Música

Nei Lopes comemora com EP 80 anos, e 50 anos de samba

quinta, 13 de abril de 2023

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Aos 80 anos de vida recém-completos e pouco mais de 50 de carreira – desde que teve suas primeiras composições gravadas pela então estreante cantora Alcione, nos idos de 1972 –, Nei Braz Lopes, ao contrário da maioria dos pares de sua geração que começam naturalmente a levantar o pé do acelerador, segue dando sinais de sua infinda produtividade artística.

O mais recente deles é este EP, Nei Lopes 80, com cinco composições inéditas, em que o “doutor honoris causa em Samba” e cria do Irajá desfila sua habitual categoria com os versos, seu repertório inesgotável de reflexões e palavras, conectado ao tempo presente com contundência crítica, sem nunca abandonar a fina ironia, a malícia da malandragem, o drible no lugar-comum com a criatividade que só os partideiros como ele, Nei, têm na ponta da língua e da caneta.

Das cinco canções inéditas, quatro são criações mais recentes. “Partido vacinado” (letra de Nei musicada por Cláudio Jorge), feita em tempos de pandemia, versa de forma bem humorada sobre negacionistas da vacina, brincando com localidades cariocas tão conhecidas pelo autor, os bairros da Saúde, da Gamboa e de Oswaldo Cruz: “A Saúde está doente/ Vou me mudar pra Gamboa/ Toma cuidado, gerente/ Com o balanço da canoa”.

Em “Samba em repúdio” – alô, Vinicius e Baden, autores de “Samba em prelúdio” –, composta apenas por Nei, o autor tira onda com uma expressão (“repudio veementemente”) que ele escuta desde os tempos em que estudou na Faculdade Nacional de Direito. O pano de fundo do enredo e os personagens são antigos conhecidos e chegados de Nei lá da Portela, como Alberto Lonato, Chico Santana e Nozinho. Mas o recado mesmo é endereçado à classe política que circulou por Brasília nos últimos anos. Sobram críticas também para as distorções e bizarrices do instrumento lavajatista tornado nacionalmente conhecido como delação “premiada” e para a sociedade dos tempos modernos que, diante de comportamentos condenáveis (como, por exemplo, atos racistas), em vez de responder com ações práticas contenta-se, acomodada, em emitir insuficientes notas de repúdio.

Nas duas faixas, Nei é ladeado por um time de instrumentistas, cantores e cantoras de São Paulo arregimentado pelo diretor musical e produtor do EP (em parceria com Marcus Fernando), o saxofonista, compositor e arranjador Thiago França. Nei gostou tanto da sonoridade proposta pelo “nosso maestro”, como ele mesmo diz, e não esconde a vontade de apresentar a turma de São Paulo para plateias do Rio e, também, de circular pelo Brasil.

Em “Clareia Iaô” (parceria de Nei com Alceu Maia), sob a aparente leveza de versos sobre cores de roupas, está a crítica à crescente intolerância religiosa no Brasil a práticas e crenças ligadas a matrizes africanas. Na parte musical: a habitual elegância e o balanço de Rodrigo Campos (autor do arranjo e quem vestiu o samba com cavaquinho, guitarra, percussão, programação e samples).

Em “Surreal demais”, composta apenas por Nei Lopes, o autor homenageia Cuba, país e povo com quem tem fortes ligações por motivações culturais, musicais e, claro, espirituais. Da faixa com sonoridade mais diferente do disco – distante da estética clássica do samba –, basta falar do violão inigualável de Kiko Dinucci.

Por fim, o samba composto há mais tempo – e lá se vão quase 50 anos –, “Sessenta e tal” foi feito por Nei com seu grande parceiro Wilson Moreira, um dos maiores melodistas do mundo. A letra, escrita nos anos 1970, fala sobre figuras notáveis da década anterior (e também das seguintes), como Clara Nunes, Conjunto Nosso Samba, Elizeth Cardoso e a tríade-diamante da batucada: Luna, Elizeu e Marçal.

Não é toda hora que se tem o privilégio de escutar uma inédita de Wilson Moreira e Nei Lopes, parceria das mais inspiradas na história da música brasileira. Erudição e refinamento de verso e melodia, ambos com veias irremediavelmente populares. Do mesmo quilate dos sambas de Bide e Marçal, de Dona Ivone e Delcio Carvalho, de João Bosco e Aldir, de Baden e Paulo César Pinheiro, de Paulinho e Elton, de Arlindo e Sombrinha.

Nei escreveu lá atrás “é isso aí, ê Irajá, meu samba é a única coisa que eu posso te dar”. Acontece que essa “única coisa” – como os sambas inéditos deste EP, somados às produções literárias, incessantes e premiadas, de Nei Lopes – é coisa muito séria. Motivo de orgulho não apenas para Seu Luiz Braz Lopes, aquariano que não fazia concessões, pai de Nei e inspirador dos versos de “Samba do Irajá”, mas também para um país inteiro.




Encaminhado por YB Music

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