A música popular na república

“Vai passar III”: a abertura lenta e gradual

quinta, 28 de fevereiro de 2019

Compartilhar:

Em 1974, quando o presidente Médici deixou o governo, o salário mínimo valia muito pouco. Contrassenso para um país que crescia como poucos no mundo. O ministro da Fazenda, Delfim Netto, pedia para o povo ficar calmo: “Temos que esperar o bolo crescer para depois distribuir os pedaços.” O bolo ficou enorme, e o povo não deu nem uma mordida! Chico Buarque (usando o heterônimo de Julinho da Adelaide) compôs a música “Milagre brasileiro” perguntando “Cadê o meu?”: 


Cadê o meu? Cadê o meu, ó meu? 

Dizem que você se defendeu. 

É o milagre brasileiro. 


Geisel assumiu a Presidência e começou o processo lento e gradual de distensão rumo à democratização do país. Durante seu governo, abrandou a censura aos meios de comunicação e foram asseguradas as eleições, em 1974, para senadores, deputados e vereadores – com vitórias expressivas do MDB. Mas o movimento de redemocratização ainda suscitava reações da linha dura dos militares. A sociedade estava escandalizada com os atos brutais dos órgãos de repressão, como o assassinato do jornalista Vladimir Herzog e a morte do metalúrgico Manuel Fiel Filho. A cantora Elis Regina registraria na canção, “O bêbado e a equilibrista” (Aldir Blanc e João Bosco) a volta do irmão do cartunista Henfil, o sociólogo então exilado Betinho, os choros das Marias (homenagem à mãe de Henfil e Betinho e à esposa do operário Manuel Fiel Filho) e das Clarisses (alusão à viúva do jornalista Vladimir Herzog): 


Chora a nossa pátria mãe gentil, 

Choram Marias e Clarisses

No solo do Brasil.

Mas sei que uma dor assim pungente 

Não há de ser inutilmente... 


Em 1978, Geisel continuou com suas ações políticas contra- ditórias. Extinguiu o famigerado AI-5, mas ainda dispunha da Lei de Segurança Nacional, que determinava a prisão de qualquer pessoa que “ameaçasse” o país. O caminho de distensão tomado pelo presidente não vinha da benevolência do seu grupo político. O Brasil estava mudando. A crise econômica fez com que sociedade civil, sindicatos, estudantes, igrejas, imprensa e outras entidades aproveitassem a debilidade do regime para organizar a redemocratização. Nesse período, o compositor Taiguara, um dos mais censurados e torturados da MPB, lançou “Outra cena”


O pó, o podre, o país,

A madre, o medo, a matriz, 

Só não sofreu quem não viu. 

Não entendeu quem não quis. 


Um movimento que abalou os alicerces da ditadura foi o chamado “Novo Sindicalismo”, do ABC Paulista. Em 1978, sob o comando do operário Luiz Inácio da Silva, o Lula, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, os operários cruzaram os braços. Muitos ficaram perplexos com o ato que desrespeitava a proibição do governo de fazer greve. Os operários começavam a emparedar os generais. O Exército enviou para a região de São Bernardo um aparato militar de fazer inveja. Queria o fim das greves de qualquer maneira. Os militares foram enfrentados por uma multidão de 120 mil pessoas. O conflito poderia gerar uma guerra civil. Pela primeira vez em quase duas décadas de ditadura a sociedade impunha sua vontade: o comando militar mandou retirar os soldados e seus fuzis automáticos, seus blindados e helicópteros. Muitos artistas deram apoio ao movimento, entre eles o ex-torneiro mecânico Agnaldo Timóteo, Milton Nascimento, Elis Regina e Chico Buarque, que compôs “Linha de montagem” (em parceria com Novelli), retratando o dia a dia dos operários: 


Linha, linha de montagem, 

A cor, a coragem,

Cora coração.

Abecê, abecedário. 


A pressão popular surtiu efeito. A Lei da Anistia, geral e irrestrita, foi promulgada pelo presidente João Baptista Figueiredo em agosto de 1979. Nem é preciso dizer qual a emoção de familiares, amigos e admiradores quando os primeiros exilados começaram a desembarcar no país e os primeiros presos políticos foram liberados dos quartéis. Começava uma pequena reparação dos erros cometidos com uma geração que fez da luta política o alimento dos seus sonhos. A lei até hoje gera polêmica, visto que é considerada por muitos juristas e políticos benevolente com torturadores, militares e seus grupos. Mas, na época, a felicidade e o sorriso voltavam aos poucos a aparecer nos tensos e sombrios rostos dos brasileiros. Para comemorar a aprovação da lei, os compositores Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós, escreveram “Tô voltando”


Pode ir armando o coreto

E preparando aquele feijão preto.

Eu tô voltando.

Põe meia dúzia de Brahma pra gelar. 



Fonte das imagens:
Metalúrgicos do ABC aprovam em assembléia no Estádio de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo (SP), uma das maiores greves gerais da categoria, em 30 de março de 1980; J.C.Brasil/CPDoc JB;
O general e presidente do Brasil Ernesto Geisel (Arena) recebe cumprimentos em forma de continência de militar, no Rio de Janeiro. Geisel, que governou de 1974 a 1979, assumiu a presidência prometendo um retorno à democracia por meio de um processo "gradual e seguro"; Imagem: Manoel Pires/Folhapress;
Protesto no fim dos anos 70 pelo paradeiro dos desaparecidos durante a ditadura militar; Fonte: Último Segundo - iG;
Pela revisão da lei da anistia; Mestre JC Sebe Bom Meihy.


Comentários

Divulgue seu lançamento