Música

A fossa e a bossa de Tito Madi

sexta, 12 de julho de 2019

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Se não tivesse nos deixado no ano passado, Tito Madi estaria completando, no dia 12 de julho, seus noventa anos. Noventa anos de uma das figuras mais elegantes da nossa música – elegância essa evidente não só pelos ternos bem alinhados com que costumava se vestir, mas também nas diversas composições e interpretações que nos deixou.

Filho de imigrantes árabes, Tito nasceu Chauki Maddi, em 1929. Cresceu em um ambiente familiar musical, ouvindo o som do alaúde de seu pai e o violão e bandolim de seus irmãos mais velhos. Aos 10 anos de idade já tocava violão e se apresentava em festas do grupo escolar de Pirajuí (SP), sua cidade natal. 

Em 1952, a música deixou de ser aspiração e tornou-se profissão: Tito foi contratado pela Rádio Tupi de São Paulo. No ano seguinte, sua valsa "Eu e você" foi gravada pelo conjunto vocal Os Quatro Amigos, na Odeon. Era a primeira vez que ele tinha uma composição própria registrada em disco. 

Dois anos depois, pela Continental, gravou seu primeiro trabalho, que continha os sambas-canção "Pirajuí" e "Não diga não", ambos em parceria com Georges Henry. Com esse disco, foi eleito cantor revelação do ano. 

Seu maior sucesso, no entanto, deu-se em 1957, quando gravou um 78 rpm contendo "Chove lá fora" e "Gauchinha bem querer". "Chove lá fora" tornou-se o grande sucesso da carreira de Tito Madi e incorporou-se aos definitivos clássicos da música popular brasileira. 

Foi nessa época, em meados dos anos 1950, que ele firmou-se como um dos principais nomes do movimento de consolidação do samba-canção moderno, gênero que dominou a música brasileira nesse período, combinando perfeitamente com um copo de uísque e com o escurinho intimista das boates de Copacabana, onde Tito trabalhou por muitos anos. 

Como compositor, Tito Madi sempre foi romântico, mas dava às suas canções um tratamento elegante, cool,  sem os arroubos melodramáticos que costumavam prevalecer no samba-canção. Em suas letras, portanto, não havia espaço para derramamentos de sangue, dores medonhas ou desejos de vingança. A fossa que Tito retratava, apesar de dramática, era serena, suave e lírica, como nos versos de "Cansei de ilusões" ("Mentira, foi tudo mentira/ Você não me amou/ Mentira, foi tanta mentira/ Que você contou") ou da valsa "Chove lá fora" ("A noite está tão fria/ Chove lá fora/ E essa saudade enjoada/ Não vai embora/ Quisera compreender/ Por que partiste/ Quisera que soubesses/ Como estou triste")

Essa mesma sutileza traduzia-se em seu modo de cantar. Como intérprete, Tito era comedido, exibindo um canto moderno, diferente do padrão da época, que prezava por vozeirões como o de Nelson Gonçalves ou Vicente Celestino. Foi por isso que Tito Madi acabou sendo conhecido como um dos precursores da Bossa Nova. De fato, artistas de enunciação mais moderna, como o próprio Tito Madi e outros de sua geração, como Dolores Duran e Dick Farney, foram os ídolos da juventude da Zona Sul que, a partir de 1959, com o disco "Chega de saudade", de João Gilberto, revolucionaram o padrão interpretativo na música popular brasileira.

Mesmo devoto da fossa, foi uma bossa que acabou se tornado uma das mais conhecidas e regravadas canções de Tito Madi. "Balanço Zona Sul", cujos versos solares e sensuais destoam de seu repertório geralmente vaporoso e melancólico, ficou conhecida na voz suingada de Wilson Simonal: “Balança toda pra andar/ Balança até pra falar/ Balança tanto/ Que já balançou meu coração”

A influência de Tito Madi, no entanto, foi além da Bossa Nova. Até Roberto Carlos, considerado o grande cantor romântico do país, já afirmou ser Tito uma de suas grandes inspirações. O  Rei, inclusive, chegou a prometer diversas vezes um disco só com o repertório de seu ídolo, mas o projeto nunca saiu da gaveta. Quem acabou realizando esse desejo foi outra fã do legado de Tito, Nana Caymmi, que lançou no início de 2019, pela Biscoito Fino, o álbum "Nana Caymmi canta Tito Madi". O disco foi elogiadíssimo pela crítica especializada, e pelo próprio Tito Madi, que conseguiu escutar as gravações em 2018, antes de falecer. 

Não conseguiu, no entanto, ver o trabalho de Nana chegar ao mercado, nem tampouco assoprar suas noventa velinhas. Mas nós comemoramos mesmo assim, por saber que sua obra já é eterna e estará para sempre presente na memória dos muitos que sofreram e amaram ao som de suas canções. 


Texto por: Tito Guedes
Fonte da imagem: Divulgação

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