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Dois poetas da Vila

domingo, 16 de maio de 2021

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Noel Rosa foi um dos maiores compositores brasileiros das primeiras décadas do século 20. Entre os anos de 1929, quando compôs o primeiro grande samba, “Com que roupa?” (gravado em 1930 e sucesso absoluto no Carnaval de 1931) e 1937, quando morreu, construiu o conjunto de obras mais inspirado e admirado da música brasileira.   

Aldir Blanc produziu intensamente a partir de meados dos anos 1970 e durante as duas primeiras décadas do século 20. Teve mais tempo para criar e ser fiel ao maior legado do Poeta da Vila: a crônica de costumes servindo de fonte de inspiração para a construção de obras-primas. E mais: da Vila também foi, pois embora nascido no Estácio, buscou a vida inteira o seu tesouro escondido na caverna da infância inesquecível, passada à sombra de goiabeiras na Rua dos Artistas (como contou, lindamente, nas crônicas reunidas no pequeno grande livro “Vida Isabel – inventário de infância”).

Quis o destino que o dia 4 de maio registrasse no calendário a morte dos dois poetaços da Vila (Aldir, em 2020, vítima da terrível epidemia que varreu o planeta e matou tantos brasileiros), que tiveram ainda outra coincidência em suas trajetórias: ambos estudaram Medicina e ambos trocaram a vocação pelo chamado da música. Neste dia, neste 2021, foram homenageados pela tradicional roda de samba do Bar Bip Bip, a maior congregação popular, tanto física quanto por meios digitais, de grandes músicos do planeta (não sou só eu quem garante). 

O amor (com direito a suas emoções, traições, desesperos, transcendências, alegrias, utopias e contratempos), o desamor, o botequim, o futebol, as crenças, descrenças e nuances estiveram presentes nos versos dos dois artistas como se eles tivessem combinado, como se separados por pelo menos uma geração (um nasceu em 1910, o outro em 1946), falassem a mesmíssima língua; e falavam, é claro: a língua dos gênios.

Numa época em que uma simples tuberculose matava, Noel Rosa bebeu muito sereno – sempre acompanhado de um bom traçado, um conhaque e a cervejinha de fé – e descuidou do peito. Num tempo em que o desprezo pela vida se tornou padrão nos destinos e na saúde dos brasileiros, Aldir Blanc foi impedido de continuar bebendo sua poesia e a transformando em esperança equilibrista. O primeiro está aqui, cento e tantos anos depois de nascido. O segundo também, um ano após sua partida, e para sempre.

Luís Pimentel 

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