Amigo ao Peito

Pontos de Encontro

quinta, 08 de novembro de 2018

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Ah, as lojas de música. Eram o paraíso no século XX. Ponto de encontro de músicos, ali se aprendia mais batendo papo no balcão que em muita aula. 

A minha primeira foi a Ao Bandolim de Ouro (“Ao”. Nunca entendi isso). Comprei meu primeiro violão, tive lá meu primeiro professor, Luiz Felipe. Conheci o Helinho do Souto, proprietário, com quem esbarraria ao longo da vida. Aquela loja era maravilhosa, enorme, todo tipo de instrumento e partitura. A gente sempre via uma celebridade por lá, Helinho cheio de rapapés. Já contei aqui, lá bati meu último papo com o querido Dino 7 Cordas. Na Rua da Carioca havia duas, a À Guitarra de Prata (“À”. Novamente...) e a Casa Oliveira. Houve, antes do meu tempo, a Ao Cavaquinho de Ouro (preciso assinalar?). Na Guitarra pontificava o querido Miguel, vendedor mais antigo, atencioso, sabia tudo. Ele que me avisou da presença na casa do professor Othon Saleiro. 

Violonista legendário, pioneiro do ensino do violão clássico no Rio, junto com Osvaldo Soares e Antonio Rebello. “Junto” é modo de dizer, havia uma rivalidade tremenda entre ele e Osvaldo que acabou em pancadaria no Salão Leopoldo Miguez, na Escola Nacional de Música (hoje UFRJ). Fato que atrasou por mais de 25 anos o ingresso do curso de violão na instituição.

Mas naquele dia conheci o homem e sua famosa peruca, ele tinha uma, azulada, para o dia e outra, arroxeada, para a noite. Interpretava suas composições e descrevia o que eu deveria “ver”; uma espécie de música descritiva. Já idoso ainda tocava com um tremendo charme. Artista velho é inigualável.

Já na Casa Oliveira um pequeno anúncio na vitrine nos dizia que ali lecionava – e consertava gaitas – o grande Fred Williams. Acredito que nos outros estados o quadro fosse semelhante, mas aqui no Rio era uma delícia fazer a ronda das lojas, Casa Góes, Casa Clarim, único lugar onde se consertava acordeões...

Aliás, esse negócio de aula em loja de música é uma tradição linda; Dino, Dilermando Reis, Meira, Waldir Azevedo, Luiz Molina... Muita gente boa deu aula em lojas. 

Mas a minha favorita era uma pouco famosa, na Tijuca: a Musical Tijucana. Perto de casa, vivia lá perturbando. Um dia o dono sugeriu que, já que eu passava horas lá, que trabalhasse então. E aí virei balconista, uma enorme alegria. Loja pouco movimentada, no fundo de uma galeria, passava as tardes estudando violão, desenvolvi minha leitura tocando partituras de outros instrumentos para as pessoas saberem se era aquela mesmo que queriam, coisas assim. Aconteciam coisas sensacionais.

Naquela época demorava conseguir o que se queria. O que hoje está a um toque de seu download, naquela época poderia demorar meses, e custava caro. Uma edição Urtext alemã, por exemplo (versão integral, o mais próximo possível do original), custava o PIB de um país pequeno. E um bravo rapaz realizou seu sonho, comprando uma edição dessas não lembro bem de qual sonata de Beethoven. Pois foram 2 ou 3 meses de espera, e a partitura chegou. Linda, papel grosso, especial, um primor. O jovem quase chorou ao receber seu tesouro.

Pois no dia seguinte ele voltou, e tinha chorado mesmo. Seu irmãozinho menor, dotado de grande pendor artístico, tinha pintado cuidadosamente todas as “bolinhas brancas” da partitura de preto, e riscado, com régua, tracinhos ligando as notas. Todas...

De uma outra vez apareceu uma moça, pedindo a Valsa do Minueto. Ponderei que isso não fazia muito sentido, seria algo como o Samba do Maxixe, ou o Rock do Fado. Ela se fez de superior, dizendo que tinha certeza, e foi embora de nariz em pé.

Voltou minutos depois, dizendo que queria a Valsa do Minuto, de Chopin...




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