Uma noite no Forró Haus (ou como a música é a mais aclimatada das viajantes)

Amantes de forró de todo o mundo, uni-vos!

Localizado no coração de Stuttgart, capital do estado alemão de Baden-Wurttemberg, o Forró Haus é uma organização sem fins lucrativos (ONG) e um misto de restaurante, casa de shows e escola de dança inteiramente dedicado ao gênero que Luiz Gonzaga ouviu, formatou e lançou há mais de 70 anos.

Como um caruaruense vivendo há mais de três meses no interior da Alemanha e já tendo trabalhado com o forró tanto como músico quanto pesquisador, visitar o lugar soou como uma oportunidade de matar a saudade dos festejos juninos (tão importantes no nosso calendário nordestino-moçárabe-africano) e observar como a memória e a produção musical brasileira se desenvolvem num contexto tão distinto.

Logo na entrada, uma pintura de Gonzagão dividia o espaço com a nossa (tão maltratada nos últimos tempos) bandeira. A decoração era brasileiríssima, mas sem excessos regionalistas (quem nunca foi num estabelecimento supostamente dedicado ao Nordeste e se viu imerso num mar de cactos e paredes de taipa?), o que faria Durval Muniz de Albuquerque Jr. respirar aliviado – e evidencia a preocupação de quem projetou o espaço.

Interior do Forró Haus. Foto: reprodução.

Com efeito, muito tem se falado sobre a gourmetização do São João do Nordeste. Em “capitais” do forró como Caruaru e Campina Grande, forrozeiros e forrozeiras têm se visto impelidos a disputar tempo de apresentação e mirrados cachês com artistas do mainstream pop-sertanejo. Um momento importante dessa querela foi o protesto do cantor Flávio José, que reclamou em pleno palco sobre como seu tempo de show foi subitamente reduzido e o de Gusttavo Lima – que era a atração seguinte à José –, arbitrariamente aumentado. Entretanto, apesar de o vídeo ter viralizado e diversos artistas saírem em apoio ao cantor, nada pareceu ter mudado.

Do outro lado do Atlântico, embora distante do UFC musical (e econômico) entre os dois gêneros, o Forró Haus parecia se posicionar politicamente ao preferir um repertório voltado, em sua maioria, ao forró conhecido como pé de serra, ou dito “tradicional”. 

De tal forma que, em uma sexta-feira abafada de São João (23), típica do verão europeu, a banda Desabafo no Pé assumiu o palco em um trio composto por sanfona, zabumba e triângulo. Durante a excelente performance do grupo, clássicos de Luiz Gonzaga como “Xote das Meninas” (Luiz Gonzaga/Zé Dantas) e “Xamego” (LG/Miguel Lima) dividiram espaço com canções menos conhecidas do Rei, a exemplo de “Retrato de um forró” (LG/Luiz Ramalho).

Além destas, vale destacar também “Desilusão”, parceria de Dominguinhos e Anastácia, “Balanceiro”, lançamento recente de Juliana Linhares, e “Baião de Quatro Toques”. Nesta composição de Luiz Tatit e José Miguel Wisnik, a Quinta Sinfonia de Beethoven é “decantada” e se rende ao timbre da sanfona. 

Todo esse repertório era manifestado corporalmente por dançarinos da Índia, da própria Alemanha, e do Brasil. Naquele baile globalizado, Sul e Norte se encontravam, e diferentes estilos de dança eram incorporados, mudando conforme o andamento. 

De um baião acelerado, a um xote mais rasteiro, o retrato de um forró na Alemanha não poderia ter sido mais rico e diversificado. Conhecer o Forró Haus é ter a certeza de que a criação gonzaguiana pode até estar exilada do São João do Nordeste, mas encontra-se longe do fim: de Taboca à Rancharia, de Salgueiro à Bodocó (ou Stuttgart), o forró está sempre em peregrinação, conquistando a todos em seu cortejo.

Sobre o autor

Luiz Ribeiro Fonseca é músico, jornalista e pesquisador pernambucano. Bacharel em Comunicação (UFPE), atualmente é mestrando na Universidade Federal Fluminense – Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM-UFF), e no Programa de Estudos do Sul Global da Universidade de Tübingen (Alemanha). Pesquisa fonogramas comerciais de maracatu gravados na primeira metade do século XX. E-mail: l_ribeiro@id.uff.br