Almanaque do Rock Brasileiro

Entrevista com Luiz Felipe Carneiro, autor do livro "Rock in Rio: a História"

quinta, 06 de outubro de 2022

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Em setembro, na Cidade do Rock (Rio de Janeiro) aconteceu o Rock In Rio. O Carnaval da Música POP! E mediante a isso, eu, João Gabriel, do Almanaque do Rock, orgulhosamente entrevisto Luiz Felipe Carneiro, autor do livro “Rock in Rio: A História - Bastidores, segredos, shows e loucuras que marcaram o maior festival do mundo”, lançado pela editora Globo. Como estamos fazendo a série do BRock dos anos 80, a entrevista foi voltada às edições de 1985 e 1991.

Se por um acaso você vai ao Rock in Rio hoje, você com certeza vê um festival bem diferente do que no passado, como diz o próprio Luiz Felipe:

“Em 85 e 91 tinha muito problema. Em 85 o trilho quebrou, em 91, o Lobão não pode passar som, em 85 o Queen atrasou não sei quantas horas. E hoje, cara, não o profissionalismo, mas a pontualidade chega até irritar, porque se o cara do palco Sunset resolver dar um bis de uma música, você já perdeu uma música do palco Mundo, é uma coisa muito cronometrada.”

Portanto, vamos viajar no tempo e conhecer um pouco mais sobre o que foram essas primeiras edições.

João Gabriel: Quais eram as dificuldades de se fazer um show de Rock Internacional nos anos 80?

Luiz Felipe: As bandas (internacionais) virem aqui era uma bagunça, os cachês eram altos, os instrumentos eram roubados. O Queen ia fazer um show no aterro do Flamengo em 81, aí o governador falou: “Não vai ter o show”. O show passou para o Maracanã, aí também não pode ser no Maracanã, os caras acabaram fazendo aqueles dois shows históricos no Morumbi. Então era tudo muito bagunçado, não tinha uma profissionalização desse mercado de shows, acho que o máximo naquela época era um show no Canecão.

Ninguém imaginava que seria um show para 250 mil pessoas na cidade do rock, eventualmente tinha um show no maracanã, mas você vê que eram pouquíssimos, o Sinatra fez em 80, o Kiss fez em 83. E depois do Rock in Rio o Paul McCartney veio, o Eric Clapton, David Bowie, e teve Hollywood Rock aí a porteira abriu.

Algo que sintetiza bem o que ele disse acima foi esta passagem que vale a pena destacar:

“Em 85, o Iron Maiden falou "não", aí o que o Medina fez, pagou cinco vezes o Cachê todo do Merchandising que eles iam deixar de vender nos Estados Unidos, pra vir ao Brasil. O Bruce Dickinson escreveu isso na sua autobiografia “No Final das Contas". Não tinha como falar não, porque tudo que a gente queria eles diziam sim.”


JG: Você acha que o Frank Sinatra foi um divisor de águas para a indústria de shows no Brasil?

“O Rock In Rio aconteceu muito por conta da influência do empresário do Sinatra que trabalhou com a Artplan em sua vinda para o Brasil em 1980.”

LF: O divisor de águas pra mim foi o Rock In Rio, o Frank Sinatra foi uma tentativa de se fazer um grande show no Brasil, como teve o Kiss, o Van Halen, o The Police. Só que o Frank Sinatra talvez tenha sido o mais sério, o mais organizado, por assim dizer, de colocar no Maracanã ele lá naquele meio do palco, apesar da chuva. Eu não posso dizer que o show do Frank Sinatra foi o divisor de águas para o show business, continuo achando que foi o Rock In Rio de 85. Mas se não tivesse tido o Frank Sinatra não teria o Rock in Rio, porque o Medina já sentiu o clima, já sabia o que era um show no maracanã, sabia o que era trazer um artista, as dificuldades, tanto que no livro eu chamo o show do Frank Sinatra de “Rock In Rio 0”.


JG: Você sabe como eram feitas as escalações dos Shows (Line Up)?

LF: Eu acho que até 2001, o negócio era feito mais através de pesquisas, não muito profundas e palpites, e gosto pessoal do Medina. O Medina falou: “Eu trouxe o Neil Young em 2001, porque eu queria ver o show do Neil Young”. Em 91 acho que foi muito por conta da MTV, foi o “festival da MTV”, era  todo mundo que fazia sucesso na MTV. Eu acredito que tenha sido uma pesquisa em cima da MTV.

Agora, a partir de 2011, o negócio passou a ser muito profissional de grana mesmo. o Medina fala: “Cara devem ter 20 bandas no mundo que enchem a cidade do Rock, não mais do que isso”; ele fala: “É por isso que eu repito mesmo. Eu coloco o Red Hot Chilli Peppers porque ele lota, se eu colocar todo ano ele vai lotar, por isso que eu chamo."


JG: Existem fitas dos shows de 85? Você cita as vinhetas do RIR do momento Rock para a edição de 85, você teve acesso a isso?

LF: Muito Pouco, essas coisas de vinheta do momento Rock, eu não procurei muito, o que eu procurei mesmo foram os shows. Das reportagens que eu usei, teve um colecionador que me mandou algumas, mas muita coisa, a maioria eu peguei no YouTube mesmo. O de 85 tem muita coisa, muita entrevista depois dos shows.


JG: Porque foi tão difícil fazer o Rock In Rio II?

LF: O Rock in Rio II provavelmente aconteceria em 87, a princípio 86, mas ele achava que não ia dar tempo. Mas 87 era certo, só que não rolou e teve que desmontar a cidade do Rock. A ideia do RIR de 91 era fazer um festival nos moldes dos festivais europeus, com pelo menos dois palcos, então eles iam fazer no autódromo. Só que o autódromo era da prefeitura, e na época o prefeito do Rio que eu não me lembro quem era, acho que era Marcelo Alencar (era sim), ele era da turma contrária ao RIR, aí eles já ficaram com medo, então não ia ser o autódromo. Por isso que foi no Maracanã, porque o prefeito era alinhado com o Rock in Rio, então eles foram fazer no Maracanã. Aí eu falei com o Medina e ele me disse: “Por mais duro que seja, se eu pudesse, a edição de 1991 não teria existido”. O Rock In Rio de 91 não tem nada a ver com o Rock In Rio, era um bando de gente dentro do estádio, sem poder se mexer.


JG: Se fosse em 87 ou 88 seria melhor? Nessa época nós temos a Legião Urbana, o RPM, a gente tem muita gente que talvez pudesse ter entrado ali.

LF: É, ficou esse vácuo, porque em 85 os Paralamas arrebentaram, o Kid Abelha mandou bem, o Lulu, mas tava todo mundo começando, era tudo amador. Talvez em 91, essas bandas, por mais duro que seja, já eram vistas como coisa do passado, porque já estava surgindo alguma coisa nova dos anos 90. O maior exemplo disso é o Lobão. O Lobão no Hollywood Rock de 90 foi eleito o melhor show daquela edição, por parte do público, tanto que saiu até o disco ao vivo, aquele “Vivo”. Em 91 o cara foi expulso do palco.

Aí você fala: “Ah, eram os metaleiros”. Cara, eu acho que não era bem questão de serem metaleiros, foi uma coisa muito de “Ah, vamo dar uma zoada no cara”, pra mim foi muito mais isso do que o fato dele não ser metaleiro, até porque naquela noite teve Queensrÿche e ninguém reclamou. Então, realmente eu acho que se tivesse o Rock In Rio em 87, acho que a gente veria os Titãs fazendo o show do “Cabeça Dinossauro”, se fosse em 88 a gente ia ver a Legião fazendo o show do “Que País é Esse”. E realmente ficou esse vácuo.


JG: O que você acha que o Rock in Rio significou para aquela geração?

LF: Eu acho que com relação à música brasileira, o Rock in Rio sedimentou aquela geração. No RIR de 85, o Kid Abelha não tinha empresário e depois eles viram que tem que ter. E eu acho que o RIR não só sedimentou o caminho daquelas bandas que tocaram, tipo Lulu Santos, Paralamas, Kid Abelha, mas pavimentou também o caminho de bandas que não tocaram mas surgiram naquele momento e acabaram indo na aba, tipo RPM. No ano seguinte do RIR eles estavam fazendo show com Raio Laser, lotando ginásio. A Legião estreou em 85 junto com os Engenheiros e no ano seguinte já estavam fazendo seus shows em alguns em ginásio.

Então eu acho que o RIR foi fundamental pra essa geração do rock dos anos 80, seja o artista que tocou ou que não tocou no Rock in Rio, eu acho que se não tivesse tido RIR a geração do BRock não teria sido como foi.

É lógico ela, teria acontecido, mas não da forma como aconteceu. Eu acho que foi muito importante também pelo gosto do público: minha teoria é que o brasileiro hoje é fanático pelo Iron Maiden e pelo AC/DC por causa do Rock in Rio. Foi uma relação de amor que começou naquele momento.


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