Conversa de MPB

Que beleza era aquela? Tim Maia e a Trilogia Racional

quinta, 18 de março de 2021

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Era o ano de 1975 e a carreira de Tim Maia, que já alcançara sucesso e reconhecimento nacional, ganharia (por cerca de 2 anos) um rumo inimaginável àquela época. Ao se ouvir os discos "Tim Maia Racional" em seus 3 volumes a pergunta que deve vir à mente aos mais desavisados é: Que livro é esse que ele tanto difunde

A tão conhecida "Que Beleza (Imunização Racional)" é a primeira faixa do primeiro volume lançado em 1975 (os outros dois foram lançados respectivamente em 1976 e 2011) e provavelmente a mais conhecida de todos os três discos. A história desses dois anos enfronhado nos princípios do Universo Racional, Imunização Racional, Universo em Desencanto e do Mundo Racional começa em uma atração repentina de Tim Maia pelas informações que tinha de Manoel Jacintho Coelho (1903-1991) autor, segundo afirmava via psicografia, da enciclopédia "Universo em Desencanto" publicada em dezenas de volumes e líder da Cultura Racional em Belford Roxo.

O livro "Universo em Desencanto", que fez a cabeça de Tim Maia (foto: Reprodução/capa) 

A ideia central da seita era a de que viemos de um outro planeta, e Jacintho recebeu as informações de um outro plano, diretamente do Racional Superior, segundo o qual poderíamos também alcançar, acessar este “mundo de origem”. De que forma? Alcançando a Imunização Racional a partir do que está descrito no livro "Universo em Desencanto" em todos os seus volumes. Para tanto, todo ser humano deveria buscar se afastar da sua existência animal vivida aqui na terra, e isso seria conseguido vestindo apenas roupas brancas, se afastando de álcool e outras drogas e do sexo sem fins reprodutivos. Um repertório de exigências de comportamento diametralmente oposto à vida que Tim levava.

Foram dois anos regrados dessa forma, cumprindo os protocolos exigidos, na busca da “Imunização Racional”. Segundo Nelson Motta, Jackson do Pandeiro e Antonio Adolfo, entre outros, já haviam recorrido, em momentos de dificuldades, aos rituais do Racional Superior e aos livros da Cultura Racional. Tim, após os primeiros contatos “Reapareceu no estúdio como um outro homem. De cabelo cortado e de cara limpa, todo de branco, com uma camiseta com estranhas imagens de portas que se abriam para o infinito”. A partir de então, refez várias letras para incluir em bases que tinham sido feitas anteriormente, ganharam uma pegada devocional. O primeiro filho de Tim Maia, Carmelo, inclusive, teve seu nome escolhido a partir de três opções dadas pelo médium de Belford Roxo. É Nelson Motta mesmo quem diz que a música "Que Beleza", um reggae-soul, já estava quase pronta e falaria de natureza e coisas belas, com alguns ajustes e adaptações passou a ser um caminho para veicular os ensinamentos e a fé do “Racional Superior”. Uma verdadeira mudança de vida já se apresentava ali: “Que beleza é sentir a natureza / Ter certeza pr'onde vai / E de onde vem ... Que beleza é saber seu nome / Sua origem, seu passado / E seu futuro / Que beleza é conhecer / O desencanto / E ver tudo bem mais claro / No escuro”. A própria imagem vigorosa, reclamando nos estúdios sobre o som, na busca pela perfeição como um “síndico”, deixou de existir e surgiu um Tim Maia mais ameno nos relacionamentos.

Tim Maia e membros da seita Universo em Desencanto, em 1975 (Foto: Reprodução/O Globo) 

Como era de se esperar, os dois álbuns, que são hoje cultuados e raridades no comércio de LP’s, na época, por terem essa pegada de pregação e de proselitismo religioso em todas as faixas, acabaram não tendo apoio de gravadoras e distribuidoras e foram vendidos de mão em mão em shows e até mesmo em semáforos pelos integrantes da banda "Seroma Racional".

Incansavelmente, o discurso da salvação vai se repetindo em diferentes faixas pelos três discos, como em "Energia Racional": “Eu tive que subir / Lá no alto / Para ver / Energia Racional, a verdadeira luz da humanidade”. Em outras canções o mote são as explicações acerca do Universo Racional em "You don’t know what I know:" “I know Where we came from / We came from the super world / World of rational energy / And we live in energy world / World of animal energy”. Para sair deste mundo de energia animal, só lendo o livro mesmo. Ou ainda na multi rítmica e que demonstra como que a gênese do universo e do ser humano "Universo em Desencanto": “Da planície racional / Uns desceram sem razão / Quando o sol começava / Nasce o homem e a mulher / Da resina e da goma / Quando o mar começava / Nasce estrelas lá no céu / E a lua seu papel


Ou ainda os ensinamentos sobre o caminho para se chegar à Imunização Racional que, para os adeptos e para Tim seria pela leitura dos livros "Universo em Desencanto", vendidos inclusive nas apresentações feitas por Tim e a Banda Seroma, assim, não faltaram músicas que insistiam na necessidade de tal leitura como em "Leia o livro Universo em Desencanto": "Leia o livro / Universo em Desencanto / Leia e vai saber o que é encanto / Leia e vai salvar o desencanto. Ou no Vol. 2 O dever de fazer propaganda deste conhecimento: Vou me firmar com os pés no chão / Vou ajudar, divulgar a verdade (...) Vou informar o que eu já sei / Em benefícios pra tudo e pra todos / Recuperar o natural / Pois a fase é racional".

Nesse discurso todo as intenções que ficavam evidentes eram as de que o Universo em Desencanto e do Universo Racional iriam ditar as regras, governar o mundo e assim Tim Maia profetizava em "Rational Culture": “We’re gonna rule the world / Don’t you know, don’t you know / We’re gona put it together”. Ou ainda, seguindo o mesmo caminho, no Vol. 2, é possível encontrar a influência de ritmos cubanos e africados como em Guiné-Bissau, Moçambique e Angola Racional: "Eu vim aqui para lhe dizer / Que eles agora estão / Numa relax / Numa tranquila / Numa boa / Lendo os livros da Cultura Racional / Guiné-Bissau, Moçambique e Angola".


O volume dois é marcado pela incorporação dos membros da Banda Seroma, Paulinho Guitarrista, o baixista Beto Cajueiro e o tecladista Robson Jorge aparecem como compositores de várias composições do volume, inclusive o cantor e compositor Fábio, amigo de décadas de Tim Maia e o compositor Édson Trindade, que compôs também um dos grandes sucessos da carreira de Tim Maia – "Gostava tanto de você". O mais inusitado, dentre os compositores que assinam as canções do volume dois está um certo Tim Maia Racional.

O volume três tem a mesma pegada dos anteriores, seria lançado no ano de 1976 na sequência dos outros dois anteriores. Ele viria a ser o fechamento com chave de outro com suas seis músicas. Mas aconteceu o final do relacionamento de Tim com a Universo Racional. Passaram-se cerca de três décadas pare se encontrar a máster do vol. 3 até que o engenheiro de som William Luna Júnior o encontra em um estúdio de Copacabana e nos traz à vida o volume que faltava. 

Só mesmo muita criatividade para conseguir fazer três discos tão bons circulando em temas tão repetitivos mas com a cara do swing, do conhecimento musical, da diversidade de influências como fez Tim Maia neste período e por toda a sua carreira. Estes aspectos é que fizeram com que esta trilogia se tornasse uma obra histórica e tão relevante, para além das histórias que a circundam. Surto religioso? Maluquice? Influência de amigos? Fuga de uma realidade caótica? Seja lá o que que tenha levado Tim Maia a embarcar por dois anos numa pegada racional, o que importa, creio eu, é que a trilogia nos remete a um verdadeiro passeio pelos encantos (Racionais? Universais?) da versatilidade de Tim Maia

Leonardo Malcher 

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