Colunista Convidado

Roberto é nosso Rei

sábado, 24 de abril de 2021

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Não restam dúvidas de tudo que Roberto Carlos fez pela música popular brasileira. Tudo isso pode fazer dele um rei. Ele foi um dos precursores do rock brasileiro como símbolo da Jovem Guarda. Embora não seja muito lembrado por isso, ele foi um dos expoentes do mainstream a começar a gravar o funk (R&B), que ainda era desconhecido por aqui. E é claro, a música romântica que sempre fez parte da sua carreira desde os tempos de Jovem Guarda, mas que com o passar dos anos foi tomando conta do seu repertório. E de certa forma abriu caminho para a música sertaneja como conhecemos hoje. E é claro que não podemos nos esquecer da Bossa Nova, por onde o rei começou.

Roberto Carlos estava presente em todos os estilos da música brasileira. Desde o embrionário samba sofisticado que é a Bossa Nova até mesmo o urbano Funk. Isso mostra um pouco o porquê de sua majestade. O fato de conseguir transitar em diferentes estilos faz de Roberto um verdadeiro rei pelo fato de alcançar diversas camadas sociais e diversas faixas etárias, sendo adorado por todos. E principalmente por ter se mantido nas paradas de sucesso por tanto tempo.

Foto: Jorge Bispo/Divulgação

O sucesso de Roberto se dá pelo fato de ele ter surgido em uma época em que os meios de comunicação ainda não eram tão desenvolvidos como hoje em dia. No início dos anos 60 a televisão começava a ser uma realidade nas casas brasileiras, mas ainda sim não se sabia muito bem como fazer televisão. E isso ajudou a fazer o que começava a ser tendência a dominar a televisão.

O rock começava a estourar mundo afora, e por aqui ainda havia muita resistência, afinal eram tempos de bossa nova. Bossa essa na qual Roberto tentou embarcar no seu renegado início de carreira, com o compacto “João e Maria/Fora do Tom”. E no  álbum de boleros “Louco por você”. Mas essa não foi uma boa pedida, pois a Bossa começava a tomar outros rumos, os boleros já não tinham mais tanto espaço e o Rock pedia passagem.

No Brasil daquela época, o rock já tinha alguns expoentes, mas ele ainda precisava de um rosto, e esse rosto era o de Roberto Carlos. Ele de fato fez muito sucesso com os álbuns “Splish Splash” e “É proibido fumar”. Mas foi no programa da Jovem Guarda que o sucesso passou a ser garantido. A televisão pela primeira vez falava com os jovens, e Roberto era a voz desta juventude. Ele de fato mudou a forma de se fazer televisão, falando de um jeito que até então não era falado nem na TV ou na rádio, mas isso não vem ao caso. Para falar de sua carreira e entender um pouco por que Roberto Carlos é tão bem sucedido, temos que analisar um período específico. 

E isso nos leva ao ponto mais interessante do período entre 1966 a 1972. Um período que foi o auge da Jovem Guarda até o início de sua fase romântica, o mais fértil da carreira de Roberto Carlos. Dentro deste período Roberto fez importantes transformações na sua carreira e aderiu a vários estilos.

Entre 1966 e 1972

Sem querer ser injusto com o Rei, esse foi o maior período da sua carreira, quando sua criatividade estava à flor da pele. Em 1966 a Jovem Guarda estava estabelecida e o álbum do Roberto daquele ano mostra bem essa evolução principalmente sonora, em que o cantor se mostra mais seguro com suas músicas com temas um pouco mais adultos e menos inocentes. Podemos ter como exemplos as faixas “Negro Gato”, uma crônica sobre a vida do morro e a malandragem, “Querem acabar comigo”, com uma sonoridade e uma pegada muito mais forte. “Nossa Canção” e “Eu estou apaixonado por você” são duas baladas românticas bem mais intensas que marcam essa mudança. E podem servir como um prologo do que estava por vir.


No ano seguinte, Roberto flerta com a psicodélica no álbum "Ritmo de Aventura”. Mas depois deste álbum ele começa a se despedir do Rock. Apesar de ser uma trilha sonora, as músicas são bem mais sérias e concisas. Podemos destacar  “Como é grande meu amor por você”, que já mostra uma virada de 360º, levando em conta os temas do álbum anterior e tudo o que Roberto havia feito até então. “Você não serve para mim” é com certeza a maior inovação deste álbum, um som bastante ousado, que não foi mais tão comum na discografia do Roberto.

Embora para algumas pessoas possa parecer demais chamar esse álbum de psicodélico, ele se aproxima muito da sonoridade psicodélica da época. Órgãos e guitarras distorcidas, vocais com um pouco de eco, Roberto, apesar das limitações, chegou perto do psicodélico. Mas não ao ponto de assustar os seus fãs, mas esse álbum não deixa negar que o Rei bebeu nessa fonte.


Nos álbuns seguintes, de 1968 e 1969, Roberto começa a enveredar por outros caminhos, como as baladas românticas e o funk que começava a fazer sucesso. Mas as baladas românticas acima de tudo fizeram a cabeça do Rei, que logo iria fazer a sua virada final, aquela que mudaria sua carreira. 

Em 1968 o álbum era mais lírico e romântico, se despedindo da Jovem Guarda, programa que Roberto deixou neste mesmo ano. Do repertório dessa fase, vale destacar “Eu te amo, Eu te amo, Eu te amo”, "Ciúme de você”, “Se você pensa” e “Não há dinheiro que compre”, os “funks” do álbum. O disco também dá lugar a canções mais sérias como “Madrasta” e “Não vou deixar você tão só”. De fato, foi um ponto de virada para um novo estilo. Roberto aqui deixava de ser mais um e se tonava “Inimitável”.


Em 1969 temos um Roberto Carlos mais melancólico e soturno, apostando mais nas músicas românticas e tristes. Aqui podemos ter as melhores interpretações de Roberto, com destaque maior para “Quero ter você perto de mim”. Vale destacar também o trabalho de gaita do Roberto na faixa “O diamante cor de Rosa”. Os funks ficam por conta de “Não vou ficar” e “Nada vai me convencer”. O Rock está presente em “Do outro lado da cidade”, que nos faz pensar o que seria a carreira de Roberto se ele tivesse escolhido o caminho do Rock?


Em 1970 ele lança o seu álbum mais importante, onde o rei começa a demonstrar o que seria a sua estética para os anos 70. Ele ainda trazia uma boa dosagem de funk nas suas músicas e até um pouco de rock, em especial na faixa “Ana”. Mas foram as baladas românticas que fizeram grande sucesso que fizeram o Rei se consagrar na sala e na cozinha. Podemos destacar “120… 150… 200KM por hora”. 

O funk fica por conta da religiosa “Jesus Cristo” que é um sucesso até hoje e marca o início das canções religiosas de Roberto. “O astronauta” com certeza é a melhor interpretação da carreira de Roberto e poderia ter muita chance no festival internacional da canção.


A prova de que Roberto aderiu de fato às canções românticas vem na abertura de seu álbum do ano seguinte: "Detalhes", possivelmente uma das músicas mais importantes da sua carreira. Outras canções românticas como “De tanto Amor” e “Amada amante” se destacam. Esse álbum é apontado por muitos como um dos mais importantes de sua carreira, pois marca a imersão de Roberto na música romântica de fato. E isso justamente define duas das coisas que mais fizeram parte da carreira de Roberto. As canções românticas e de cunho religioso, “Todos estão surdos” foi uma continuação natural de “Jesus Cristo” do álbum anterior. Vale um destaque para “Debaixo dos Caracóis dos seus cabelos", uma rara canção política de Roberto e que não foi censurada, raridade nos anos de chumbo. 


Seu álbum de 1972 é a confirmação do romantismo de Roberto. “A distância" e “Como vai você” são uma boa prova disso. Este aqui é um álbum totalmente orquestral e lírico, repleto de canções de amor, que forma um retrato do que Roberto faria no resto dos anos 70. Ele captou mais uma vez que embalar o amor nos anos de chumbo seria a fórmula certa.

É claro que ele se aproveitou do boom de cantores românticos dos anos 70 como Júlio Iglesias, Barry White, Gilbert O’Sullivan e muitos outros. A música romântica sempre foi muito rentável, e Roberto sempre falou de amor, só mudou o jeito e os arranjos e se encaixou no estilo. E naquele tempo ou ele falava de amor ou de revolução, quem falou de revolução teve muitos problemas, Roberto teve uma carreira sólida e popular, conseguindo unir todas as tribos.


A burocratização de Roberto Carlos

Mas voltando à sua discografia, após 1972 Roberto seguiu os anos 70 com o seu estilo romântico, talvez sua coroação de fato tenha vindo em 1974 quando ganhou da Rede Globo seu especial que ficou no ar por mais de 50 anos. Ele de fato era alguém admirado por todas as esferas.

Contudo, os seus álbuns sofreram com a burocratização, como diz Arthur Dapieve. Em um tempo em que a indústria fonográfica era voraz e sem concorrência com pirataria ou streaming, Roberto era um artista que vendia pelo impulso, e isso fez com que ele lançasse um álbum por ano. Durante os anos 70 tudo correu bem, mas a partir do início dos anos 80 e principalmente nos anos 90 produzir sistematicamente um disco por ano acabou afetando a qualidade do produto final. O que não quer dizer que Roberto tenha tido álbuns ruins, mas muito aquém do que ele já havia produzido anteriormente.  

Não devemos culpá-lo por isso. Se uma música toca no rádio e faz sucesso, um álbum pode vender bastante. O que aconteceu com Roberto foi o mesmo que aconteceu com outros artistas, como Elvis Presley e Frank Sinatra, por exemplo. A obrigatoriedade afetou a qualidade, e isso não os diminui, nem o Roberto. Em todas as suas fases ele compôs grandes músicas que com justiça fizeram e fazem sucesso até hoje.

Essa observação que fizemos deste período especifica só mostra como Roberto foi um artista versátil e até mesmo vanguardista. Ele é muito lembrado apenas como um cantor de rock que passou a ser romântico. Mas ele foi muito mais do que isso e essa transição não foi tão automática como muitos pensam.

Roberto é chamado de Rei com muita razão, pois ele incrivelmente alcançou todas as camadas sociais por mais de 30 anos. Ele foi expoente de vários estilos, ditou moda, mudou a televisão. A contribuição de Roberto não é apenas na música, mas sim na cultura brasileira. E se nós conhecemos a música brasileira como ela é hoje, devemos isso a Roberto Carlos.

João Gabriel

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