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Quatro a Zero goleia no choro e outras bossas

quarta, 28 de agosto de 2019

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O grupo instrumental paulista Quatro a Zero celebra 18 anos de carreira a bordo de seu quinto álbum, “Mesmo outro” (Independente). O título remete a um jogo de dados inserido no encarte com uma trilha desenhada em progressão de 1 a 40, ou melhor 4X0. Mas também insinua o paradoxo de um quarteto lastreado nos virtuosismos do choro que extrapola limites, invadindo até a seara erudita. Formado por Daniel Muller (piano e acordeon), Danilo Penteado (baixo elétrico, acústico e cavaquinho), Eduardo Lobo (guitarra e violão) e Lucas Casacio (bateria e percussão), o grupo, que estreou em disco no “Choro elétrico”, de 2005, mescla repertório de lavra própria e temas alheios. Em 2017, num espetáculo em homenagem ao múltiplo Hermeto Pascoal, o próprio, que estava na plateia, resolver subir ao palco para fazer uma música nova, ao piano. Ele a ofereceu ao grupo para que desenvolvesse como quisesse. Expandida por Eduardo e Daniel, que assinam a parceria com Hermeto, “Nós e ele” é uma das faixas mais eloquentes do CD - seu primeiro single - tisnada pela alternância de climas entre o aleatório e o orgânico,com uma eventual pulsação de bossa no recheio.

De Daniel sozinho é “Espiralado”, aberto pelo calço de tamborins, logo alinhavado por guitarra e baixo, que armam cama para a narrativa do piano do autor.  Eduardo assina a bipolar “Ferragutiana” (com reforço de Rogério Boccato na percussão), samba choro que deságua em encordoamento de cantoria nordestina. E ainda “Rosas, soldado”, estruturada sobre a cantiga de roda “Marcha soldado (cabeça de papel/ se não marchar direito vai preso pro para o quartel)”. Danilo abre e fecha o roteiro. Inicia com a marcha “Depois do carnaval”, repleta de breques, dissonâncias e retomadas e encerra na cambiante “Amanhã”, centrada na tabelinha entre guitarra e piano, com espaço para breves improvisos de bateria, até a dissolução etérea do tema.

Segundo colocado no Prêmio Visa de Música Brasileira, de 2004, o Quatro a Zero excursionou no Circuito Instrumental Universitário com o bandolinista Joel Nascimento. Tocou também com o ás dos sopros Nailor Proveta, após uma pesquisa no interior paulista, que resultou no disco “Porta aberta”, em 2008. O grupo que apresentou-se em Portugal, Holanda e França, em 2014, após oito anos de pesquisas estreou ao vivo e em gravação o “Concerto Carioca no. 3” (1972), de Radamés Gnattali, junto à Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas. O trabalho foi registrado no CD “Concertos Cariocas” (2016). Numa homenagem ao referido maestro gaúcho, eles regravaram seu samba canção “Papo de anjo” (1958), devidamente retrofitado, com lirismo e arrojo vanguardista. De mais um mestre do choro, Jacob do Bandolim, vem a faixa “Receita de samba” (1967), sob medida para a goleada criativa do Quatro a zero, repleta de sincopas, arestas, agilidade e destreza. Prodígio instrumental, “Mesmo outro”, definitivamente, não é mais do mesmo. 

Por: Tárik de Souza



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