Coisas Nossas

Pagando o pato

sábado, 13 de julho de 2019

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O alagoano Jaime Silva era um mulato alto, elegante e simpático, dono de sorriso largo. Sapateiro do serviço de intendência do exército, Jaime era pandeirista e compositor nas horas vagas, rodando pelos lados de Oswaldo Cruz, inspirado na obra do “professor” Paulo da Portela. Quando descia para a Cidade (como os cariocas se referem ao Centro do Rio), pegava o trem com destino à Estação Central do Brasil. Atravessava a rua e já estava no Campo de Santana, onde encontrava sua futura esposa, Maria. Enquanto os dois, nos desconfortáveis bancos da praça, suavam sob o escaldante calor do Rio de Janeiro, patos e marrecos se esbaldavam no laguinho do Campo: “Ainda vou fazer uma música com esses patinhos...”, dizia um apaixonado Jaime.

Não deu outra. Na voz de João Gilberto, a música “O pato” atravessou as grades do Campo de Santana e caiu no gosto do mercado fonográfico.

“A canção dá dinheiro a Maria, mulher do Jaime, até hoje. Na época, quando Jaime fez essa música, a Maria me disse: ‘Acho que o Jaime tá ficando maluco. Ele anda fazendo um negócio gozado, um negócio de pato, que canta alegremente...’ Eu ri e disse: deixa ele.” – lembra o compositor Monarco da Portela.

O pato

Vinha cantando alegremente

Quém! Quém!

Quando um marreco sorridente pediu

Para entrar também no samba

Na pacata Praça da Matriz, em Juazeiro, na Bahia, com seu inseparável companheiro violão, o jovem João Gilberto ficava todo prosa quando era chamado de “novo Orlando Silva. Nem sempre cantou com o estilo que o tornaria mundialmente famoso. Desde jovem, era fã do “Cantor das Multidões”, chegando a imitá-lo no seu primeiro disco solo, de 1952, quando gravou dois sambas-canções tradicionais: “Quando ela sai”, de Alberto Jesus e Roberto Penteado, e “Meia-luz”, de Hianto de Almeida e João Luís. A voz impostada em nada parecia com o estilo intimista e sussurrante adotado posteriormente pelo maior mito da bossa nova.

Em 10 de julho de 1958, quando o baiano João Gilberto entrou no Edifício São Borja (na Cinelândia) e gravou pela Odeon “Chega de Saudade”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, nascia um novo marco na música brasileira:

Chega de saudade

A realidade é que sem ela não há paz

Não há beleza...

A inovação de João Gilberto não era somente a voz sussurrada, baixa, coloquial. Este tipo de interpretação já havia sido consagrada muitos anos antes pelo genial cantor Mário Reis, ainda na década de 1920. O avanço também não se deu pela tal “modernidade” de harmonias atribuída ao novo artista. Compositores como Custódio Mesquita, Garoto ou Valzinho, só para citar alguns, já haviam trazido para a música brasileira harmonias e melodias muito mais modernas do que o baiano João Gilberto executava no seu instrumento. A grande inovação era a batida do seu violão. A mão direita tocava acordes produzindo harmonia e ritmo ao mesmo tempo. João percebeu que, se cantasse mais baixo, sem vibrato, poderia adiantar ou atrasar o canto em relação ao ritmo, desde que a batida fosse constante, criando assim seu próprio tempo. Conciliando todos esses elementos, descobriu um jeito completamente diferente de tudo que se fazia em termos rítmicos e vocais até aquela época. Isso tudo aliado a um repertório muito bonito, clássico, misturando a obra de jovens compositores, como Tom Jobim e Vinicius de Moraes, a de antigos, como Dorival Caymmi. Fora criada uma nova bossa, a bossa nova. Rapidamente, o novo ritmo foi cantado na orla do Leme, de Copacabana e de Ipanema, nos “inferninhos” da zona sul carioca, no apartamento de Nara Leão na Avenida Atlântica, na mesa do Bar Villarino, no Centro, nas vozes de Dick Farney e Lúcio Alves, no piano de João Donato. Com certeza  o gênero musical brasileiro mais conhecido em todo o mundo.


Fonte da imagem: Divulgação/Internet

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