Colunista Convidado

Luana Carvalho homenageia a mãe Beth em 'Baile de máscara'

sexta, 19 de junho de 2020

Compartilhar:

Nascida no icônico berço do samba, no bairro carioca da Gamboa, Elizabeth Santos Leal de Carvalho, a Beth Carvalho (1946-2019), foi criada na zona sul da cidade, onde morou em diversos bairros. Estreou na bossa nova, num compacto simples,em 1965, chancelado por uma dupla chave do movimento, Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli (“Por quem morreu de amor”). Em 1967, gravou o vinil “Muito na onda”, com o grupo 3D do pianista Antonio Adolfo e o guitarrista Helio Delmiro, emulando, entre bossas e hits internacionais, o conjunto Brasil 66, do pianista Sérgio Mendes, então estourado nos EUA. Mas Beth logo se tornaria conhecida com o sucesso da toada moderna “Andança” (Danilo Caymmi/ Edmundo Souto/ Paulinho Tapajós), terceira classificada no Festival  Internacional da Canção de 1968. Após um disco solo lançado em seguida, pela EMI/Odeon, ela abriria mão das mordomias da multinacional para abraçar o samba na pequena gravadora Tapecar, a partir do disco “Canto por um novo dia”, em 1973. A decisão corajosa e radical a transformaria numa das mais importantes intérpretes do gênero, responsável em boa parte por seu retorno ao pódio da mídia.

Esta diva de sólido pedestal, um ano após sua morte, recebe homenagem de sua filha, a atriz e cantora Luana Carvalho, cujo manifesto autoral duplo (“Sul” e “Branco”), lançado em 2017, co-produzido com Moreno (filho de Caetano) Veloso, já a distinguia por uma caligrafia própria, sem decalques. Por isso, apesar de recriar repertório gravado por Beth, “Baile de máscara” (Altafonte) irradia inovação e audácia estética, em suas seletas seis faixas. Co-produzido por ela e Kassin, “com a colaboração expressiva” de VovôBebê (violão, guitarra, coro e gravação de vozes), o álbum tem participações de Pretinho da Serrinha (percussões, cavaquinho), Cristina Braga (harpa), Dedé Silva (bateria), Rodrigo Tavares (teclados), Luis Filipe de Lima (violão 7 cordas), Marlon Sette (trombone), Jorge Continentino (clarinete) e Chiara Banfi (coro), “todos gravados remotamente, em suas casinhas”, frisa ela. “É um disco em homenagem à minha mãe e também resultado da reflexão sobre entrar em quarentena logo após o carnaval”, aponta.

Luana Carvalho (Foto: Ana Alexandrino/Divulgação) 

“E no meu caso, uma temporada de dois meses em Salvador, cidade do tato, do suor e da paixão. O que seria para muitos a quaresma após a quarta feira de cinzas, é entretanto, uma quarentena de cinzas. A transição da mais intensa reunião de corpos nas ruas ao isolamento total dentro das casas”, analisa ela, no texto de apresentação do disco, cujo repertório aborda o carnaval. “Mas não são necessariamente sambas de carnaval”, distingue. E nem sempre, na releitura, é a batida do samba que predomina, como na dicção pop/rock impressa em “Falso reinado”, de Adilson Bispo e Zé Roberto (“não vou curtir solidão/ pra não ferir meu coração/ eu vou sair por aí/ também vou me divertir”), fisgado no disco “Beth”, de 1986.

De “Beth Carvalho canta o samba de São Paulo” (1993), a ácida “Dia seguinte” (“que será desta porta bandeira/ que foi tão aplaudida/ amanhã, quando recomeçar a tristeza interrompida?”), de Carlinhos Vergueiro e J. Petrolino (pseudônimo do produtor Aluizio Falcão), ganha sambalanço de órgão eletrificado, e um desempenho comovido de Luana. Ela recorre ao primeiro álbum solo da mãe, “Andança” (1969) para reciclar uma pérola obscura: “Carnaval”, de Carlos Elias e Nelson Lins e Barros (um dos mentores do politizado Centro Popular de Cultura, da UNE). Já, “Meu escudo” (Noca da Portela/ Délcio Carvalho), provém de “Mundo melhor” (1976). Ambas ressurgem em arranjos minimalistas que valorizam timbres e texturas, singrados com maestria pela cantora. Vergasta a letra da segunda: “Para suportar um mundo de desilusão/ vou usando como escudo o meu coração”. Do histórico “De pé no chão”, de 1978, em que Beth desvelava o pagode do Cacique de Ramos, é o corrosivo “Visual”, de Neném e Pintado (“hoje o mercenarismo impõe sua gana/ e o sambista que não tem grana não brinca mais o carnaval”), em que a filha contracena com o registro vocal da mãe e ainda tem, ao final, a intervenção da neta, Mia, de dois anos.

Fecha o cortejo, uma das raras composições otimistas do bardo dos cabarés Nelson Cavaquinho (com Guilherme de Brito), “Minha festa”, regravada pela homenageada em vários discos, agora numa quebrada palmeada de samba de roda, com sua aura de esperança: “Contigo aprendi a sorrir/ escondeste o pranto de quem sofreu tanto/ organizaste uma festa em mim/ é por isso que eu canto assim”.

Tárik de Souza


Comentários

Divulgue seu lançamento