Colunista Convidado

Zeca Baleiro destila o amor no caos

quinta, 14 de novembro de 2019

Compartilhar:

O maranhense Zeca Baleiro faz parte da geração pós-MPB, que rompeu as barreiras da mídia de massa e conseguiu seu lugar ao som, a partir dos anos 90. Sua trajetória bem sucedida e multiforme, é exemplo de autonomia estética. Além dos discos de carreira, incursões na área infantil, trilhas sonoras e parcerias com Fagner, a poeta Hilda Hilst, Naná Vasconcellos e Paulo Lepetit, ZB produziu de Odair José e Vanusa ao angolano Filipe Mukenga e, também através de seu selo Saravá Discos, empreendeu resgates de preciosidade alheias, de Sérgio Sampaio a Taiguara e Tiago Araripe e artistas conterrâneos, como Antonio Vieira e Patativa. Ele lança agora “O amor no caos – volume 2”, seu 12º título, pelo mesmo Saravá, um inventário de canções autorais entre o lirismo e a acidez. A produção é do solista e sua banda, formada por Adriano Magoo (piano, Hammond, Rhodes, acordeon), Fernando Nunes (baixos elétrico e acústico), Kuki Stolarski (bateria e percussão), Pedro Cunha (teclados e synths), Tuco Marcondes (guitarra, violão de 12, requinto e balalaika) e o próprio Zeca (violões, guitarra e requinto).

Em comparação ao volume 1 da mesma temática, Zeca define a nova incursão como “mais acústica, menos pop e mais emocionada”. Só duas das nove faixas trazem parcerias. De início coloquial, invadida posteriormente por guitarra pesada, “Eu chamo de coragem” (“se eu sobrevivi à ira dos deuses/ é porque eu tenho um coração que bate forte”), foi escrita com o maranhense Marcos Magah. Do poeta francês Tristan Corbière (1845/1875), que trafegou entre o simbolismo e o surrealismo, Zeca musicou no original “Rondel”, que canta com a portuguesa Susana Travassos. Em inglês, com letra e música do próprio solista, o compassado “Riverside road” tem a adesão da cantora paulistana Tatiana Parra. Ícone pop/folk, que marcou nos anos 70/80, a baiana Diana Pequeno ressurge no dueto com Zeca na ondulante e etérea “Canção na chuva”: “piso em falso/ eu não espero a astronave louca/ nem o milagre dos arcanjos”. Revelada no programa da TV Globo, The Voice Brasil, a catarinense Jade Barraldo é a convidada da solerte “Quando cheiro flores” (“eu espirro/ mal desperto e já tudo desejo/ beijo tua boca, o sumo escorre/ o amor é água que despejo”).

Engolfada pelas cordas da St. Petersburg Studio Orchestra (12 violinos, seis violas, quatro cellos e dois baixos), a densa “Tomie Ohtake” tinge cenários urbanos (“vejo o sol se por laranja/ no céu azul cobalto/ todas as coisas parecem pequenas se vistas do alto”). É a canção que encerra o périplo conduzido pela voz permeável de Baleiro, que abriu o cortejo, enlaçada por acordeon, nos rodopios de sua poesia afiada em “Chovia no canavial”: “pichado no muro de cal/ o engenho que eu mesmo ergui/ moenda de dor temporal/ na noite que eu quis partir”. Ou como anseia, alicerçada por cello, a “Canção do mundo imperfeito”: “Eu sonho com um mundo sem gritos/ mundo imperfeito feito cantar/ eu quero crer que o tempo é justo/ que a dor não nos matará”.

Tárik de Souza 

Comentários

Divulgue seu lançamento