Amigo ao Peito

Centenário Dino 7 Cordas

sábado, 05 de maio de 2018

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Fui ao Bandolim de Ouro ver umas partituras, Helinho do Souto estava no caixa:

– O Dino tá dando aula lá em cima. Vai lá.
– Não quero incomodar…
– Incomoda não, ele vai gostar.

Não tinha intimidade com ele, só minha suprema cara de pau de chamá-lo pelo nome ao invés de um adequado “Seu” na frente. O conhecia de cumprimentar em fim de show, essas coisas. Mas subi.

Um corredor com salinhas envidraçadas, específico para aulas, e cochilando estava um pedaço enorme da história da MPB, o exatamente hoje, 5 de maio, centenário Horondino José da Silva, o Dino 7 Cordas. 

Parei, na dúvida se o acordava. Estava com o violão no colo (um qualquer, não era o oficial, o de fé), o rosto retangular, o bigode da primeira metade do século, o relojão que Raphael usava parecido, nenhum sinal externo da riqueza que certamente mereceria ter, após praticamente inventar um instrumento. Deu uma ressonada mais funda que o acordou, e entrei, tentando disfarçar minha indiscreta observação. Me saudou com um sorriso, e seus olhos brilhavam com aquele jeito de músico velho. Músico velho olha diferente. O músico jovem olha apertado, músico velho olha rindo, já viu de tudo, no palco e fora dele - mais até fora dele. Músico velho viu a história passando, pisando nas folhas de calendário que foram caindo. Músico velho, aliás, não olha o chão que pisa, sabe tudo de cór. Conhece cada buraco do caminho, seja literal, seja da harmonia, moça inquieta. Já o violão é que nem cão de guarda, sentiu presença se eriça, se prepara que lá vem coisa. E aquele violão sabia que não estava à altura das mãos que o seguravam, mas respirou fundo e deu seu melhor. Sabia que aquelas mãos jamais o machucariam, jamais se decepcionariam com ele, aceitariam sua condição e o ajudariam a dar o melhor de si. Pois Dino me viu e me saudou com uma baixaria. Não, ele não falou um nome feio nem me xingou, ele fez uma linda frase nos baixos do violão que, surpreso, acreditou ser melhor do que era e deu conta do recado. 

Supremo orgulho, se lembrou de mim, sugeriu que eu pegasse um violão “lá embaixo” e tocássemos alguma coisa juntos. Pelo visto não lembrou tão bem… Mas lembrava sim, disse que eu era do clássico mas que ele acompanhava qualquer coisa. Duvido que conseguisse, de tão mal que toco, mas enfim, ficamos enormes minutos conversando, ouvindo ele reclamar das coisas, rabugento/gozador profissional que era. Falou de Raphael, de Meira, de Cartola, falou de Nelson Cavaquinho, falou do outro Nelson, o Gonçalves, histórias que nenhum biógrafo contaria, mas ele esteve lá, as histórias eram dele também. Dino não era o acompanhador secundário, nem no palco, muito menos na vida: Dino brilhava, como os gênios seus colegas. 

Foi a última vez que o vi. Nos despedimos, à saída comentou que não se conformava de Raphael ter ido antes dele. Lamentou a indisciplina do destino que atrapalhou a ordem natural das coisas, ordem essa que ao menos na música ele impunha, costurando a harmonia com linhas de aço e nylon. Foi o mestre, o pai, o dono da bola e do campo.

Por favor, Dino, cuide de seu filhos Dininho, Camarero, Luis Filipe, Luis Otávio, Rogerinho, Yamandu, Josimar, Paulão, Tony, Carlinhos e tantos outros, além dos que estão chegando agora, pois você tem uma prole que não vai acabar nunca.

E pra sempre viva Dino de todas as cordas!



Fonte da imagem: Violão.org | Reprodução

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