Colunista Convidado

Mingo Silva renova o samba em 'Arte do Povo'

sábado, 28 de março de 2020

Compartilhar:

Sem espaço na mídia de massa desde a explosão do pagode raiz dos anos 80 (Fundo de QuintalAlmir GuinetoJovelina Pérola NegraZeca PagodinhoArlindo CruzJorge Aragão), o samba reinventa a roda. Acantonado há 15 anos, no carioca Renascença Clube, do Andaraí (de onde saíram as primeiras misses negras do país), a roda do Samba do Trabalhador, comandada por Moacyr Luz, faz o gênero girar há 15 anos. A ironia do título do evento é realizar-se às segundas feiras, dia consagrado ao trabalho convencional - aliás, cada vez mais escasso – embora seja o de descanso dos músicos, que costumam atuar nos finais de semana. O sucesso do encontro não se traduz apenas pela longevidade. Congrega a freqüência maciça de jovens locais e turistas internacionais, elogios do jornal americano The New York Times, além de cinco CDs e três DVDs gravados ao vivo. E ainda renova o panteão do samba, como ocorre agora na estréia solo de um dos integrantes do coletivo, o compositor, cantor e percussionista Mingo Silva no álbum “Arte do povo” (Biscoito Fino).

“Desde a primeira roda juntos, eu identificava a sua voz, como a voz do Brasil. Mineral feito Minas; agreste da pureza nordestina com doses de malandragem das metrópoles”, saudou Moacyr Luz, no texto de apresentação. “A surpresa derradeira foi descobrir que além do seu domínio com instrumentos de percussão, pandeiro firme, um surdo de marcação, agogôs imperianos, Mingo era um inspirado compositor”, adicionou. No disco, Mingo co-assina quase todas as faixas. Produzido com maestria por Alessandro Cardozo (também autor de alguns arranjos, mais cavaquinho e cavaco bandola) o CD arregimenta integrantes do Samba do Trabalhador, como Álvaro Santos, o Nego Álvaro, (repique de mão, pandeiro), Luiz Augusto (repique de anel, pandeiro, tantan, atabaque, agogô, caixa e congas) e convivas ilustres do naipe de Claudio Jorge (violão de 6 cordas), mais os 7 cordas Paulão e Carlinhos (ambos assinam arranjos, assim como Rildo Hora) e Ubirany (repique de mão, caixa de fósforos), um dos caciques do precursor Grupo Fundo de Quintal. 

Outro ás da geração antecessora, Zeca Pagodinho, empresta picardia ao cadenciado “Devagar, coração” (parceria de MingoEduardo Chaves e André da Mata): “o tempo é quem vai lhe dizer/ a hora do amor prevalecer/ acalma peito meu”. O próprio Moacyr Luz endossa “Flor da lua” (com Anderson Baiaco), próximo ao samba de roda, regado por palmas, retrato de “um moleque que sabe jogar capoeira, é bom de pagode e gafieira, tira onda e é de trabalhar”. Da nova safra de sambistas, João Martins, co-autor, (com Mingo e Flávia Uva) da ácida “Gira” (“pela sua vaidade; o orgulho arde/ é o seu altar”), tem participação especial na faixa. 

Como sugere o título “É lenha” (com Nego Álvaro e Mosquito) traz o recorte rítmico picotado, do tipo que ateia fogo na roda, a bordo de um refrão certeiro e circular: “É madeira é pau, madeira é lenha/ é ferro, é brasa, é aço / se o laço desata/é pedra, é osso se o amor acabar”. Sem parceiros, Mingo exalta a Estação Primeira em “Amor verde e rosa”, que fecha dialogado, com uma flauta entoando o célebre hino “Exaltação à Mangueira” (Enéas BrittesAloysio da Costa). Há espaço para o embalo afro da entidade Zé Pelintra (“Rei da madrugada”, de Wanderley Monteiro e Luiz Carlos Máximo) e do “Povo do Ayê” (“o sol em forma de Orixá no terreiro baixou”), parceria do solista com André Jamaica e Luis Caffé. E ainda um samba calangueado “Boiadeiro Navizala” (Ivan MilanêsEdimar Silva), em clima de aboio (“é que em boca de jibóia/ não pode entrar meu boi”). Na faixa título, Mingo (com Paulo Franco e Anderson Baiaco) dispara sua profissão de fé logo no abre alas: “Você que fala de samba e não sabe o que diz/ vá procurar se informar/ tem que respeitar raiz”. Simples assim. 

Tárik de Souza


Comentários

Divulgue seu lançamento