Música

Discografia do cantor Carlos José é atualizada no IMMuB

Relembre a trajetória do “último seresteiro”, falecido há 1 ano

sábado, 29 de maio de 2021

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Há cerca de um ano, no dia 9 de maio de 2020, a Covid-19 nos privou da presença de um dos maiores talentos da música romântica brasileira: o cantor Carlos José, apelidado (orgulhosamente) de “o último seresteiro” por seu apego às canções de amor produzidas entre os anos 40 e 50.

Carlos José nos anos 1960. (Foto: Arquivo Pessoal)

Nascido em São Paulo em setembro de 1934, mudou-se para o Rio de Janeiro ainda criança, onde não demorou a se interessar por música. A primeira vez que ele enfrentou um microfone foi em 1947, com pouco mais de dez anos, no programa de calouros “Papel Carbono”, apresentado por Renato Murce na Rádio Nacional. A ideia da atração era que os novatos imitassem alguma voz já conhecida no universo radiofônico, mas Carlos José preferiu não imitar ninguém, talvez já guiado por seu talento intuitivo e autodidata. Saiu vencedor do concurso. 

A carreira profissional pra valer começou 10 anos depois, em 1957, quando passou a se apresentar no programa “Um Instante, Maestro”, comandado por Flávio Cavalcanti. Nesse mesmo ano, fez sua estreia na indústria fonográfica com um disco de 78 rotações por minuto que incluía as faixas “Foi a noite”, de Tom Jobim e Newton Mendonça, e “Ouça”, sucesso também recém-lançado pela própria compositora da canção, Maysa

O disco lhe rendeu o título de “Cantor Revelação do Ano” e lhe abriu as portas para que continuasse gravando novos discos nos anos seguintes, sempre com um repertório que era a cara daquele fim da década de 1950: romântico, moderno, sofisticado e que transportava qualquer ouvinte ao cenário das boates elegantes do Rio de Janeiro dos anos dourados. Nesse período, além de Maysa e Tom Jobim, gravou também coisas de Dorival Caymmi (“Só louco”), Billy Blanco (“Viva meu samba”), Luiz Bonfá (“Outro adeus”), Dolores Duran (“A noite do meu bem”), dentre outros. 

Foto: Arquivo Pessoal 

Em 1960, lançou aquele que seria o seu primeiro e maior sucesso, o samba-canção “Esmeralda”, dos compositores Filadelfo Nunes e Fernando Barreto, que narra as lamúrias de um homem arrasado por ver a amada se casar com outro: 

“Deus queira que a noite, na hora da festa
Não venha orquestra, não venha ninguém
Pra ver Esmeralda, com véu e grinalda
Nos braços de outro que não é seu bem”


O último seresteiro 

O sucesso de “Esmeralda” consagrou Carlos José como “defensor” da canção romântica tradicional. Com sua voz grave, de enunciação moderna e intimista, cantar os amores e os desamores se tornou seu maior interesse artístico e pessoal. “Mesmo uma canção com outra temática ele transformava em uma música romântica”, explica Luciana Medeiros, cantora e filha de Carlos José. “Quando meu pai canta ‘Oração de Mãe Menininha’, por exemplo, que possui um significado religioso, ele transforma aquilo em um estilo romântico de dizer”, exemplifica ela. 

Essa opção definitiva pelo romantismo, inclusive, se deu num momento de grandes transformações na música brasileira. Entre 1958 e 1959, com o surgimento da bossa nova, boleros, guarânias, serestas e sambas-canções passaram a ser vistos por muita gente como expressões “cafonas” ou “ultrapassadas”. Com o decorrer dos anos 60 e o rejuvenescimento cada vez maior do mercado musical, com outros movimentos como a Jovem Guarda e a Tropicália, essa ideia se intensificou. 

Embora fosse respeitado pelos músicos da bossa nova e da MPB e circulasse bem por esse universo, Carlos José não fez a transição, como muitos de seus contemporâneos fizeram, e preferiu se manter fiel ao estilo com o qual se consagrou. Para sua filha, Luciana Medeiros, foi também uma escolha consciente: “Naquela época, todo mundo estava indo pro lado da Bossa Nova, da Jovem Guarda ou do Tropicalismo. Ele preferiu se manter fiel ao seu estilo, talvez de forma consciente, para se diferenciar dos demais”, opina. 

Carlos José e Roberto Carlos nos anos 1960. (Foto: Arquivo Pessoal) 

Foi por causa dessa fidelidade ao gênero romântico pré-bossa nova que Carlos José mereceu o apelido de “o último seresteiro”, em referência a um estilo musical muito popular nos anos 20 e 30, que se tornou cada vez mais raro no mercado a partir dos anos 60. 

Segundo o jornalista e crítico musical Tárik de Souza, “as serestas entraram em desuso como os boleros e as valsas. Fazem parte de um passado revogado pela fome de novidades do mercado. Mas como sempre sobra um nicho de admiradores, Carlos José seguiu por essa via, que, durante anos, foi quase monopólio de Silvio Caldas. O curioso é que quando apareceu, Carlos José era um cantor considerado moderno, minimalista, coloquial, precursor da bossa - e chegou a gravar Tom Jobim e até Moacir Santos.”

De fato, embora associado à seresta, a interpretação de Carlos José se aproximava mais da modernidade e do intimismo de cantores ligados ao samba-canção, como Mário Reis. “Meu pai dizia que era o ‘último seresteiro’ no sentido de perpetuar essa visão da música romântica, mas ele se aproximava mais do intimismo do samba-canção do que do estilo operístico de pioneiros da seresta como Francisco Alves. Ele se ressentia muito da coisa revolucionária ou contestatória que os anos 60 começaram a significar para a música brasileira, e por isso quis defender esse estilo romântico”, afirma Luciana Medeiros. 

Um dos gestos mais bem sucedidos do artista nesse sentido foi a produção de uma série de seis discos intitulada “Uma Noite de Seresta”, lançada entre 1966 e 1971. Gravados quase ao vivo em estúdio com um regional, os seis discos reúnem uma curadoria cuidadosa de modinhas e serestas do início do Século XX. Há composições de nomes como Capiba, Silvio Caldas, Orestes Barbosa, Chiquinha Gonzaga, Ary Barroso, Custódio Mesquita e muitos outros. 


O resultado, para além da excepcionalidade musical dos arranjos e da interpretação de Carlos José, é uma documentação histórica de um gênero musical fundamental que, se não fosse por ele, talvez teria se perdido na poeira das inovações estéticas e mercadológicas dos anos 60. 

Uma família musical

Além de Carlos José, outros membros de sua família herdaram também a verve musical. A filha, Luciana Medeiros, possui carreira como cantora, integrou o conjunto Viva Voz entre os anos 1970 e 1980 e trabalhou com nomes importantes da MPB. O outro filho, João Marcos, embora tenha seguido carreira na medicina, desde muito novo apresentava o mesmo dom instintivo do pai para a música. Aos 3 anos, já se apresentava com orquestra, sem nem mesmo errar o momento de entrada. 

Carlos José e o filho, João Marcos (Foto: Arquivo Pessoal) 

E há também, claro, seu irmão, o compositor, arranjador, produtor e maestro Luiz Claudio Ramos, famoso por sua parceria de décadas com Chico Buarque. Para Luciana Medeiros, a obra de seu tio sofreu influência do trabalho de seu pai: “Acho que meu tio continuou de onde meu pai parou. O que meu pai chamava de romantismo, meu tio traduz maravilhosamente em uma tensão emocional no arranjo, que se se transforma em lirismo”, analisa. 

O último trabalho fonográfico de Carlos José, inclusive, foi ao lado do irmão. Em 2015 (depois de muita insistência de Luiz Claudio), os dois gravaram juntos o álbum “Musas das Canções”, que reúne apenas músicas com títulos de nomes femininos, de compositores como Ary Barroso, Herivelto Martins, Dorival Caymmi e Tom Jobim. O disco ainda contou com as participações especiais de Chico Buarque e Jerry Adriani

Carlos José com o irmão, Luiz Claudio Ramos, e a filha, Luciana Medeiros (Foto: Arquivo Pessoal) 

Resgatando memórias

Assim como muitos de seus contemporâneos, Carlos José nos deixou sem o merecido reconhecimento do seu legado, que sobrevive graças à resistência dos que trabalham pela preservação da memória musical do país. 

Agora, através da atualização do acervo de 78 rpm do Instituto Moreira Salles (acesse aqui), o IMMuB atualiza a discografia de Carlos José em nosso acervo digital, totalmente disponível para os interessados em uma obra de qualidade singular. 

Além disso, o cantor acaba de receber um vídeo-homenagem produzido pela família que conta com a participação do irmão, Luiz Claudio Ramos, além de Chico Buarque, Joyce Moreno, Margareth Menezes, Zezé Motta, Alfredo Del-Penho e Wilson Simoninha, que se uniram virtualmente para cantar o maior sucesso de Carlos José, "Esmeralda". Assista logo abaixo:


>>Clique aqui e explore a discografia de Carlos José no IMMuB<<

Texto por: Tito Guedes 

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