Jogada de Música

Sob a pele rubro-negra, a música corre nas veias do Maestro Júnior

sábado, 03 de outubro de 2020

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Para fechar o ciclo sobre a seleção de 82, tema das duas colunas anteriores, reedito aqui uma entrevista com aquele que mais simbolizou a tabela entre futebol e música naquela equipe que encantou o mundo há 38 anos: o Maestro Júnior. Afinal, foi com sua voz que “Povo Feliz (Voa Canarinho)” se tornou o hino dos torcedores brasileiros durante aquele Mundial.

O hoje comentarista da Rede Globo de Televisão foi, em campo, o Capacete até levar o seu imenso talento para a Itália, em meados dos anos 80. Quando de lá voltou, com os cabelos rentes, já no fim da mesma década, para o mesmo clube que o consagrou, já não atuava mais na lateral do campo, mas no meio, de onde aos poucos foi regendo como um maestro o time repleto de jovens promissores com sua categoria e experiência. É ainda hoje aquele que mais vestiu a camisa do Flamengo nos gramados, nada menos que 876 vezes.

Na entrevista feita por whatsapp em 2018, publicada originalmente na coluna com este mesmo nome no site do Pop Bola, Júnior mostrou porque tem a música correndo em suas veias, sob a pele rubro-negra. 

Como era a sua relação com a música antes de se tornar jogador de futebol e, depois, já jogando, até gravar o compacto com "Povo Feliz (Voa Canarinho)" e "Pagode da Seleção"?

“A minha relação foi sempre muito próxima. Nós jogávamos no Juventus, time de Copacabana, ali na praia, e tinha a galera lá de cima, da Ladeira dos Tabajaras, que fazia parte da escola de samba Unidos da Villa Rica. Então, essa relação foi muito próxima. E eu tive dentro de casa, principalmente, porque eu aprendi a tocar pandeiro olhando meu tio Válter, irmão da minha mãe, tocando pandeiro. Ele tinha um grupo que estava sempre fazendo aquelas rodas de samba, como se chamava antigamente, lá nos anos 60 e 70, e eu estava sempre ali. Quando ele largava o instrumento, eu ia lá pegava, procurava imitar o que ele tocava. Ele tocava, não, ele toca muito bem até hoje. Então, eu fiquei mais nessa. E eu escutei muita coisa em casa, exatamente nessa época, sobretudo as músicas italianas, Gigliola Cinquetti, Peppino di Capri, então isso ficou um pouquinho no ouvido. Quando eu fui para a Itália e aprendi a língua, comecei a aprender o que diziam as letras das músicas, então me apaixonei muito mais. Por exemplo, eu canto “Roberta”, que o Peppino di Capri cantava muito, com o maior prazer e com a maior satisfação. Então a música sempre esteve dentro. O meu bisavô foi um artesão de violino, ele produzia, construía violinos. Tanto que o meu tio-avô Agmar (Dias Pinto), que já faleceu, com 99 anos, foi um dos mestres do violino. E seu filho Agmar Filho (Agmar Dias Pinto Filho, que integrou o Quinteto Itacoatiara, grupo fundado em 1976, dentro Movimento Armorial da Paraíba, fundado pelo escritor e dramaturgo paraibano Ariano Suassuna, em Pernambuco, em 1970) também era um grandíssimo músico de violino, professor inclusive da Universidade Federal da Paraíba, lá em João Pessoa.


Para um jogador com alma de sambista como você, mangueirense de coração, devem ter sido ainda mais especiais as vitoriosas tardes-noites de domingo no Maracanã com um coro de 100 mil, 150 mil rubro-negros cantando sambas de enredo, como por exemplo, "Bum bum paticumbum prugurundum", além de outros sambas de grande sucesso, como "Vou festejar", gravada por Beth Carvalho, outra mangueirense, certo? Qual era a sua sensação em campo nestes momentos? Lembra de outros sambas desta época que a torcida cantava, mesmo com as letras não tendo relação direta com o futebol? 

“As músicas das torcidas naquela época eram completamente diferentes, porque não tinham ainda a chegada dos sambas de enredo das escolas de samba. Por exemplo, a Portela era ligada ao Botafogo, o Flamengo tinha uma certa ligação com a Mangueira, o Bangu tinha com a Mocidade Independente por causa do chefe lá (Castor de Andrade), na verdade. Então, tudo isso teve uma ligação durante muito tempo. Só que nesses períodos, essas músicas eram mais ou menos premeditadas, não tinha aquela improvisação como aconteceu. Acho que a partir dos anos 80... Por exemplo, quando nós estávamos no campo, e eu escutava “Ó, meu Mengão, eu gosto de você, quero cantar ao mundo inteiro a alegria de ser rubro-negro. Conte comigo, Mengão, acima de tudo rubro-negro...” (versão que a torcida do Flamengo fez para uma música de propaganda da ditadura militar nos anos 70). Essa foi para mim a música que mais eu sentia quando estava dentro de campo com a torcida. No meu caso pessoal, pode ter outros companheiros, colegas, amigos que sentiam com outras músicas. Mas esta foi pra mim a que me marcou muito nesse período”. 

Ainda sobre o mesmo assunto, lembro de ter visto uma entrevista do Cerezo certa vez falando da ingenuidade da torcida mineira naqueles primeiros tempos de rivalidade forte entre Atlético-MG e Flamengo. Segundo ele, enquanto no Mineirão os torcedores do Galo ainda cantavam músicas colegiais (acho que citou "Zum zum zum, passou um avião..."), no Maracanã ouvia a galera cantar os sambas que tocavam no rádio e ficava surpreso. Ele chegou a comentar alguma vez com você e companheiros de seleção sobre isso? 

“Na questão do Brasil, cada estado tem um pouco a sua característica. Não dá pra você querer que um cara de Minas, de Porto Alegre e do Rio de Janeiro cantem as mesmas músicas. Isso é uma coisa praticamente impossível. Cada um cantava aquilo que é característico do seu estado, da sua história, do seu clube. E isso aí eu acho que é uma coisa que não tem como você fugir. Cada um canta aquilo que é dentro do seu estado, regionalmente, aquilo que mais vai incentivar a sua equipe”.

A seleção de 82, já retratada em dois episódios na coluna Jogada de Música, era muito musical. Tanto que vários jogadores foram homenageados por compositores consagrados, como alguns gravaram discos. Você é um deles e o primeiro já foi um sucesso total. É verdade que a música de trabalho seria "Pagode da Seleção" e não "Povo Feliz"? Você se surpreendeu com tamanho sucesso? Aquele time de 82 foi mesmo o mais musical que você conheceu?

“Essa música (“Povo Feliz”) foi criada pelo Nonô do Jacarezinho e o parceiro, amigo, irmão que, inclusive, jogou com meu irmão na seleção brasileira de vôlei, o Memeco. E eu entrei meio que de carona nessa história. Eles fizeram a música, entregaram ao Alceu Maia, meu parceiro, meu amigo, meu compadre, padrinho do meu filho Rodrigo e eu sou padrinho do Breno, filho dele. Então isso é o tipo de coisa que é difícil até você falar. Só que quando o Alceu me ligou lá para a Toca da Raposa, onde a gente estava, primeiro eu levei um susto, porque ligação para a Toca da Raposa, naquela época não tinha celular, falei “caramba, aconteceu alguma coisa com minha família”, mas era ele. “Estou com uma música aqui maneira pra caramba, do Memeco, que você conhece, e isso aqui vai dar um molho do caramba”. Eu respondi: “Pô, Alceu, estou numa de jogar a Copa do Mundo, não estou preocupado com negócio de música”. “Não, mas vou te mandar um cassete”. Naquela época era cassete. Ele mandou a fita para lá, quando chegou eu peguei, a gente tinha um radinho lá no quarto, eu e Edevaldo (lateral-direito do Fluminense, reserva de Leandro, na seleção), aí eu falei “Edeva, vem escutar isso aqui”. Edevaldo também gostava de samba. Quando a gente botou para tocar, ele falou “Cara, isso aqui é a sua cara”. “Realmente, o refrãozinho é legal, é bacana, né? “Voa, Canarinho, voa, mostra pra este povo. (canta) Legal e fácil de cantar”. Aí me animei com a história, só que quando eu voltei para o Alceu no telefone, ele disse: “Nós temos que fazer uma segunda parte e nós já fizemos uma primeira aqui, que era exatamente o “Pagode da Seleção””. Então eu falei: “Alceu, por que a gente não introduz os meus amigos aqui, que estão comigo, Renato, Zico, Cerezo, Falcão dentro dessa letra?”. Aí, ele “Boa ideia!” e terminou a coisa acontecendo e a gente fazendo o “Pagode da Seleção”. Mas a música, na verdade, de trabalho, a música que era, e foi, o “Povo Feliz” que terminou sendo denominada “Voa, Canarinho”. Até mesmo porque um disco que vende 726 mil cópias em 23 dias é um disco que tem de ser respeitado. Eu digo sempre o seguinte, a música, o disco, pegaram uma carona naquela seleção, porque aquela seleção era espetacular, maravilhosa, tudo isso. Então, cada vez que a gente jogava, o pessoal da RCA Victor, na época, que era a gravadora, e o diretor mandavam um telex, dizendo assim: “Vendemos mais 150 e tal, vamos ganhar mais uma”. Porque, naturalmente, isso era o projeto dele. Mas jamais imaginava de chegar a esse número. Isso para mim é uma satisfação muito grande. Eu tenho em casa um quadro com Disco de Ouro e Disco de Platina, por 500 mil cópias vendidas nessa época”.


Além do imenso sucesso com o compacto simples de 1982, Júnior gravou um LP no mesmo ano, com seu nome e músicas de Noca da Portela , Martinho da Vila, Luiz Carlos da Vila, Jorge Aragão, entre outros. Depois lançou um mix em 86, com três músicas, e o LP “Tem que arrebentar”, em 1990, com composições de Nei Lopes, Arlindo Cruz, Almir Guineto, Leci Brandão e outros. Fora isso, tem participações em DVDs, LPs e CDs de samba, incluindo “Um beijo no seu coração”, de Leci Brandão (1988), na música “Pra colorir muito mais”, de Arlindo Cruz e Franco.

Como surgiu a ideia do projeto Samba dá Sopa? Pode falar um pouco sobre ele e como está hoje?

“A gente estava sempre em Copacabana tocando pagode, sempre curtindo onde é meu reduto, na verdade, para que a gente ficasse se divertindo. Um amigo meu, Dudu de Irajá, e Mauricio Araújo, os dois fazem parte, Maurício como diretor musical e violonista do Samba dá Sopa, e Dudu, como percussionista: “Vamos fazer”. “Tá bom, a gente pode até fazer”. Trouxeram o Cesar Mariano, que era dono do Bom Sujeito, uma casa de samba da Barra da Tijuca, para a gente iniciar esse projeto. É uma maneira de se divertir e uma forma de a gente ajudar os outros. Hoje o projeto já tem onze anos (13 agora), consolidado, solidificado, onde a gente tem diversas pessoas que nos ajudam, principalmente o Toni de Lucca, com as cestas básicas. Toda arrecadação a gente pega e compra de cestas básicas para distribuir. Começamos com três instituições, dividindo dez cestas para cada uma. Hoje a gente já tem treze instituições, que recebem 15 cestas, pelo menos, cada uma. Dá mais de uma tonelada de alimentos que a gente distribui durante todo este tempo e para gente é uma satisfação, porque a gente curte, se diverte e ainda ajuda os outros. E o melhor, todos os cantores profissionais, Xande de Pilares , Alcione, Dudu Nobre , Arlindo Cruz, toda essa galera já foi lá, deu sua contribuição, e todas as vezes que estão disponíveis eles são sempre muito bem-vindos”. 

Devido à pandemia, o projeto não está organizando rodas de samba, mas continua contribuindo com causas e instituições sociais. Veja no link abaixo um vídeo gravado quando o Samba dá Sopa se apresentava no bar Bom Sujeito, da Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro (ultimamente estava sendo realizado no Riachuelo, clube do Andaraí, Zona Norte):


Fora as que você já gravou, qual ou quais músicas que falam de futebol que você mais gosta?

 “É camisa 10 na seleção...” (canta a música de Hélio Matheus e Luis Vagner que fez sucesso na voz de Luiz Américo, entre 1973 e 74, essa é uma delas. Lógico que existem muitas músicas que a gente fica sempre ligado, na verdade, à nossa época, porque é a nossa época que faz com que a gente viva um pouquinho esses momentos. Eu vivi, na verdade, nos anos 60, depois nos 80 e, sobretudo, os anos 90 eu ainda estava em atividade. Eu me lembro de uma música do Jorge Ben, “Umbabarauma, homem-gol...” (canta). Essa era uma delas. O Jorge Ben sempre foi muito ligado ao samba e também às músicas que eram ligadas ao futebol. Pô, o Skank (“Uma partida de futebol”) não posso esquecer. Skank é bom demais. Mais para trás ainda a gente pode lembrar de Wilson Simonal, com “Aqui é o país do futebol”. Essas são as músicas que eu me lembro”. 

Para terminar um depoimento pessoal. Nos dois primeiros jogos que fui ao Maracanã, levado pelo meu saudoso pai, aos 8 anos de idade, Júnior, então um jovem lateral-direito, marcou justamente os seus dois primeiros gols (e que gols!!!) como profissional: um no dia 8 de dezembro de 1974, Flamengo 2 x 1 América, quando o time rubro-negro conquistou o terceiro turno do Campeonato Carioca, e uma semana depois, dia 15, quando novamente os dois times se enfrentaram e o placar foi igual, na primeira partida do triangular final da competição.



Até novembro, galera!

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