barato é tanto” [...] “Meu filho eu não posso agora [...]”. Até que chegou um momento e ela disse “Quanto é mesmo?” [...] ela me deu

Rodger nos contou que comprou seu primeiro violão em uma loja no centro de Fortaleza, localizada na rua Major Facundo

E comprei também um método (de aprendizagem)

Era uma revista que vinha junto?

Era um livro que vinha com os acordes desenhados [...] e eu comecei por aí. A verdade é que a Bossa Nova é [...] é complicado

Mas era só você ou você percebia que tinha outras pessoas (se interessando pela Bossa Nova)?

Teve uma turma, né [...] tinha um amigo… a gente morava na João Pessoa [...] ele morava em frente, ele tocava seresta [...]

Ele ajudou?

Muito, né, e na época eu ficava vendo, eu não disse pra ele que eu tinha comprado um violão. Não disse pra ninguém da turma que eu tinha comprado. Um dia alguém viu no meu guarda-roupa , tava lá em casa mexendo. “Mas, neguinho, de quem é…” Todo mundo me chamava de neguinho. “Neguinho, que violão é esse?” “Rapaz, um cara aí, um amigo meu”

“Que amigo teu, pô, tu nem conhece…’’

Você tinha vergonha?

Tinha, tinha [...] Mas eu tava sentado no sofá da sala, com o método aqui e botando os dedos aqui e tra e tru e não saía som. Quando minha vó entra e tal [...] “De quem é esse violão?”, “Meu!”, “Seu?!” (risos), “Quem lhe deu?”, “A mãezinha”, ela chamava a minha mãe de “Monavom” (Aqui peço desculpa caso a grafia esteja errada, tive dificuldade em entender por causa da qualidade de gravação). Chegou dentro de casa gritando “Ô, Monavom, por que não comprou uma garrafa de cachaça pro menino também?” (gargalhadas)[...] Foi uma praga que ela jogou.

E a primeira música que você tocou? Não necessariamente a de Bossa.

A primeira que eu aprendi do começo ao fim, claro que não tinha todos os acordes

Era simplificado

Era simplificado

Foi… Nesse momento Rodger começou a cantar para a gente

A música que Rodger cantou para a gente se chama Laura, uma composição de Alcyr Pires Vermelho e Braguinha

[...] Eu tinha os  começos de várias, essa eu conseguia ir até mais adiante, praticamente até o final

E a Bossa? Quando aprendeu?

Foi muito devagarinho, é? [...] tudo que eu fazia era só tocar era Bossa Nova [...] demorei pra tocar um bolero, demorei pra… qualquer outra coisa

Mas por quê? Teu interesse era a Bossa?

É porque eu tava com os ouvidos cheios, rapaz… Eu só ouvia aquilo [...] foi de cabeça (entrou de cabeça naquilo).

E o jazz?

Também [...] aí foi quando eu já estava frequentando os músicos,eu conheci os músicos. Porque no violão eu já tava tocando alguma coisa e tal

Você nunca se interessou pela guitarra ou foi sempre só o violão mesmo?

Não, eu me interessei um pouco [...] mas não foi pra frente

Falando nisso, o rock te pegou também, nesse período, ou só a Bossa mesmo?

Só a Bossa

Nem os Beatles?

Antes, o Elvis [...] tinha um pessoal que tocava Elvis e eu gostava [...] Aí depois eu ouvi os Beatles, depois, aí eu me encantei também

E a Jovem Guarda?

Não, Jovem Guarda, não. Um pouco, assim… Gostava um pouco de Roberto Carlos. Na época o Jorge Ben tava [...] E até o final da vida ele guardou aquela batida

Nesse momento eu e o Rodrigo comentamos sobre algumas pessoas que fizeram parte da Jovem Guarda, inclusive Reginaldo Rossi, conto uma história presente em um doc sobre o Rossi de como ele foi trabalhar para conseguir o primeiro violão até que Rodger conta:

Eu comprei o meu primeiro disco com um concurso de Matemática

Qual foi? Você lembra?

Foi João Gilberto

O Chega de Saudade?

Deve ter sido, o primeiro

E como foi comprar naquela época um disco? Você guardava como se fosse seu violão?

Era um tesouro, né


Como podem ter percebido, a Bossa Nova foi uma grande influência para o Rodger e ele sempre teve uma relação forte com a música, nossa entrevista se estendeu por muitos outros temas mas acredito que foi um boa amostra da conversa, até aqui nem sequer chegamos ao período do “Pessoal do Ceará”, Rodger nos contou histórias com seus amigos, inclusive Belchior, em um momento mais oportuno compartilho o resto, a transcrição é um trabalho árduo e exige tempo e paciência. Mas esse texto não para por aqui.

No último dia 28, no Cineteatro São Luiz, no centro de Fortaleza, Rodger fez um show para comemorar seus 80 anos, foi uma noite incrível e muito especial. O show começou com um texto apresentado por Dalwton Moura seguido de um vídeo com vários registros da vida do Rodger ao longo de todos esses anos. Rodger fez o show com a participação de seus filhos e sua esposa, nas vozes de apoio, no violão e até mesmo fazendo duetos, como no caso de Pedro Rogério, já citado aqui. O músico Vitoriano também fez sua participação, cantando ao lado de Rodger a canção “Quando você me pergunta”.

Foi muito bonito presenciar Rodger tocando o violão, foi um momento especial já que ele não anda tocando muito, dando ênfase em seu canto e sua interpretação. Um momento que particularmente foi muito emocionante se deu quando Fausto Nilo, amigo e parceiro musical de Rodger, subiu ao palco e cantaram “Retrato Marrom”, gravada originalmente por Fagner no seu disco Ave Noturna (1975).

Rodger Rogério e Fausto Nilo / Créditos: Guilherme Silva 

“Ai, meu coração sem natureza
Vê se estanca essa tristeza que ilumina o escuro bar
O nosso amor é um escuro bar
Suspiro azul das bocas presas”

O show se encerrou com Rodger e convidados cantando “Cavalo Ferro”, composição de Raimundo Fagner e Ricardo Bezerra, presente no disco que foi um marco para essa geração de cearenses, Meu corpo minha embalagem todo gasto na viagem de 1973, que apresentou Rodger, Téti e Ednardo e mostrou que os cearenses também faziam parte do Brasil e tinha com o que contribuir para a produção musical.

“Pulsando num segundo letal
No planalto central
Onde se divide, se divide, se divide
O bem e o mal, mal, mal, mal, mal”

Rodger e convidados / Créditos: Guilherme Silva

Sendo sincero, o show todo foi especial, mas outro momento que precisa ser lembrado é quando Rodger e Fausto cantam junto da plateia uma de suas composições mais bonitas, “Barco de Cristal”.

“Gente pelas ruas num riso só
Cantado a alegria do barco de cristal”

Momento que a plateia canta Barco de Cristal / Créditos: Guilherme Silva

Depois do show Rodger foi para o hall do Cineteatro São Luiz e autografou exemplares do livro-disco “Cinema Carruagem”, disco em que nosso poeta canta canções de Rogério Franco e Alan Mendonça.

Minha cópia assinada pelo Rodger

As comemorações não param por aí, Rodger irá se apresentar no Festival Jazz & Blues em Guaramiranga, nesse mês de fevereiro. Além disso, foi anunciado um disco novo que contará com parcerias inéditas com o amigo Belchior. Inclusive, já falei para meu querido amigo Rodger que quero entrevistá-lo quando lançar o novo trabalho, aproveito e deixo aqui os agradecimentos ao seu assessor Dalwton Moura, sempre muito solícito e ajudando nos contatos com Rodger. Também não posso esquecer de meu grande amigo Rodrigo Passolargo, que ajudou na entrevista com o Rodger e sempre está apoiando minha pesquisa.


Viva Rodger Rogério!

Rodger Rogério / Créditos: Guilherme Silva


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