Kid Morengueira, doutor no breque e nos dribles
Moreira da Silva, o Kid Morengueira, demonstrou ao longo de sua prolífica carreira, que conta com quase 130 discos gravados, uma grande intimidade com a bola musical. Para iniciar a peleja, em 1941, dez anos após estrear num disco 78RPM, Kid Morengueira gravou o choro “Doutor em Futebol”, de Waldemar Pujol e Moacir Bernardino, no mesmo formato, pela gravadora Victor. A letra narra o sonho de um homem de se tornar um grande astro do futebol, mas é pressionado pela mulher a se formar doutor “bacharelado em anatomia, andar na aristocracia, discutindo assuntos com altos cientistas, especialistas”. “Mas o meu meio é futebolista”, argumenta.
O curioso é que, 18 anos depois, Moreira da Silva deu um drible em Bernardino, mudando arranjo, ritmo e o título da música para “Pé e Bola” e pondo somente o seu nome como compositor ao lado de Pujol. Na letra desta nova versão, gravada no LP “O Último Malandro” (gravadora Odeon), Kid Morengueira fez poucas modificações e atualizações, incluindo a substituição dos nomes dos jogadores e do narrador citados na composição original.
Em 1943, com a marca registrada do seu talento, dando aquele breque para fazer um comentário no meio da música, gravou “Copa Roca”, composição sua com Lourival Ramos na qual exalta o craque Leônidas da Silva, que na letra ainda estaria no Flamengo (o Diamante Negro foi para o São Paulo no ano anterior); além do meia Romeu, do Fluminense, e o ponta Carreiro, do São Cristóvão. O jogo contra a Argentina em questão, que ele diz ter ido a São Paulo para assistir “em companhia da Maroca”, provavelmente foi o disputado em 18 de fevereiro de 1940, no Parque Antarctica, e que terminou com o placar de 2 a 2, ao fim da prorrogação, sendo 1 a 1 no tempo normal. Dois dias depois, porém, no mesmo local, os argentinos venceriam por 3 a 0 e ficariam com a taça. Mas isso ele não conta.
Moreira da Silva nasceu em 1º de abril de 1902 e faleceu em 6 de junho de 2000 na sua cidade natal, o Rio de Janeiro. Torcedor do Flamengo, compôs e gravou outras músicas em que o tema era o futebol. Em 1970, por exemplo, Kid Morengueira foi rápido no ataque quando apresentou, no LP “Manchete do dia”, “Plantel de bois e cavalos” que depois se tornaria apenas “Plantel”. A letra é uma crítica aos locutores e comentaristas que usavam este termo para designar elenco. “Plantel não, plantel é de bois e cavalos. É, seu Zé, Flamengo não tem plantel. Flamengo tem atletas, tem elenco, tem craques da pelota, tem doutor, tem bacharel...”.
Também em 1970, na esteira do documentário “Tostão, a fera de ouro” - porém sem fazer parte da trilha sonora do filme que foi toda composta ou cantada por Milton Nascimento - e da Copa do Mundo do México, Moreira da Silva fez outra parceria com Lourival Ramos e pôs “A Fera de Ouro” de Minas Gerais no LP “Mo “Ringo” Eira”. Foi mais uma homenagem a toda equipe dirigida por Zagallo, mas em especial ao artilheiro da seleção brasileira nas eliminatórias da Copa de 70 que havia sofrido um descolamento de retina, foi operado, em 1969, e quase ficou fora do Mundial do México.
P. S. Para de Sucessos (faixa 5)
Na trilha do tri, que completa em 2020 o seu cinquentenário e trataremos numa próxima coluna, Miguel Gustavo foi o campeão com “Pra frente Brasil”, que acabou se tornando o Hino daquela conquista memorável da seleção brasileira. No entanto, o que poucos sabem é que ele é o autor de vários sucessos de Moreira da Silva, incluindo “Morengueira contra 007”, que aparece pela primeira vez no LP “P.S. Parada de Sucessos”, de 1965, narrando com muito humor, como se fosse um filme, uma tentativa de sequestro de Pelé por James Bond para que ele não enfrentasse a Inglaterra. O herói encarnado por Moreira acaba impedindo o crime e ainda vive um romance com (uma personagem vivida por) Claudia Cardinale. “O temperamento latino é fogo”.
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