Amigo ao Peito

Mais Egberto pelo mundo

quarta, 07 de outubro de 2020

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-Como já disse, eu viajava com Egberto por aí. O objetivo era cuidar dos violões. Com o tempo, acumulei as funções de coprodutor e de roadie. Fazia de tudo. Então, um dia, para que o show fluísse melhor, ele começaria com um violão. Tocaria duas músicas, me entregaria, eu mudaria a afinação enquanto ele tocava outras duas músicas. Então voltaria e entregaria o violão recém afinado. 

Afinar violão é coisa simples. Mas o violão do Egberto tem uma afinação totalmente doida, eu não estava acostumado com ela. E são 12 cordas... Mas temos a tecnologia, os afinadores eletrônicos do celular são maravilhosos. Entrei no palco, peguei o violão e fui para o cantinho afinar. Baixinho, para não atrapalhar. Liguei o afinador, e ele cravou num Si bemol. Não entendi nada. Até que me dei conta: ele captou o zumbido do ar condicionado e adeus. Tive que afinar no ouvido, baixinho, do lado do palco, apavorado. Terminei exatamente na hora H, quando ele terminou a apresentação com o outro. Entreguei o instrumento, e disse baixinho:

-Checa a afinação!

Ele virou-se PARA O PÚBLICO e disse:

-O Ricardo me mandou checar a afinação. Não vou checar nada, se estiver ruim vou tocar desafinado e vai ser culpa dele!

Existe um Deus, estava afinado!

-Argentina. Teríamos um show no meio da semana, cancelado por causa da erupção de um vulcão. Ficamos uma semana presos em Buenos Aires. Para nos animar, o produtor resolveu nos levar a uma feira tradicional numa cidade próxima. “Próxima” era modo de falar; ele devia ter sangue mineiro nas veias; na ida, foram umas duas horas. Na volta, umas três. Era um alucinado na direção, ia para onde o nariz apontava. Em dado momento, após uma hora de volta, perguntei:

-Estamos indo para Buenos Aires?

-Por supuesto!

-Então é para o outro lado. Acabei de ver a placa.

E ele andava rápido. Subitamente, um pedágio. Fila. Ele, esperto, foi para a extrema esquerda, onde não havia carro nenhum. Guichê fechado, havia um enorme X vermelho iluminado em cima... Ele começou a buzinar, não entendi o porquê. Egberto, felicíssimo, evidentemente. Resolveu dar ré. Uma LONGA ré, facilitada por não haver ninguém naquele pedaço. Vislumbrou uma cabine mais vazia na outra extremidade, e saiu cortando todo mundo. Chegou lá, não tinha ninguém na cabine. Ele meteu a mão na buzina novamente. Eu ponderei que era uma cabine expressa, para quem tinha o aparelhinho de pagamento automático. Ele nunca ouviu falar nisso, deu ré – dessa vez com mais dificuldade – furou fila e, enfim, passou.

E Egberto felicíssimo.

-Na sequência da viagem, fomos para Montevideo. No teatro Solis, no Camarim, um quadro representando o palco. Tomei o susto da vida quando vi o Egberto andando no quadro! Me senti em Hogwarts, mas não era um quadro, era a tela do circuito interno de televisão.

-Nova Iorque. Egberto prefere ficar num hotel mais ou menos mas perto do teatro a ficar num luxuoso, porém distante. Foi o caso, um meio com cara de Ibis. Ficou com o melhor quarto, um ambiente esquisito, mas, segundo o gerente, o melhor da casa. Tinha uma hidromassagem DENTRO do quarto, com iluminação colorida. Mas o que chamou a atenção foi um quadro espelhado, com a foto do Teddy Roosevelt, e uma almofada com a efígie do Lincoln. Demorei para entender o porquê de uma decoração tão exótica, mas consegui: era a suíte presidencial!

-Ainda em Nova Iorque, Egberto resolve falar com a família e ao mesmo tempo se divertir com a telefonista. Naqueles tempos, uma ligação internacional dependia da intervenção de um “operator”, nada era automático.

Ele mandou, em inglês, evidentemente:

-Telefonista, por favor, eu gostaria de uma ligação internacional para o Brasil, Rio de Janeiro, cidade do Carmo. 

-Pois não. Qual o número do telefone?

-1.

-Como, senhor?

-1. 

-Poderia repetir?

-Pois não, 1.

-Mas é só isso?

-Sim, 1.

Ela, meio sem entender (nos EUA provavelmente NENHUMA cidade teria um número de telefone assim), tentou outra saída:

-Não teria outro número?

-Ah, certamente!

Ela, aliviada:

-Pode me passar, por favor?

-Claro: 2.

-No Carmo, à noite, roda de violão no bar. Egberto assiste. De repente, tocam uma melodia de seu avô. Ele não resiste, pega um violão e se junta ao pessoal. Toca uma, duas, alguém toma o violão da mão dele.

-Guiberto, fica só ouvindo, você toca uns acordes MUITO complicados.

-Aeroporto, esperando voo, uma família grande, claramente sem hábito de viagens aéreas, se revezava tirando fotos. Egberto se oferece para tirar foto de todos, que aceitam, agradecidos. Foto tirada, voltamos para nossos assentos, um grupo o reconhece e o cerca, fotografando, conversando. O pai da família fotografada vem a mim e me pergunta:

-Ele é famoso?

-Não, devem ter confundido ele com alguém.

-Ah, logo vi. Se fosse famoso não ia ser tão bacana.

-Não tenha dúvida!

-Leo Brouwer esteve no Rio, e fomos almoçar na casa do Egberto, amigos fraternos que são. Conversa vai, conversa vem, falam de um amigo comum, famoso pelas histórias. Chamemo-lo de Manuel. A melhor dele se passou nos anos 60, estava num avião da Aeroflot e quatro rapazes mascarados sequestram a aeronave. Manuel, com sua extrema coragem, se joga sobre um deles, o imobiliza e arranca sua máscara. O susto:

-John Lennon????

E o John:

-Manuel??????

Ficaram debatendo sobre o que era mais improvável: se os Beatles sequestrarem um avião russo saindo de Cuba ou John Lennon conhecer o Manuel...

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