Música

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sexta, 11 de novembro de 2022

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O SaGRAMA e o cantor Gonzaga Leal lançam o CD "Na Trilha de Uma Missão", com repertório a partir dos registros feitos pelo escritor Mário de Andrade (1893-1945), durante a viagem/projeto Missão de Pesquisas Folclóricas (1938) que aconteceu em parte do Norte e Nordeste, que envolveu Pernambuco, Paraíba, Ceará, Maranhão e Pará. É um projeto possivel graças às pesquisas de Mário sobre a música popular dessa região do Brasil. Ele chefiava então o Departamento de Cultura da cidade de São Paulo.

A iniciativa de SaGRAMA e Gonzaga em gravar parte desse repertório em novos arranjos e interpretações, tem o objetivo de contribuir para que essas canções retornem ao conhecimento popular, como já aconteceu quando, em 2006, o selo SESC-SP editou uma caixa de CDs. Especificamente, o repertório de "Na Trilha de Uma Missão" traz material recolhido em Pernambuco, por Mário e sua equipe, e inclui cânticos afro-brasileiros, cantoria de viola, música indígena, toadas do sertão, com títulos como Mandei cortá capim, Chamada de Aricury e Sereno de Amor.

Mário de Andrade dizia ter urgência sobre a cultura brasileira, principalmente em relação ao Norte e Nordeste. Estimulado pelo que se fazia na Europa, com o estudo de músicas étnicas e populares, resolveu agir. Em 1938, enquanto diretor do Departamento de Cultura de São Paulo, organizou a Missão: registrou manifestações populares típicas dessas regiões isoladas, sem contato para além de suas fronteiras, que corriam o risco de desaparecerem com a urbanização do país. Sua preocupação era que o rádio – o meio de comunicação que dominava – pudesse concorrer para o esquecimento dessas expressões de raiz.

Criou uma equipe formada pelo maestro Martin Braunwieser; o arquiteto e membro da Sociedade de Etnografia e Folclore Luiz Saia e os técnicos de som Benedito Pacheco e Antônio Ladeira. O grupo embarcou em fevereiro de 1938 e retornou em agosto, por ordem do então novo prefeito de S. Paulo Prestes Maia. Prestes afastou Mário do cargo e desfez a expedição alegando muitos gastos.

Mas a equipe realizou um grande acervo. Visitaram 28 cidades de Pernambuco, Paraíba, Ceará, Maranhão e Pará, catalogando mais de 70 grupos musicais além artistas independentes, gerando um catalogo histórico-fonográfico com 1.299 fonogramas originais da música popular tradicional. Gravavam ao vivo, em discos de acetato com sistema de 78 rotações. Para a época, pode-se imaginar o tamanho da bagagem da equipe: os pertences pessoais dos pesquisadores somavam-se a seis malas e três caixas que abrigavam gravador, amplificador, agulhas, microfones com cabos e tripé, válvulas, 237 discos, gerador, pré-amplificador, blocos de papel, cadernetas para anotação, fones, pickup para gravador, 118 filmes para fotografia, 21 filmes para cinematografia, câmera fotográfica com filtros e lentes, aparelho cinematográfico com lentes e pastas de couro para transporte dos discos. Registraram cânticos diversos, cantigas de roda, cantos de pedintes, cantos de carregadores de piano, bumba meu boi, congo, reisado, coco, entre outros.


Sobre os artistas

O SaGRAMA existe desde 1995, e trabalha a música pernambucana baseada nas manifestações da cultura popular, com linguagem próxima da música erudita. Traz em seu repertório, gêneros do folclore e folguedos, como frevo, maracatu, baião, coco, xaxado, boi de carnaval, caboclinhos... É formado por 10 instrumentistas. Tem vários CDs lançados e parceiras com artistas como Elba Ramalho, Wagner Tiso e Yamandu Costa. Um dos seus trabalhos de maior destaque é a trilha sonora da série da TV Globo, que depois virou longa-metragem O auto da compadecida (2000).

Gonzaga Leal tem estudos em canto lírico e popular. Desde os anos 1970 segue trajetória na música brasileira. Atuou em shows e discos ao lado de Edu Lobo, Milton Nascimento, Ná Ozzetti e Cida Moreira. Tem 15 álbuns lançados, entre eles O Olhar Brasileiro (2000), Cantando Capiba ...e sentirás o meu cuidado (2004), além de Porcelana (2016) e Olhando o Céu viu uma Estrela, os dois últimos em parceria com duas grandes vozes da nossa música, Alaíde Costa e Áurea Martins, respectivamente. Nas palavras do jornalista e crítico pernambucano Ricardo Anísio, "Gonzaga é sim 'um pernambuco cantando para o mundo'. E o mais superlativo é que sua visão de arte não dá fungo, não fungou sua visão como fungaram a de tantos".


Texto de MÁRIO DE ANDRADE, impresso no encarte do CD.

De que maneira podemos concorrer para a grandeza da humanidade?

É sendo franceses, americanos ou alemães? Não, porque isso já está na civilização. O nosso contingente tem de ser brasileiro. O dia em que formos inteiramente brasileiros, a humanidade estará rica de mais uma raça, rica duma combinação de qualidades humanas. Não só seremos civilizados em relação às civilizações, o dia em que criarmos a orientação brasileira. Então, passaremos da fase do mimetismo para fase da criação. E então, seremos universais, porque nacionais.

E mesmo se não formos nós já completamente brasileiros, as outras gerações que virão, desenvolvendo o nosso trabalho, hão de levar esta terra à sua civilização.

Como vê, eu formulo votos, tenho esperança sem vergonha nenhuma.


Viva eu, viva tu
Viva o povo brasileiro
Viva o rabo do tatu.
Mário de Andrade, São Paulo (SP), 1938.


Encaminhado por Tambores Comunicações


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