Colunista Convidado

Luiz Gonzaga e a arte de dar vida às tradições

Por Heitor Zaghetto

domingo, 13 de dezembro de 2020

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No calendário da Música Popular Brasileira, o 13 de Dezembro tem dono: é o dia em que se celebra o nascimento de Luiz Gonzaga, o Dia Nacional do Forró. É bonito ver a comemoração em datas como essa, fazendo com que o dia em que os católicos comemoram o dia de Santa Luzia, a quem o nome do sanfoneiro é dedicado, se torne também o dia de Seu Luiz. Não pode deixar de dar a gostosa sensação de uma canonização popular do sanfoneiro.

Mas a obra de Gonzaga divide seus seguidores. Para uns, o sanfoneiro foi o grande responsável pela preservação das tradições nordestinas, defensor de sua música e porta-voz do sertão. Para outros, foi um inovador: o primeiro grande fenômeno da indústria cultural no Brasil, o criador de gêneros musicais inéditos e o impulsionador de uma forma nova de tocar e cantar.

Ambos estão estão certos, e, talvez o grande mérito da obra do Gonzagão seja, justamente, que ele só pôde se tornar um grande defensor das antigas tradições porque reinventou-as. Exemplos não faltam: na formação da banda, Luiz Gonzaga assumiu o zabumba das bandas de pife e o triângulo, inspirado por um vendedor de biscoito na rua, para formar o trio pé-de-serra, como a formação básica para se tocar o baião. No figurino, viu o sulista Pedro Raymundo com seus trajes típicos e tratou logo de encomendar um chapéu de cangaceiro, que depois foi acompanhado de outros elementos da vestimenta que emulavam o cangaceiro e o vaqueiro – dois personagens centrais do imaginário do sertão nordestino.

Luiz Gonzaga com o "uniforme" que virou marca registrada (Foto: Reprodução)

Mas, antes de tudo, foi na própria música que ele fez com que coexistissem a invenção e a tradição: na sua forma de cantar, na sua sanfona e no seu repertório. A música “Juazeiro”, por exemplo, é uma transformação da antiga “Caatingueira”, cantada pelo seu pai Januário, que Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga mudaram, adaptaram, recolocaram, criando algo novo a partir do que já circulava pelo interior do Nordeste. É o caso de "Asa Branca", tema que já existia, improvisado, variado, circulando nas vozes do povo, tomando as mais diversas formas, e que Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira consolidaram, construindo, assim, a versão definitiva do hino.


Também nos muitos ritmos que eles lançaram na indústria de massa, o processo era o mesmo: mergulhar na experiência em que a sua vida estava imersa para lançar nos meios de comunicação de massa ritmos que se propunham a ser sensações nacionais, alguns com sucesso, como o baião e o xaxado, e outros sem o mesmo impacto, como o siridó.

Mas Luiz Gonzaga não realizou todas essas invenções sozinho, pelo contrário, a força do forró sempre esteve em um coletivo. Não é à toa que o sanfoneiro sempre foi parceiro de grandes poetas, como Humberto Teixeira, Zé Dantas e João Silva, para citar alguns dos mais relevantes. Também essa capacidade do Gonzagão de contagiar outras pessoas foi um traço determinante para a longevidade do seu legado – não foram poucos os que fizeram carreira imitando o ídolo, aprenderam a tocar o baião com ele nos mais diversos instrumentos ou que ganharam uma das muitas sanfonas com que ele presenteou seus discípulos.

Luiz Gonzaga e sua sanfona (Foto: Reprodução)

O que Luiz Gonzaga nos ensina, enfim, é que, as tradições dependem de uma inventividade constante para estarem vivas. Se as invenções de Luiz Gonzaga foram tão fortes, é porque o sanfoneiro teve a sensibilidade de entender grandes questões do seu tempo, de se apoiar em seus pares e conseguir fazer surgir neles o desejo de viver o seu legado, e, mais do que tudo, ser fiel às suas invenções, mesmo nos períodos de ostracismo. 

Assim, o velho Lua justificava a fidelidade de décadas ao seu estilo próprio, em  entrevista ao Jornal do Brasil:

"A maioria dos cantores que aparecem com um grande sucesso, quando sente que o sucesso está em declínio, tende a mudar, deixando de lado tudo o que fez antes e procurando outra jogada, mas não uma jogada sua. Eu segui o conselho do velho Januário, de sempre seguir em frente."

Se as suas invenções estão vivas, se espalhando em bares e academias de dança de salão, festivais e salas de reboco, é graças a esse caminho por ele percorrido, graças a uma vida de dedicação do Rei do Baião. É tempo, então, de se comemorar o nascimento de Luiz Gonzaga: Viva o Rei!


Texto por: Heitor Zaghetto

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