Colunista Convidado

“Mais feliz”, o manifesto sagaz de Zeca Pagodinho

segunda, 30 de setembro de 2019

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Numa época repleta de tristezas e baixo astral, chega a ser subversivo lançar um disco nomeado “Mais feliz” (Universal), o 24º da carreira de Zeca Pagodinho. A faixa título, um samba lento, envelopado com arranjo suntuoso de Leonardo Bruno, perfumado pela gaita do produtor Rildo Hora, é parceria de Paulinho Rezende e Toninho Geraes, o do clássico sucesso de Martinho da Vila, “Mulheres”. A letra capricha num romantismo sensualizado: “Nós somos feitos um pro outro de encomenda/ como a chave e a fenda/ como a luva e a mão/ o nosso amor é Kama Sutra, é juventude”. Também na clave do romantismo, que domina o disco, são o veloz sincopado de “Não vou magoar o meu amor” (Dunga de Vila Isabel/ Gabrielzinho de Irajá), o cadenciado “Permanência”, do baiano Nelson Rufino (“leva essa minha tristeza/ no mesmo barco, a solidão/ devolve a felicidade”), o porte elegante de “Peregrinação”, da ilustre dupla formada por pai e filho, Monarco e Mauro Diniz, e o leve gingado de “Dependente do amor” (“se a gente se ama pra valer/ melhor reviver a nossa paz”), de Gilson Bernini, Brasil do Quintal e Xande de Pilares, que participa da faixa.

Também seguem a linha do lirismo duas raras parcerias do próprio Zeca, com Moacyr Luz (“Enquanto Deus me proteja”) e com seu compadre Arlindo Cruz (“Nuvens brancas de paz”, com Marcelinho Moreira), fora de combate desde que sofreu um AVC hemorrágico, em março de 2017, do qual ainda se recupera lentamente. O roteiro tem uma piscadela para o forró, no satírico “Um é ruim, outro é pior” (César Procópio/Fernando Procópio/ Serginho Procópio): “Briga feia no sertão, nas bandas do Cabrobró/ cospe fogo, risca a faca, não tem que desate o nó”.  E engata mais humor no “Carro do ovo” (Marcos Diniz/ Rosania Alves): “Quem é baixa renda transborda alegria/ com essa iguaria caindo do céu/ numa bandeja vem quarenta ovos/ porém a cartela são só dez reais”. Sonha com um teto no amaxixado “Quem casa quer casa”, de Rafael Delgado e Ronaldo Barcellos (“Tô procurando um barraco pra alugar/ no puxadinho não dá mais pra ficar”) e, menos feliz, protesta contra o domínio da violência, em “Na cara da sociedade” (Serginho Meriti/ Claudemir): “É a bala perdida, é a guerra, é o caos/ é a ignorância dos votos nos bons homens maus/ sou carioca, mas sei que meu Rio não anda legal”. Os poderosos versos, “fim da tempestade/ o sol nascerá”, da bela regravação de Zeca e Teresa Cristina de “O sol nascerá – A sorrir”, dos estupendos Cartola e o recém falecido Elton Medeiros, para a trilha da novela “Bom Sucesso”, também iluminam estas trevas circunstanciais.

Surpreendendo mais uma vez, o precioso sambista, que mantém um reiterado lugar ao som em plena era do sertanejo, brega e funk, encerra o disco com uma bossa romântica da dupla Baden Powell e Vinicius de Moraes, “Apelo”, grande sucesso na voz da divina Elizeth Cardoso. Ele passa na prova de fogo do intérprete intimista, ao acompanhar-se apenas dos virtuoses Hamilton de Holanda (bandolim) e Yamandu Costa (violão de 7 cordas). Nem tudo está perdido.

Os lançamentos de “Mais feliz” serão dias 7 de dezembro (Credicard Hall, SP), 13 de dezembro (KM de Vantagens Hall, RJ) e 9 de fevereiro, na Concha Acústica de Salvador, Bahia. 

Texto por: Tárik de Souza


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