Prosa & Samba

Paulo Vanzolini, Cem anos do Cientista Sambista

sexta, 26 de abril de 2024

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Não sei de quem visse o começo
E sequer reconheço
O que é meio o que é fim
Prá viver no teu tempo é que eu faço
Viagens no espaço,
De dentro de mim

Trecho de Tempo e Espaço de Paulo Vanzolini.


Um Sambista atemporal, um autodidata não por sua formação acadêmica, mas sim pela suas construções sociais. Poderia se limitar a ser o cientista que em seu tempo de descanso apreciava um bom samba, mas decidiu se aprofundar assim como sua origem em pesquisa o obrigava e foi no seio deste ritmo popular, bebericar.

Embriagou-se de boa música!

De família Italiana, depois de voltar do rio de janeiro, sua família se instalou em são paulo e o filho de imigrantes estava decidido a estudar zoologia, mas por orientação de seu Professor André Dreyfuss, fundador do Instituto de Biologia da USP, o jovem decidiu fazer medicina e assim a boêmia o conquistou, neste período em 1942, Vanzolini começa a rabiscar os primeiros sambas. 

Nos idos dos anos 40, ele decide morar no Edifício Martinelli e começa a trabalhar com seu primo Henrique Lobo, na Rádio América, no programa “Consultório Sentimental”, da estrela Cacilda Becker, neste período sua paixão por música ficou ainda maior. 

O Exército e um clássico 

Em 1945, o jovem é convocado a servir na cavalaria do exército e por fim, efetuava rondas ostensivas no centro da cidade, mas precisamente na boca do lixo. Ao observar a rotina das garotas de programa e as particularidades do seu dia-a-dia, ele ganhou a inspiração para compor o seu primeiro sucesso, a canção: "Ronda". Porém esta canção ficou engavetada e somente chegou a conhecimento do povo em 1959, quando o violinista José Henrique, que era proprietário de uma boate, apresentou a música a uma estrela em ascenção, seu nome: Mario de Souza Marques Filho (1928-2003) ou mais conhecido como "Noite Ilustrada". A faixa foi lançada em 1963 pela gravadora Philips, um gigante sucesso! 


A Família Buarque de Hollanda e o Samba Abstrato

Por um período em sua carreira, o jovem Vanzolini começou a conviver na casa do amigo de infância Sérgio Buarque de Hollanda e ali conheceu um jovem talento da MPB, conhecido como Chico Buarque

Na visão de Vanzolini foi um jovem que bebericou da fonte dentro de casa:  “Chico cresceu no meio disso, escutando conversas, e levou uma vantagem danada. Agora, se ele (Chico) não tivesse o talento que tem, vantagem cultural não adiantaria de nada."

Frase de Vanzolini a Antônio Abujamra, no programa Provocações, em 2004.

Em diversos encontros na casa de Sérgio, no bairro do Pacaembú, o Doutor Paulo esteve presente em rodas de diálogo e boa música, neste momento ele se viu contemplado pela oportunidade de estar ao lado de intelectuais e futuros pensadores de nossa sociedade. 

No mesmo programa o cientista afirmou: "A casa de Sérgio Buarque era o lugar mais intelectual e simpático que já vi, sem pretensão, sem firula. Era um lugar maravilhoso, e a turma que se reunia lá era fantástica."

Este convívio refletiu na construção de suas obras que vinha desde o português mais simplório ao povo como ao samba mais robusto em sua formação.


Cientista, Sambista e Poeta

Em 1949, o jovem Paulo se mudou para Boston (EUA) e obteve o doutorado em zoologia pela Universidade Harvard. Especializou-se em herpetologia, ramo da zoologia que estuda répteis e anfíbios. 

Retornou ao Brasil, com sua esposa Ilze no qual teve cinco filhos e mergulhou e compartilhou sua bagagem de conhecimentos através de seus trabalhos, foi diretor do Museu de Zoologia da USP de 1963 até  se aposentar em 1993 e sempre declarou que:,

"É a única coisa de que gosto, a única coisa que sei fazer", declarou à revista Scientific American Brasil em 2002.

Mas jamais deixou o samba de lado, pelo contrário, ao lado do amigo, o cantor Adauto Santos, que conheceu na noite. Vanzolini sempre dizia: “Acho que sou o único músico que não conhece a diferença entre tom menor e tom maior”.

No documentário "Um Homem de Moral",  de Direção de Ricardo Dias, feito em 2009, ele deu um exemplo de como concebia as músicas:

"Geralmente, aparece uma frase pronta, com letra e música, e depois eu trabalho em cima, com calma e paciência. Quando eu estava em Cláudia, no norte de Mato Grosso do Sul, sentado sozinho na varanda de casa, me veio a seguinte frase na cabeça: "quando eu for, eu vou sem pena. Pena vai ter quem ficar.". Me veio assim, letra e música."

Trecho do documentário abaixo:

Matéria - Um Homem de Moral" - Trama Radiola 30/08/09

Para seu amigo de boemia, Adoniran Barbosa, Paulo “é um homem de saber, um doutor, que sabe falar direito”. Mesmo premiado e com grandes condecorações em benefício da vida e da ciências, sua paixão era a música, o samba! A boemia que lhe seduziu, lhe fez enredo de escola de samba,o cientista viu sua vida ser cantada e contada em uma das maiores expressões populares de nosso país. 

Logo ele caiu no samba de vez!

A escola de samba Mocidade Alegre em 1988, nos encantou contando a história do cientista e poeta na letra de Composição: Nenê Capitão / Roberto Da Tijuca / Wagner Do Cavaco e interpretada pelo cantor Juscelino

A emoção foi tamanha que o próprio, deu esta uma declaração apaixonada sobre ser homenageado. 

Confira no clipe abaixo:

https://youtube.com/clip/UgkxbU8AVs9ScUYQG4quYY2xNBJxE--aSmLw?si=g4CQZ0E6kyyrutdd

Com tanta história e tanta contribuição a nossa cultura eu não poderia deixar de dizer Obrigado! Neste dia 25 de abril de 2024, o poeta completa 100 anos e segue dando a volta por cima, nesta ronda através das suas obras que tanto nos encantam e nos provam, que se para alguns “25 certamente foi de graça”.

A nós, meros apreciadores da boa música, o preço maior foi viver no “Tempo e Espaço” deste genial artista. 

VIVA A MÚSICA, VIVA PAULO VANZOLINI!


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