Colunista Convidado

“O tempo é seu irmão” reúne estrelas em torno da viola e composições de Chico Lobo

quarta, 25 de maio de 2022

Compartilhar:

Ao lado de Ivan Vilela, Roberto Correa e Paulo Freire, além de Renato Teixeira e Almir Sater (ambos em grande evidência, por conta do remake da novela “Pantanal”), o mineiro Chico Lobo (São João Del Rey, 1964) injeta contemporaneidade à música caipira, em meio ao bombardeio midiático do ramal pop sertanejo. “O tempo é seu irmão” (Kuarup), seu 27º. álbum, acaba de ser lançado, com dez faixas e ilustres participações, da pantaneira Tetê Espíndola, aos irmãos gaúchos Kleiton & Kledir, o baiano Luiz Caldas e o cantor Sérgio Andrade, da pernambucana Banda de Pau e Corda. O repertório foi composto durante a pandemia e a faixa título, de leve entonação country, dedicada a seu filho Mateus, aborda a adversidade de forma esperançosa, com vocais de apoio de João de Ana e Marcelo Kamargo: “o tempo é seu irmão/ não corre além das horas/ que se tem para viver/ então é esperar/ que a noite então se vá/ e ver o dia amanhecer”. 

O tempo, aliás, tem sido fraterno com Chico, que começou na viola aos 14 anos e estreou no disco exatamente intitulado “No braço dessa viola”, em 1997. Prolífico intérprete e compositor, gravou outros títulos como “Coração caipira” (1998), ao lado do ator Jackson Antunes e “Reinado” (2000), na viola de dez cordas, em torno de folia de reis e congados, com participações do gaiteiro gaúcho Renato Borghetti, de Pena Branca (da dupla com Xavantinho), e dos repentistas nordestinos Caju & Castanha. Em “O violeiro e a cantora” (2002) convidou a conterrânea Déa Trancoso; no DVD/CD “Viola popular brasileira” (2005), mais participações, de Xangai, Pena Branca e Aldo Lobo. “Caipira do mundo” (2011) contou com letras especialmente compostas por Arnaldo Antunes, Chico Cesar, Fausto Nilo, Sérgio Natureza, Zeca Baleiro, Vander Lee e Vitor Ramil, e músicos do naipe de Lui Coimbra, Marcelo Jeneci, Livio Tragtenberg, Swamy Jr e Guilherme Kastrup. No DVD, “De Minas ao Alentejo”, um raro encontro de violas: da caipira do mineiro, com a de Campaniça, do português Pedro Mestre. Em “3Brasis”, Lobo dedilha a viola, ao lado do violoncelo de Marcio Mallard e a clarineta de Paulo Sérgio Santos. Piano e acordeon, do maestro Gilson Peranzetta e percussão de Carlinhos Ferreira dialogam com a viola de Lobo em “Folias de um Natal brasileiro” (2014). 

Chico Lobo por Marcos Hermes

Agraciado em 2021, com seu quarto troféu Profissionais da Música, na categoria Melhor Artista Raiz Regional, Chico Lobo não destila apenas otimismo e esperança no novo trabalho. A inicial “Madeira”, de sua autoria, desce a lenha nos predadores: “É tomba madeira de lei/ nas entranhas do país/ chora de dor a floresta/ por essa cruel cicatriz (...) madeira vira carvão nas veredas do grande sertão/ seca a nascente de rios/ Cerrado tem a sua aflição”. E interroga: “Que futuro a gente terá/ se a natureza calar sua voz?” Cerzida pelos violões de aço de Marcello Sylvah, pontuado pelo baixo e vocais de Ricardo Gomes, também produtor do disco, “Rio e mar” desliza num eco cenário mais lírico, acolitado pelas vozes casadas de Kleiton & Kledir. A cantilena “Ave Maria das Matas” (parceria de Lobo com Edmundo Bandinelle) acamada pelos cellos de Sergio Rabelo, prenuncia o desembarque da recorrente “Lua e sol” (“é claro que o céu tem seus mistérios/ se o sol aquece a flor de uma manhã/ no breu se vê o brilho das estrelas”), rasgada pela voz passarinhada de Tetê Espíndola. 

Inventor do “deboche/fricote’ que precedeu a genérica “axé music”, o multitarefas baiano Luiz Caldas pontifica no batidão catireiro de “Sementeira” (com Eudes Fraga), calçado pela bateria de Leo Pires e a percussão de Carlinhos Ferreira: “Sei que o amor é fruta boa/ vinga no tempo que há de vir”. Crossover caipira/nordestino, o ácido “Indagorinha”, com Carlos di Jaguarão (“esse tronco não poupa grilhões/ tantas vidas desilusões/espanca e sangra a ferro/ terra de Zés e Joões”) perpassa mudanças de climas, cevado pelos vocais do solista, Sergio Andrade e Gih Saldanha, mais a trova de Mestre André Rodrigues: “Lampião desceu na terra num sapato de algodão/ o sapato pegou fogo/ Lampião caiu no chão”. Repleto de surpresas, o álbum fecha num pagode caipira da estirpe do grande violeiro Tião Carreiro. Coerente com o título, é o “Pagode do tempo”, mais uma joia da lavra de Chico Lobo: “Vou enrolando meu tempo/ nesse pagode treteiro/ tecendo minhas rimas/ nas artes de violeiro”.


Comentários

Divulgue seu lançamento