Colunista Convidado

“Poeta Que É Poeta Mora na Jogada”: A Capoeira Na Obra de Paulo César Pinheiro.

segunda, 15 de abril de 2024

Compartilhar:

Não seria exagero afirmar que, dentre todos os grandes compositores brasileiros que incorporaram, de algum modo, a Capoeira às suas composições, Paulo César Pinheiro é, inegavelmente, aquele que soube, não somente usar, mas dialogar com o universo capoeirístico. Isso porque a Capoeira está em seu sangue, por vias diversas, de modo decisivo. Sua escrita joga com crenças, tradições religiosas, universos populares e míticos, mas tudo incorporado a uma refinada visão de quem vivenciou, quando descobriu a poesia, a experiência do arrebatamento, sem transcendência, do que permanece, sem esgotamento, na imanência da palavra.

Manoel Henrique Pereira, Besouro Mangangá, incorpora bem esse sentido fronteiriço entre o humano e o sobre-humano. Foi ele quem arrastou, com suas asas rebeldes, “pernas de brigar”, Paulo César para Salvador lugar onde traçou convivências com capoeiras como mestre Caiçara, que o conduziu pelas sendas dignas de um realismo mágico que permeia a narrativas sobre os mestres da Bahia. Suas parcerias com Baden Powell ("Lapinha") e João Nogueira ("Besouro da Bahia") são hinos à memória do mítico capoeirista Mangangá. O herói rebelde, inconformista, combatente contra toda forma de opressão. Cordão de Ouro, outro apodo para Besouro, é de jogo, “é de Lei”, é grito que ecoa na roda da história de um Brasil construído sobre uma luta constante contra o apagamento das suas raízes culturais mais profundas.

A vadiagem literária de Paulo César vai além das suas composições musicais. Seu romance, Matinta, o Bruxo (2011), é um convite a um mergulho no imaginário de um Brasil profundo e que eclode, na narrativa de Paulo, como um palco no qual a dura realidade dos que estão à margem da sociedade se mistura ao encantamento, às encantarias, a cenários marcados pelas intrigas e aventuras pelas entranhas de um sertão  mágico, mas, também, da natureza humana naquilo que o sertanejo tem de mais exaltado, a saber: sua capacidade de resistir. Resistência em sentido mais amplo, isto é, como um modo de vida, mesmo com todas as adversidades, que insiste e persiste na certeza da tarefa maior de uma vida marcada pelo gingado frente às injustiças e violências sociais. 


Seu CD Capoeira de Besouro, coroamento do seu primeiro texto para teatro, Besouro Cordão de Ouro (2006), não só é o disco mais importante da MPB, tendo a Capoeira como temática, mas sua escuta deveria ser obrigatória para qualquer capoeira que se reconhece como parte de uma tradição, múltipla em suas formas e manifestações, mas una no que se refere à força combativa e mandingada que caracteriza a percepção dinâmica da vida que a prática e vivência na Capoeira fomentam. É nesse aspecto em que a luta e o poético se encontram no jogo criador dos acontecimentos. Paulo César foi capaz de expressar musicalmente, no CD Capoeira de Besouro, graças a sua sensibilidade mestiça, como ele sempre ressalta, o que alguns chamam de ancestralidade. História, filosofia, religiosidade e valores como a dignidade, a astúcia e a malandragem, são exaltados em seus quatorze toques, compostos especialmente para esse CD, e um samba de roda que compõem o já clássico Capoeira de Besouro.

A Capoeira é, dentre tantos outros temas do universo discográfico de Paulo, um elemento determinante no seu processo de criação e, em certos aspectos, da sua própria visão de mundo que se manifesta ao longo dos seus 75 anos sob a forma de uma capoeiragem literário-musical.

Viva Paulo, camará!

Comentários

Divulgue seu lançamento