Ruídos no paraíso
por Henrique Cazes
Vivemos um tempo de dessocialização da música. Cada um com seu headphone, sua playlist, sua escolha pessoal. Foi-se o tempo em que se escutava música conjuntamente e depois se discutia o que tinha rolado. Um tempo de crítica, de posições apaixonadas e sobretudo de troca de impressões e informações.
Assistindo ao documentário "Uma noite em 67" de Renato Terra e Ricardo Calil, fico imaginando os debates acalorados que se seguiram ao Festival da Record. Nem preciso ir muito longe. Na minha casa: pai, mãe e cinco filhos, houve um racha um ano antes quando "A banda" de Chico empatou em primeiro lugar com "Disparada" de Vandré e Théo de Barros. Foi assunto para um mês de conversa, que incluía detalhes como a queixada de burro tocada por Airto Moreira no Quarteto Novo, que acompanhava Jair Rodrigues em "Disparada".
Nos dias que passam acontece algo ainda mais empobrecedor que o não compartilhamento da música. É o compartilhamento involuntário, a invasão dos decibéis, o som que você escuta sem pedir, a música que você é obrigado a aturar estragando seu programa, seu sossego. Recentemente em duas viagens de passeio fiquei muito incomodado com esses ruídos que invadiram paraísos onde eu ia para descansar os ouvidos.
Primeiro foi numa viagem para a praia, em Búzios. Nos dias em que venta muito, uma boa alternativa sempre foi a Praia da Ferradurinha, uma enseada pequena e mais protegida. A praia ali nesses dias costuma encher, mas isso não incomodava até que chegaram umas caixas de som cilíndricas e coloridas, que se conectam via bluetooth aos telefones. Em cada barraca, uma família argentina (não se trata de preconceito e sim de constatação) colocou seu repertório pra tocar aos berros. E que repertório! Fui exposto a um verdadeiro massacre de som e abandonei o lugar com a nítida impressão que nossos hermanos consomem um pop ainda mais medíocre que o daqui.
Algum tempo depois estive na região serrana, Lumiar e São Pedro da Serra, distritos de Nova Friburgo, lugares para se curtir a natureza e escutar o silêncio. Silêncio? Nem pensar. Com o maior acesso a equipamentos mais potentes e contando com o famigerado subwoofer, os bares que tradicionalmente incomodavam seus fregueses com um violão e voz baixinho, passaram a incomodar à distância e aí eu explico. As frequências graves não têm direção. Elas vão ecoando, se espalhando e percorrem distâncias, especialmente em lugares pouco edificados como é o caso dessas cidadezinhas serranas. Resultado, fui acordado de uma deliciosa sesta por uma passagem de som e de noite só pude dormir depois que acabou o show de cover, cópia ou outro rótulo que signifique algo que você já ouviu e preferia não ouvir mais. Nessas horas lembro de minha mãe, quando alguém comentava com ela sobre um som alto e perguntava sobre quantos decibéis estariam em jogo, ela respondia:
_ São muitos "imbecibéis"…
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