Almanaque do Rock Brasileiro

As Aventuras da Blitz

terça, 30 de agosto de 2022

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O álbum As aventuras da Blitz faz 40 anos agora em 2022. Esse disco traz muitas discussões à tona.

A Primeira poderia ser: Música é arte?

Essa é uma pergunta até meio boba de ser feita, mas ouvindo esse disco, vendo o encarte, entendendo as letras, você pode observar que ele é um conjunto, um todo, que forma um produto final. Se levarmos em conta as produções feitas para os shows da turnê, podemos chegar a essa conclusão, mas os shows da época são assunto para um outro dia.

A segunda discussão é: Como o humor pode de certo ponto ser banalizado e até mesmo infantilizado?

Para isso, basta refletir onde estão as comédias nas grandes premiações. Ou então, os grandes comediantes muitas vezes só são reconhecidos quando se rendem ao drama. Essa história tem alguma relação com a moçada do Arpoador, porque a Blitz de certo ponto deixou de ser uma banda de rock para ser conhecida como a banda das crianças e jovens, por conta de suas letras bem humoradas e descontraídas. A matinê é algo muito presente durante a turnê deste disco, até os dias de hoje, assim como o show para a chegada do Papai Noel no Maracanã, que fizeram a banda ser muito associada às crianças. Mas, tudo isso, infelizmente, em alguns momentos e “discussões de botequim”, acaba rebaixando a Blitz nos “Degraus do Rock Brasileiro”, injustamente (de alguma forma a curta duração da banda tem uma parcela de culpa nisso).

A terceira discussão é: Por que o rock bem humorado morre tão cedo?

Se pensarmos, Secos e Molhados durou apenas dois álbuns, Blitz durou apenas 3 discos, Mamonas Assassinas tragicamente apenas um. Será que a piada morre rápido? O sucesso é muito grande e os egos inflam? Será que é por falta de renovação? Talvez seja um pouco de tudo isso. É curioso pensar que uma banda que muitos colocam como tão despretensiosa, levanta de cara algumas boas discussões.


As aventuras da Blitz

Caro leitor que me acompanha assiduamente nesta humilde série, optei por pular o prólogo, pois a Blitz tem uma história muito extensa que conta com muitos personagens que vão desde Circo Voador, Marina e Lobão. Deste modo, optei por focar mais no disco, mas já deixo o jabá: caso esta série se torne um livro, contarei a história completa com detalhes. Atenciosamente, João Gabriel.

Eu começo minha crítica a esse álbum falando de uma coisa que eu acho que mais se tornou um ponto fraco ao longo dos anos neste trabalho. O disco é um conjunto de coisas e acabou se apoiando em elementos como a capa e até mesmo ao LP (mídia) em si. E hoje em dia essas coisas já não fazem mais tanto sentido como na época. Não que isso seja totalmente negativo, mas nesse disco eu os vejo como atores, e o long possui um tom até mais teatral. Porém esse grupo é bem diferente de tudo e isso não pode ser contado como algo totalmente negativo.

Agora, quanto ao lado bom, esse é um álbum muito Rock, flertando com blues, country, mas ainda sim é muito rock tendo o ska em segundo plano. Desde “Blitz Cabeluda” até “Você Não Soube me Amar”, é fogo na roupa, pisos trincados, botas nas mãos. Esse trocadilho bem “Jovem Guarda”, é pra fazer menção ao estilo que a Blitz se assemelha.

Talvez pela inocência de sua mensagem, até um pouco pela sonoridade do long que flerta com o estilo, mas tem muito mais a ver com a new wave.

É engraçado ouvir canções como “De manhã (Aventuras Submarinas)” e “Eu só Ando a Mil”. Você entende que esse é um álbum diferente até hoje, isso parece teatro, cinema, filme ou televisão, ou tudo ao mesmo tempo. Mas algo que me ocorreu ouvindo esse álbum. Será que ele foi pensado para ser um musical?

Faria todo sentido, pois cada música parece que conta uma história diferente que poderiam ou não estar interligadas tal qual uma peça de teatro. E de fato os ex-integrantes do "Asdrúbal Trouxe o Trombone" tinham que ter essa veia mais artística, com um humor refinado e surpreendentemente, mas não muito agressivo. Ouça-o e tire suas próprias conclusões.

Mas quero dar destaque às faixas “Ela Foi Morar Comigo na Lua” e “Cruel Cruel", as censuradas do disco. Como não temos risco de alguém furar as plataformas digitais, vamos comentar sobre a faixa. A censura foi algo que incomodou a Blitz. Além dessas canções, no ano seguinte o grupo por pouco não teve "Betty Frígida” vetada.

“Ela Foi Morar Comigo na Lua” é um rock estilo Chuck Berry, bem pra frente que supostamente foi vetado pelo verso “Ela diz que eu ando bundando”, e outro trecho também que possa ter ajudado no veto foi “Pra ver o bicho que deu, pra ver o bicho que dá” fazer uma alusão ao jogo do bicho. Ela é uma música muito boa, muito dançante que poderia ter sido mais trabalhada atualmente, vale muito a audição.

No caso de “Cruel Cruel”, a coisa foi diferente, esse é um blues repleto de duplo sentido e mágoa, que vai ao contrário de todo o disco, seja em sonoridade ou em letra. Talvez eu seja censurado por falar qual foi a censura, mas acredita-se que ela tenha sido vetada por conta de um palavrão (“Put@ Q p@riu") dito quase no final da música. Dizer isso no meio do regime militar com certeza não iria passar. Outra coisa que é muito associada ao veto é o verso “Só porque ela pegou no peru do seu marido/Peru de natal”. Outro bom trocadilho que parece ter passado batido foi na parte “Mina você ainda tem um brilho/Você ainda tá ligada”. Aos que não sabem, “Brilho” era um trocadilho para cocaína e "ligado" era uma pessoa que consumia maconha.

Contravenções, moralismos e vícios, Evandro Mesquita faz dois grandes solos de gaita no início e no final da música que é o lado adulto do disco.


Conclusão

Vamos celebrar os 40 anos de “As Aventuras da Blitz”, arrastando os móveis e fazendo da sala de estar uma pista de dança. Ouvindo como se fosse uma rádio novela. A turma do Arpoador fez e faz história com esse álbum inovador, inocente e agressivo. Pensando nos dias de ontem, pensando nos dias de hoje.

A discussão se música é ou não arte ainda pode render, mas este LP pode ser usado como um bom argumento a favor de que a música é sim uma obra de arte. Uma curiosidade já que não comentei a respeito de Lobão: a música “Cena de Cinema” supostamente teria sido composta para este álbum.


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