A música de

Os caminhos de Roberto Frejat

por Carlos Eduardo Pereira de Oliveira

quinta, 26 de maio de 2022

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O mês de maio de 2022 marca o aniversário de 60 anos de Roberto Frejat, artista multitarefa, que espraia sua arte musical pelas cordas de diferentes guitarras e pela icônica voz, marcas registradas de sua carreira. Além desses predicados, é um grande letrista, com composições que tocam há mais de 30 anos em diversos cantos do Brasil, e que se cristalizaram na memória musical do país. Com mais de metade de sua vida dedicada a música, Frejat se estabeleceu como um dos principais nomes do rock nacional, assim como um dos expoentes da geração do BRock da década de 1980, a frente do Barão Vermelho, banda que surgiu no Rio de Janeiro, e que contava em sua formação original com Cazuza (vocal), Frejat (guitarra), Dé (contrabaixo), Maurício Barros (teclado) e Guto Goffi (bateria). Além disso, o artista possui uma profícua carreira solo desde início dos anos 2000, também com músicas que impactaram o público ouvinte. 

A trajetória de Frejat é permeada de desafios profissionais, que na verdade se transformaram em novas experiências e outros formatos de fruição musical. Um dos últimos transcorreu ainda no início da pandemia, em 2020, quando lançou o seu quarto disco solo, “Ao Redor do Precipício”. Construído no ano anterior, a ideia de Frejat era lançá-lo como sempre fizera, com uma grande turnê nacional, em contato com o público que tanto lhe entrega em cada apresentação. Quase com um título profético, o disco não pôde rodar como Frejat gostaria, que se viu em uma inédita situação em sua longa carreira profissional. Ficou em isolamento por quase dois anos, acompanhando o compasso que ressoava do mundo pandêmico. Em diversas entrevistas, fez questão de frisar a falta que fazia este contato com o público e com a música.  

Ao olhar para a carreira de Frejat, podemos ter uma ideia da sua relação com os palcos, assim como seu impacto na música brasileira. Impossível não recordar do show do Barão Vermelho no primeiro Rock in Rio, em 1985. Ano marcado na história brasileira pela eleição indireta para presidente da república, que elegeu Tancredo Neves e marcaria a volta de um civil ao Palácio do Planalto após mais de 20 anos de Ditadura Militar. O fim do regime era propagado nas capas dos principais jornais do país, assim como o grande festival musical, que trouxe ao Brasil artistas e bandas internacionais, como AC/DC, Ozzy Osbourne e Queen. A atmosfera de janeiro daquele ano era tomada pelo otimismo, algo que ganhou corpo com “Pro dia nascer feliz”, composição de Frejat e Cazuza, um de seus grandes parceiros. Para mais de 100 mil pessoas, o Barão Vermelho cantava os novos caminhos do país, e a música tornou-se rapidamente um hino da esperança do futuro democrático brasileiro.

Nesta apresentação, a presença de Frejat é destacável, circulando pelo palco de um lado ao outro, empunhado sua guitarra com maestria e fúria, algo que podemos observar em canções como “Maior Abandonado” e em “Pro dia nascer feliz”. Era nítida sua satisfação em estar naquele local, com muita desenvoltura e personalidade. Além disso, o palco do Rock in Rio serviu para afirmá-lo como um grandes nomes no cenário do rock oitentista. Na banda, seu papel era primordial, dividindo composições com Cazuza e sendo um dos responsáveis diretos pela sua base instrumental. Tanto que Jamari França anunciava, no Jornal do Brasil de 06 de janeiro de 1985, que “sua base é incisiva”, e “a guitarra de Roberto Frejat é alucinante” (FRANÇA, 1985, p.69). 

Trago a apresentação da banda no Rock in Rio por entendê-la como sintomática desta geração, em um momento que marcaria a complexificação do rock como gênero musical com altas vendagens de discos, vinculados a uma enorme capacidade de divulgação e promoção de suas canções (VICENTE, 2002), com a banda sendo um dos pilares desta onda. Frejat participou ativamente desta geração de músicos e contribuiu artisticamente para esta conjuntura, que o coloca como um de seus maiores expoentes. 

Isto fica mais evidente quando Cazuza, vocalista, compositor e líder imagético da banda, sai para carreira solo mesmo ano de 1985. Frejat ganhou voz e microfone, e caberia a ele estar à frente de uma das maiores bandas de sua geração, lidando com as expectativas de novos álbuns e apresentações, além de afastar as noções de que, com a saída de Cazuza, a banda encerraria seu período de maior brilho. Uma posição difícil de ser assumida, marcada por tensões e próprias de uma longeva carreira artística.    

Quando se relata a vida de alguém, as narrativas tendem a apresentá-la de maneira unitária, coerente e orientada, a partir de uma ordem cronológica estrita, que acabaria por demonstrar um começo, meio e fim únicos. O sociólogo francês Pierre Bourdieu (2002) destaca esta como uma das características do relato biográfico, que tem como objetivo apresentar a vida de alguém nesses termos. Entretanto, o autor destaca que o percurso de uma vida nunca é retilíneo, com um início e fim predeterminados, mas sim marcada pelas tensões e fissuras nessa trajetória. Bourdieu exemplifica sua ideia a partir da metáfora das linhas de metrô, em que um indivíduo pode entrar e sair do vagão em qualquer estação, com inúmeras possibilidades de direção. 

Na trajetória de Frejat, são diversas estações de metrô e caminhos percorridos. Sua trajetória artística é marcada por intensos trânsitos, não se pautando por uma única linha no seu fazer artístico. No que toca ao contar a vida de alguém, Alexandre Avelar (2012) destaca que não devemos ter uma “expectativa ingênua de estar sendo apresentado a uma vida marcada por regularidades, repetições e permanências”. Nesse sentido, Daniel Saraiva (2020) alerta que devemos entender as diferentes nuances de um indivíduo, para além de um caminho único e fechado.     

Uma das estações da vida de Frejat foi seu primeiro álbum solo, “Amor pra Recomeçar”, de 2001, que em dois meses alcançou a faixa dos 80 mil discos vendidos (COHEN, 2001). Este número foi encarado como um sucesso, muito por conta do contexto atravessado pela indústria fonográfica no início dos anos 2000, com quedas nos números de vendas de discos, marcada pela pirataria e o começo do consumo musical via internet. Também, destaca-se que este foi seu primeiro trabalho solo após 20 anos com o Barão Vermelho, que marca uma diferença musical na sua trajetória. Silvio Essinger, na crítica do álbum, destacava que Frejat não decepcionou aqueles que esperavam algo diferente do som da banda carioca. Destaca o ecletismo do artista, principalmente ao discorrer sobre cada música do álbum. O jornalista aponta que ele percorreu por diferentes gêneros musicais, como pop-rock e o soul, em canções como na faixa-título do álbum, além de “Segredos” e “Homem não chora”. Por fim, arremata que, neste álbum, “a palavra de ordem é recomeçar, escorregando malandramente da camisa-de-força roquenrou do Barão” (ESSINGER, 2001, p.7).

O sucesso de “Amor pra recomeçar” veio, em grande medida, pelos videoclipes produzidos para suas canções. “Segredos” talvez tenha sido um dos que alcançaram maior sucesso comercial, com alta rotação na MTV, e conquistando o prêmio de Melhor Videoclipe de Pop no Video Music Brasil, premiação da emissora e um dos principais do gênero no país. A animação tem como personagem principal o próprio Frejat, que encarna um sujeito que busca incessantemente uma forma de chegar à lua. Quando a alcança, se apaixona pela visão da Terra, e inicia seu novo projeto de voltar para o planeta. Por mais que a canção fale sobre a busca obstinada por uma paixão, e que iria para qualquer lugar em sua procura, também demonstra a inquietude artística do músico. Destaco esta fluidez musical como ponto central para entender a forma com que Frejat se estabeleceu enquanto um dos grandes nomes do rock brasileiro. Este movimento continua com o músico, ainda que com outras conotações e experimentações.   

A escorregada que Essinger apontou em 2001, continuou nos anos subsequentes. Em todos, Frejat flerta com diferentes gêneros musicais, que lhe servem como referência musical para criar suas canções. Foram mais dois álbuns solo lançados: em 2003, “Sobre nós dois e o resto do mundo”, e em 2008, “Intimidade entre estranhos”. Após esse período, optou por apenas lançar singles esporádicos, entendendo as mudanças no mercado fonográfico. Com o fortalecimento do mercado digital da música, não enxergava como um novo álbum poderia lhe trazer retorno artístico e comercial.   

Esta percepção e escolha modificou com o tempo. Frejat embarcou em um outro vagão de sua própria linha de metrô, e optou por construir um novo álbum, seu quarto em carreira solo. Doze anos após “Intimidade entre estranhos”, foi a vez de “Ao Redor do precipício”, como destaquei no início deste texto. Porém, diferente dos álbuns anteriores, este é o primeiro que o artista lança em situações inéditas. Primeiro, como já elencado, a pandemia e todo seu contexto de isolamento social, que impediu a saída do artista para turnê de divulgação do novo álbum. Segundo, seria um disco inédito após encerrar sua passagem pelo Barão Vermelho, que durou 35 anos e foi permeada por grandes canções. O motivo apontado por Frejat, que motivou sua saída, foi por não concordar com os rumos que a banda gostaria de percorrer no futuro. Para “não atrapalhar”, optou por se retirar. 

Em “Ao Redor do precipício”, reuniu diferentes parceiros que atravessaram sua trajetória, como Maurício Negrão e Humberto Barros, que produziram o disco junto ao artista. Além disso, o projeto gráfico é assinado por sua filha, Júlia Frejat, e com seu filho, Rafael, que participou da faixa “Todo Mundo sofre” (OLIVEIRA, 2020). Se, lá em 2001, Essinger anunciava o distanciamento de Frejat com a sonoridade do Barão, o próprio afirmou, em 2020, que não pode “ficar preso no passado”, ou “cristalizado com o tempo”. Demonstra sua obstinação em ser um sujeito plural, sempre interessado em entrar em outro vagão, e ver onde ele pode parar.    




Carlos Eduardo Pereira de Oliveira é doutorando em História do Tempo Presente pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Pesquisador de história e música; trabalhou com a cena rock dos anos de 1980 em Florianópolis durante seu mestrado. Atualmente pesquisa a história da MTV Brasil.

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