A música de

Teresa Cristina: o corpo, o samba e o ser político

por Bruna Aparecida Gomes Coelho

quinta, 23 de fevereiro de 2023

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Teresa Cristina nasceu em Bonsucesso e foi criada na Vila da Penha, ambos bairros do subúrbio carioca. Seu pai era fã de Candeia e por isso ela tem memórias de sua infância ouvindo o sambista: certa vez seu pai lhe disse que a música “Sinhá Dona de Casa” era dela e sua resposta foi “não, não é minha não”, porque não se reconhecia naqueles versos. Como toda mulher negra desse país, a cantora teve que lidar com a violência e o racismo muito cedo quando ainda era apenas uma criança.


A mudança de opinião sobre os versos de Candeia aconteceu quando ela tinha cerca de 25 anos. Nessa época, Teresa já havia ingressado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) para cursar Letras e participava do movimento estudantil. A artista explica que foi a partir dessa nova escuta de Candeia, já numa fase mais madura, que conseguiu compreender a importância daquelas canções. Quando o disco chegou novamente em suas mãos lhe causou um desejo de realizar um show em homenagem à Candeia. Neste momento, ela ainda não se considerava cantora, embora já se apresentasse na Casa da Mãe Joana a convite de Wilson Moreira. Em suas palavras, essa vontade e ação gerados pelo reencontro com os sambas de Candeia são a própria “força ancestral” em sua vida. 

Após essa decisão, Teresa Cristina começou a cantar no Bar Semente, na Lapa, com sambas de Candeia. O grupo Semente foi criado inicialmente para acompanhar suas apresentações no bar, mas depois chegaram a gravar discos e realizar inúmeros shows. Durante o final da década de 1990 houve uma “recuperação da Lapa” tendo em vista que o poder público incentivou novas ações culturais na região. Grupos musicais começaram a se apresentar, atraindo então a juventude e revitalizando o espaço urbano. Segundo Nilze Carvalho, a chamada “geração da Lapa” aconteceu em um momento de “baixa” divulgação de eventos de samba na cidade. Além disso, os integrantes desses grupos começaram a pesquisar sambas mais antigos. Um exemplo é o Sururu na Roda, que decidiu regravar esses importantes sambas. Durante esse período, Teresa Cristina era descrita em notícias como uma das maiores revelações do genuíno cenário do samba carioca. Sua “voz grave e gestos elegantes” atraia o público para seus shows, nos quais ela fazia questão de apresentar um repertório do “mais puro samba de raiz”. 

Outro ponto central de sua carreira são as relações que construiu com figuras importantes da história do samba: Paulinho da Viola, Tia Surica, Argemiro da Portela, dentre outros. Segundo a pesquisadora Núbia Moreira (2013), ela se converteu ao samba quando suas relações com a Velha Guarda da Portela se fortaleceram por meio de sua presença constante nas rodas de samba organizadas no quintal da Tia Surica. Para a autora, isso ocorreu porque ela se inseria em um “modelo da cultura do samba” baseado na comunidade, no coletivo – como sua comida – e valores.

Teresa Cristina considera que esteve nos lugares certos ao longo dos anos, porque conheceu importantes bambas do panteão sambista: Wilson Moreira, Elton Medeiros, Monarco etc. Sobre este, ela narrou um fato que demonstra como o portelense lhe ajudou em sua carreira, apesar de ela não ter tomado conhecimento do ocorrido quando o fato aconteceu:

O Monarco me ajudou e nunca me disse que me ajudou! Dez anos depois teve um programa na Globonews, porque era aniversário dele, e ele falou que me defendeu porque uma mulher tentou me prejudicar. Eu fui cantar na Casa da Mãe Joana e a mulher queria que eu saísse, e ele brigou com a mulher e parou de cantar lá. Eu nunca soube. Ele nunca disse! Ele só falou, assim, lembrando disso. O Monarco e o Wilson Moreira fizeram coisas comigo, e o próprio Elton, que você vê a bondade da pessoa quando ela faz um bem a alguém que não tem como retribuir aquele bem. (Teresa Cristina, 15 nov. 2022)

O amor pela Portela transparece sempre que a cantora fala sobre a escola. Após desfilar no Sambódromo da Marquês de Sapucaí em 2013, quando questionada pela repórter da Globo sobre como tinha sido a passagem pela avenida, Teresa Cristina se mostrou muito emocionada por ter ficado no carro alegórico ao lado de Paulinho da Viola, o que parecia ter sido uma surpresa para ela, um presente muito bem-vindo.

Em seus trabalhos Teresa Cristina homenageou importantes nomes do samba carioca. Destacamos os discos “As músicas de Paulinho da Viola” volumes 1 e 2; “Teresa Cristina canta Noel” e “Teresa Cristina canta Cartola”. Gravou singles com Zeca Pagodinho e Martinho da Vila, além de ter homenageado outros importantes nomes da música popular brasileira, como Roberto Carlos.

Teresa Cristina também é compositora! Dentre seus parceiros de composição estão Argemiro, Moacyr Luz, Arlindo Cruz e Mart’nália. O grupo carioca Awurê lançou seu primeiro EP e a música tema, que tem o mesmo nome do grupo, foi composta por Teresa Cristina e Raul Di Caprio. A respeito disso, a integrante do grupo Fabíola Machado, que além de vocalista também gerência o grupo, narrou em entrevista como Teresa Cristina incentivou o projeto e a gravação do EP, o que indica um apreço pelo trabalho do grupo, que construiu um repertório que reverbera a ancestralidade africana, além de ter sua musicalidade no samba e ijexás. 

Durante a pandemia de Covid-19 Teresa Cristina teve a ideia de cantar com sua mãe, Dona Hilda, no intuito de alegrá-la em um feriado de Páscoa. Assim, sua mãe escolheu algumas canções que as duas cantaram à capela em seu canal no YouTube. Após receber uma pergunta pelo chat do canal questionando o que caracterizava um “samba de terreiro”, Teresa teve a ideia de realizar uma live em sua página no Instagram, pois assim sua resposta seria mais dinâmica do que apenas redigir um texto. E foi assim que, ao longo dos meses que se seguiram, ela se apresentou por cerca de 900 horas em diversas lives, que contaram com a participação de importantes nomes da música popular brasileira como Gal Costa, Gilberto Gil, Alceu Valença e Margareth Menezes. A sambista recebeu a alcunha de “Rainha das Lives” ao se conectar diretamente com seu público, ecoando seu nome por todo o país.

Em recente entrevista, a cantora disse que após a pandemia estava dando mais abraços do que tirando fotos. As pessoas que havia conhecido através de telas de celular durante as lives, agora estavam na sua frente lhe pedindo abraços. Teresa Cristina explica que estava se emocionando muito com esses momentos, que a deixavam “balançada” pelo gesto de carinho das pessoas.

Apesar do sucesso, ela não deixou de expor a situação das mulheres negras na cultura, as quais tem muita dificuldade de conseguir um patrocínio, sendo pouquíssimas que conseguem se manter produzindo arte. É por isso que ela decidiu criar espaço para outras mulheres negras através do show “Sorriso Negro”, em que as sambistas misturam a música e a história através do samba e da trajetória do negro no Brasil. 

Giselle Sorriso, percussionista e produtora cultural, foi convidada para participar do projeto e já conhecia Teresa das rodas de samba. Giselle explica que é “um show lindo, repertório só de compositores negros” e que sempre indica para as pessoas assistirem por se tratar de um projeto incrível que exalta a cultura negra do país. Além disso, ela elogia a interpretação da cantora no palco dizendo que são impressionantes as apresentações da cantora. A percussionista expressa seu contentamento em fazer parte desse projeto com Teresa Cristina, porque ela se tornou uma referência para outras mulheres do samba, além de ter se tornado uma referência política para além do samba.  

Nos registros ao longo de sua carreira é possível identificar como Teresa Cristina se mostrava uma artista crítica à situação da cultura no país. Enquanto ainda cantava com o grupo Semente, a cantora deu uma entrevista para o Jornal do Brasil:

Teresa Cristina, 31 anos, uma das vocalistas do Semente, cresceu ouvindo o som das gafieiras e o da Velha Guarda da Portela. Seu repertório caminha por aí, além de algumas composições da própria safra. Ela faz questão de distinguir o que canta do que normalmente se ouve nas rádios. “É preciso fazer a diferença. O que fazem com o samba é reflexo do que fazem com tudo o mais no país. Não há a menor consideração com a cultura”, reclama Teresa. (Jornal do Brasil, 12 de fevereiro de 2000)

Apesar dos anos, a artista manteve sua opinião de que o samba é político e reflete a situação do país. Em entrevista recente, em um canal no YouTube, ao ser questionada se era possível ser sambista e ao mesmo tempo alienado, Teresa Cristina deu a seguinte resposta:

Eu acho que samba alienado não tem não! O que existe são pessoas alienadas e eu nem considero como sambistas. A pessoa não pode ouvir o Zé Keti e vir com esse discurso raso e burro de que “começou a falar de política eu vou embora do samba”. Amiga, não era nem para você ter entrado. A história do samba?! De onde nasceu o samba?! (Teresa Cristina, 15 nov. 2022)

Assim, podemos observar que ela escolheu lutar pelo que acredita, se posicionando abertamente e não temendo represálias, isto é, ela compreende que o espaço que ocupa – o mundo do samba – é solo fértil para transmitir às outras pessoas suas ideias e opiniões. Dessa forma, ela se transformou na referência política mencionada por Giselle Sorriso. 

No dia 28 de fevereiro de 2023 Teresa Cristina completa seus 55 anos! Para além do título popular de “Rainha das Lives” é preciso enaltecer a trajetória dessa mulher negra que, ao se compreender enquanto um ser político, aprendeu a utilizar os recursos oferecidos pelo universo sambista para ampliar sua voz dentro da sociedade. 



Bruna Aparecida Gomes Coelho é doutoranda em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e realizou as entrevistas com as sambistas Nilze Carvalho, Fabíola Machado e Giselle Sorriso para sua tese, na qual discute a memória e autoprodução de mulheres do samba carioca. Contato: bruna.agcoelho@gmail.com.


Fontes orais:
Fabíola Machado. Entrevista concedida a Bruna Aparecida Gomes Coelho em 27 setembro de 2022.
Giselle Sorriso. Entrevista concedida a Bruna Aparecida Gomes Coelho em 26 outubro de 2022.
Nilze Carvalho. Entrevista concedida a Bruna Aparecida Gomes Coelho em 24 agosto de 2021.
Teresa Cristina no canal YouTube “Papo de Música”, episódio lançado em 15 de novembro de 2022. Acesso em 13 de fevereiro de 2023.
Teresa Cristina se emociona após participar do desfile da Portela 11/02/2013. Disponível no Globoplay. Acesso em 12 de fevereiro de 2023.

Fontes Documentais: Jornal do Brasil (RJ) - edição de 12 de fevereiro de 2000.

Acervos consultados: IMMuB; Hemeroteca Digital.

Referências:
MOREIRA, Núbia Regina. A presença das compositoras no samba carioca: um estudo da trajetória de Teresa Cristina. 133 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal de Brasília. Brasília, 2013.
JANOTTI JUNIOR, Jeder Silveira; QUEIROZ, Tobias Arruda. Deixa a gira girar: as lives de Teresa Cristina em tempos de escuta conexa. Galáxia, São Paulo (online), ISSN: 1982-2553. Publicação Contínua, nº 46, 2021, pp. 1-17.


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