Jorge Helder - Caroá (2022)

Lançado no dia 21 de dezembro  pela gravadora Biscoito Fino, o segundo álbum do contrabaixista e compositor Jorge Helder é mais uma obra-prima da música instrumental brasileira. Caroá faz referência à bromélia neoglasiovia variegata nativa do estrato baixo da Caatinga. Outro vínculo que podemos estabelecer entre o título do álbum se dá diante do nome da música, também instrumental, Arrancando Caroá, do rei pernambucano e símbolo máximo da música popular brasileira, Luiz Gonzaga. Por muitos anos, a família do rei do baião retirou seu sustento colhendo esta planta com flores exuberantes de um vermelho vivo.

O álbum contém 8 faixas instrumentais, todas elas compostas por Jorge. As vozes de Sérgio Santos, Mônica Salmaso e Zé Renato aparecem respectivamente nas faixas 2, 4 e 7, na forma de vocalizes, conferindo a esta maneira de usar a voz um estatuto instrumental. Além dessas vozes implacáveis, o disco conta com Chico Pinheiro (guitarra), Hélio Alves (Piano e teclado), Tutty Moreno (bateria) e Marcelo Costa (percussão).

Caroá abre o disco com uma avalanche de notas de Chico Pinheiro na levada de Gonzaga. A melodia que daí surge, tem a principal característica de uma boa melodia: a possibilidade de ser cantada sem muito esforço. Mais adiante, Helder improvisa de maneira breve executando uma série de notas escolhidas a dedo.

Em meio às inúmeras referências que o disco carrega, Santos de Casa guarda dois grandes nomes em seu título: Moacyr Santos e o próprio Sérgio Santos, cantor mineiro e discípulo de Milton Nascimento. Curioso é que o timbre vocal de Sérgio lembra em grande medida a voz do gigantesco Bituca.

Por outro lado, Tutty refere-se de maneira mais direta ao baterista do disco Tutty Moreno, casado com a cantora e compositora Joyce Moreno, a quem a Berklee College of Music de Boston rendeu homenagens a sua obra em 2015. Para o baixista e compositor do disco, a simbiose do casal é tamanha que ambos são uma só pessoa. As dobras entre piano e guitarra são um show à parte na terceira música do disco.

Lugar sem tempo começa em ad libitum que lentamente adquire forma junto a voz de Mônica Salmaso. O título carrega uma menção ao Romantismo e à relação temporal não definida. Além disso, a maneira como Salmaso articula as frases amplia ainda mais a sensação desta temporalidade indeterminada.

Parece ser a vassourinha na caixa de Tutty a responsável por causar a verdadeira Impressão Perfume na música, ao passo que Zé Nogueira sopra notas doces à sutil fragrância percebida com maior nitidez graças à chegada dos outros instrumentos. O dueto entre guitarra e saxofone merece ser ouvido diversas vezes.

A precisão de Marcelo Costas faz da faixa uma das Confluências mais perfeitas do disco na “dobra” entre piano e vibrafone. A condução da banda acompanha o título da música, onde nenhum excesso é conferido. 

Miguilim, personagem da novela Campo Geral de Guimarães Rosa, nomeia a faixa mais mineira do disco. As vocalizações de Zé Renato dão vida ao dialeto do personagem que vivia em Mutum. Manuelzão, outro personagem do enredo dos sertões, é brevemente mencionado, caracterizando assim, uma atmosfera repleta de montanhas e muito verde. A única balada do disco parece estar 

À Margem de toda a obra. A placidez das notas conduz a melodia a uma languidez prazerosa. A demora e a paciência com as quais a música é tocada encerram o disco de forma suntuosa.

O último disco solo de Jorge Helder, o baixista mais requisitado da MPB, apresenta composições de um mestre que acumula cerca de 350 discos e mais de 40 anos dedicados às quatro cordas. Mais um primor da nossa música instrumental. Aproveite o ensejo e ouça também Samba Doce, o primeiro disco instrumental do músico gravado em 2020 pela Tratore e lançado em formato digital pelo Sesc São Paulo.

FICHA TÉCNICA:
Jorge Helder – Contrabaixo
Chico Pinheiro – Guitarra
Hélio Alves – Piano e Teclado
Tutty Moreno – Bateria
Marcelo Costa – Percussão
Zé Nogueira – Saxofone (Faixa 5)
Sérgio Santos – Voz (Faixa 2)
Mônica Salmaso – Voz (Faixa 4) 
Zé Renato – Voz (Faixa 7)
Editora: Nossa Música
Gravadora: Biscoito Fino