Um papo com o Cazes

O som que nos acostumamos a ouvir

sexta, 17 de julho de 2020

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Fred Figner (1866-1947), nascido na Boêmia (atual República Tcheca), introduziu a gravação no Brasil a partir de 1902, na sua Casa Edison. Dos cilindros passou às chapas de gramofone e com elas surgiram sucessos que revelaram um potencial de mercado para gravadoras. Tanto é que, em 1927, com o advento da gravação elétrica, vieram para o país 4 empresas do setor: Columbia, Victor, Parlophon e Brunswick. Os discos gravados com a nova tecnologia, que incluía microfone e amplificador, possibilitaram o surgimento de um tipo de canto informal, falado e viabilizou o sucesso de artistas como Carmen Miranda e Mário Reis. Mas a faixa de frequências gravadas ainda era bem mais restrita do que a audição humana.

Aos poucos, a base de cera que era usada para gravar foi substituída por fitas magnéticas, que permitiram refazer uma gravação e as frequências de som gravado foram sendo ampliadas, na era do LP de 10 e 12 polegadas. O surgimento da gravação multicanal, em torno de 1960, mudou a dinâmica do trabalho em estúdio e fez com que um maior grau de experimentação fosse possível. Na outra ponta, a do consumidor, havia uma busca constante por melhor qualidade de som e a oferta de vitrolas e rádio-vitrolas foi substituída os anos 1970 pela chamada aparelhagem de som: toca-discos, amplificador e duas caixas de som, para garantir a sensação de espacialidade que o sistema estereofônico proporcionava. Um salto de qualidade na recepção do som que potencializou segmentos como o rock progressivo e que conseguia dar a sensação ao ouvinte de samba, de estar no meio da batucada. 

Com o advento do CD, no início da década de 1980, a indústria fonográfica eliminaria dois problemas. Não haveria mais o ruído da agulha no vinil nem o desgaste do disco, pois a leitura do CD era feita sem contato físico. Mas a promessa do som perfeito, do produto ideal, saiu meio pela culatra. Os primeiros CDs eram muito agudos e logo se percebeu que eram menos atrativos que os LPs do ponto de vista gráfico. Isso fora o fato das embalagens quebrarem fácil. Para compensar a perda de graves na transição analógico-digital, popularizou-se o sub-woofer. Os fones de ouvido passaram também a "reforçar" o grave e tudo ficou mais maquiado. 

Quando surgiu a tecnologia de compressão digital chamada mp3 na virada do século, vários executivos da indústria fonográfica deram entrevistas opinando que seria um absurdo o ouvinte, acostumado com a excelência do som do CD, involuir para a qualidade do mp3. Erraram feio! Nos dias que correm, até as emissoras de rádio que trabalham com música de concerto fazem sua programação com essa tecnologia. 

Por fim, em tempos de pandemia, chegamos ao "úpice", como diria o Tim Rescala. Há uma profusão de lives com som medonho e parecem não incomodar a ninguém.

Se observarmos os dois extremos da cadeia de produção/consumo da música gravada, é possível compreender o que está acontecendo. Os músicos mais jovens não costumam ter em casa um som de qualidade para ouvir. Às vezes, me enviam gravações para eu opinar sobre o som, que além de estarem em mp3, ainda sofrem a segunda compressão, do aplicativo de envio. Para eles, aquele som parece normal. Para mim, lembra o rádio de pilha Spika da minha infância. No outro extremo, boa parte dos consumidores abandonou o CD e passou a ouvir música no computador ou no telefone, em caixinhas de som ou fones de ouvido de qualidade sofrível. Ora, se as duas pontas da cadeia fizeram esse pacto do "tanto faz" em termos de qualidade, quem acaba sofrendo é a música. Há tempos defendo a ideia que boa parte da mediocridade musical do século XXI vem do desprezo com que é tratada a matéria prima: o som.

Henrique Cazes


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