Historicizando as canções

No bar todo mundo é igual: Reginaldo Rossi e suas centenas de casos de amor

sexta, 17 de fevereiro de 2023

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Reginaldo Rodrigues dos Santos, nascido no dia 14 de fevereiro de 1943 no Recife, conhecido nacionalmente como Reginaldo Rossi, famoso por diversas canções românticas taxados por muitos de brega, como “A raposa e as uvas”, “Leviana”, “Em plena lua de mel”, “As quatro estações”, a lista é grande, contudo, seu maior sucesso é “Garçom”, e isso pode ser explicado pelo próprio Rossi:

“Minhas músicas tocam no iPod do desembargador e no radinho de pilha do porteiro porque, independentemente da classe social, todo mundo sofre por amor e gosta de ouvir canções românticas. Quando um homem leva um chifre, o diploma cai da parede”

Reginaldo vem de uma família de classe média, foi estudante de Engenharia Civil e dava aulas de reforço de matemática. Assim como diversos jovens, também foi influenciado pelos Beatles, iniciou sua carreira musical em 1964, com o grupo The Silver Jets.

 The Silver Jets Créditos: Reprodução/Globo

“A gente sentia que estava para o Nordeste como os Beatles estavam para o mundo”
Reginaldo Rossi sobre o grupo

Aqui já se tem algo importante sobre a carreira de Rossi, nem sempre ele foi o “Rei do Brega”, ele começou no rock, fez parte da onda da Jovem Guarda.

Primeiro LP solo de Rossi, lançado em 1966 pela Chantecler

Uma das músicas desse disco se chama “O pão” com uma sonoridade e letra típica do amor bobo da Jovem Guarda:

“Olha, nunca mais eu quero saber de você
Pois imenso amor que eu lhe dediquei
Você não ligou e nem se quer notou
Olha, você maltratou meu pobre coração
Fez uma bolinha e jogou no chão
E a chorar deixou e sem dizer adeus[...]”

Em 1972, já pela CBS, Rossi lança o LP “Nos teus braços”, e nesse disco tem um clássico de seu repertório, Mon amour, meu bem, femme:

“E nada existe em você
Que eu não ame
Sou metade sem você
Mon amour, meu bem, ma femme[...]”

Em 1976, Rossi lança uma canção que também é digna de nota, “Um romance que ninguém leu”:

“E só por mim, eu vou lutar
Se vou! Aham!
Pois, pra você eu vou provar
Que eu não sou
Uma roupa que se estragou
Uma chuva que não molhou
A semente que não nasceu
Uma fonte que já secou
Um perfume que não cheirou
Um romance que ninguém leu”

Em 1980, pela Jangada/ EMI-Odeon, lançou o LP “A volta” e justamente  a faixa “Volta”, composição de Rossi e Dom Pixote, fez bastante sucesso na época.

“Volta, vem me ver aqui chorando
Vem ver eu me matando
Vem depressa, vem me amar
Volta que eu estou ficando louco
Morrendo pouco a pouco
Por não poder te abraçar”

A partir da década de 1980 se percebe que as canções de Reginaldo Rossi vão tornando a forma com que ele é conhecido hoje, as letras não era mais sobre “brotos” como na Jovem Guarda, aquela temática ingênua do “iê-iê-iê” e ficando mais carregadas em sentimentalismo e mais melodrama. Isso pode ser notado na canção “Meu fracasso”, composição do próprio Rossi, lançada em 1981, no LP “Cheio de Amor”:

“Me dê um pouco de atenção
Quero abrir meu coração
E lhe contar do meu fracasso
Amo demais uma mulher
Que agora diz que não me quer
Que sente amor em outros braços
Mas, ela pode ter desejo
Suspirar com outros beijos
Ter prazer em outros braços
Mas, amor, sei ela não tem
Amar como eu ninguém
Eis aí o meu fracasso
Me dê um pouco de atenção
Quero abrir meu coração
E lhe contar do meu fracasso”

Veja como a letra não é grande, o verso principal é bastante repetido, quem escutar vai perceber isso, contudo, essa forma “simples” ajuda a grudar nos ouvidos e o povo gosta de músicas fáceis de lembrar, basta lembrar de clássicos como “Eu não sou cachorro, não” e “Tortura de amor”, de Waldick, que possuem a mesma base, a mesma estrofe repetida, sem diversos versos . Ou até mesmo “Cadê você?” de Odair José, regravada pela dupla Leandro e Leonardo.

O documentário “Reginaldo Rossi, meu grande amor” mostra que Reginaldo Rossi tinha consciência do estilo de composição que seria popular, ele se mostra bastante entendido de teoria musical e como fazer canções para o gosto popular.

Contudo, o maior sucesso de Rossi não segue estritamente essa regra de poucos versos, mas a temática era extremamente popular, pois, como o próprio já disse, todo mundo já sofreu por amor. Em 1987, é lançado o LP “Teu melhor amigo”, disco que incluía a faixa “Garçom”, porém, diferente do que se pode imaginar, a canção não foi sucesso nacional naquele momento, somente no nordeste, região onde até hoje Reginaldo Rossi é bastante querido e lembrado.

“Garçom
Aqui, nessa mesa de bar
Você já cansou de escutar
Centenas de casos de amor”

Em 1995 foi lançado um clipe da canção e a partir disso ela dominou o país. E foi na década de 1990 que se iniciou a criar essa imagem de “Rei do Brega”, termo este que nem o próprio Reginaldo gostava, pois tinha consciência da carga pejorativa dele. Lembrando que na década de 1970 era usado o termo cafona, para artistas como Waldick Soriano, Odair José, Nelson Ned, Paulo Sérgio, etc. A partir da década de 1980 o termo brega começou a ser usado. Mas como ele viu que não tinha escapatório, além da mídia, o próprio povo abraçou o “brega”, ele aceitou o personagem do rei do brega.

“O brega é a linguagem do povo. Não tem essa de ‘data vênia’, ‘metamorfose do meu ego’, ‘infraestrutura do meu ser’ e coisa e tal.”
Reginaldo Rossi

Reginaldo Rossi tem um admirador bastante famoso, Julio Iglesias, que não precisa de apresentações. Em 1991, o cantor espanhol estava em Pernambuco e quis conhecer Rossi, elogiou sua voz, dizendo que o recifense cantava melhor que ele. 

Julio Iglesias e Reginaldo Rossi em hotel no Litoral Sul pernambucano. (Foto: Fernando Gusmãoo/DP/D.A Press) Créditos: Diário de Pernambuco

Em 1997, Rossi grava o disco “Última canção”, é a primeira faixa, uma regravação da clássica canção eternizada na voz do cantor capixaba Paulo Sérgio, assim Rossi, de maneira consciente ou não, afirma e endossa a importância e o legado de Paulo Sérgio, acusado de ser uma cópia barata de Roberto Carlos e de cafona mas que foi extremamente famoso no gosto popular. No mesmo disco Rossi gravou também “Se meu amor não chegar”,  sucesso na voz do também chamado de brega, Carlos André.

“Não posso mais, eu confesso
Confesso que vou chorar
Hoje quebro essa mesa
Se meu amor não chegar”

Reginaldo Rossi também era apaixonado pela sua cidade natal, Recife, demonstrando essa paixão em mais de uma música, como em “Recife” presente no disco “A volta”, já citado neste texto.

“Existem muito mais coisas bonitas em Recife
Além das praias e do Sol
Existe toda uma cultura
Que ferve com o frevo
E que se cala e estremece
Sob o som dos Maracatus de Baque virado”

E Recife até hoje retribui o amor, a capital instituiu o brega como patrimônio cultural imaterial. Além disso, no centro de Recife existe uma estátua em homenagem a Reginaldo Rossi.

Reginaldo Rossi faleceu em 2013, em decorrência de um câncer no pulmão. Se não fosse por isso, estaria completando 80 anos dia 14 de fevereiro agora em 2023. Depois de 10 anos sua obra continua presente no imaginário popular, encantando diversas gerações, pois, repetindo o que já foi dito anteriormente, todo mundo sofre por amor, a identificação com seu repertório é imediata. Brega mesmo é ter vergonha de mostrar os sentimentos.

“Quando você foi embora
Os dias pra mim foram tristes demais
Nunca pensei que você
Fizesse a falta que agora me faz”

Arnaldo Sete/DP, Diário de Pernambuco




Foto de capa: Reginaldo Rossi em show no ano de 2013 / Créditos: Diego Marcel

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