Na Ponta do Disco

Jorge Ben Jor, o grande afrofuturista psicodélico do Brasil.

por Ivan Silva

segunda, 28 de março de 2022

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Muito já se escreveu sobre este carioca de Madureira, sobre sua musicalidade e suas qualidades como instrumentista, letrista além do folclore sobre suas manias, suingue e criatividade, não é mesmo? Ele muda de nome, troca de instrumento, entra ano, sai ano, mas o cara está sempre na área e no nosso imaginário musical e afetivo. Seja por um refrão deliciosamente chicletento, por fatos e personagens históricos traduzidos em forma de música ou pela batida única de seu violão. Sim, já se falou quase tudo sobre Jorge e sim, nenhum ser humano nascido no Brasil não conhece pelo menos uma das suas refrescantes canções.

Quando eu digo que quase tudo foi dito sobre Jorge é porque nunca será possível escrever tudo, ou o suficiente sobre a sua genialidade em constante evolução. Mesmo sem nenhum lançamento recente, ele consegue arrebanhar novos admiradores e é cada vez mais reverenciado pelo seu estilo único de tocar e compor. Estamos falando de uma espécie de senhor do tempo, um humano que tem o poder de rejuvenescer, de reinventar sua vida e obra e ser redescoberto de tempos em tempos em constante revolução! Seja pelo rufar das cordas do seu violão, por suas letras magnéticas ou pela eletricidade da sua frenética guitarra.

Em 1963, a gravadora Phillips comemorou muito e celebrou os mais de 100 mil discos lançados pelo disco de estreia do jovem Jorge Ben, com direito a coquetel e tudo mais. Foto do Acervo MIS/Divulgação

Outro motivo pra se dizer que se falou quase tudo sobre ele é que nunca se tem um consenso sobre seu nascimento. Este ano, ele faria 80 anos segundo algumas fontes, de acordo com outras, ele já fez 80 há algum tempo e pasmem: também dizem por aí que ele só vai fazer os mesmos 80 anos daqui a alguns anos! Coisas típicas deste Jorge, mas esta busca pela eternidade pode acarretar em algumas questões importantes, práticas e fundamentais: como o Salgueiro poderá homenageá-lo sem saber sua idade? Afinal, todo bom samba-enredo precisa deste dado. Ou então, como ele vai poder entrar para a Academia brasileira de Letras sem a bendita data correta? Questões como estas e várias outras prometem se tornar perguntas com respostas ainda mais variadas e muitas poderão ficar pelo caminho. Se bem que o samba do Salgueiro empurrado pela bateria Furiosa poderia omitir esta informação não é? Talvez Jorge nunca tenha nascido de maneira tradicional e sempre tenha existido, como uma espécie de evento mágico de alquimia complexa.

Na linhagem do violão brasileiro, ele fez e faz escola e história. Após João Gilberto, Jorge inaugura a segunda revolução do violão cantado brasileiro, assumindo a potência do samba com o continente africano impregnado em cada corda, causando uma catarse rítmica, quase como um drible seguido de gol num Maracanã lotado em tarde de sol (decidindo campeonato). Inclusive arrisco dizer que sem ele, sem Gilberto Gil e sem seus violões encantados não teríamos uma música brasileira tão afirmada e cheia de nuances, multiplicidades, ritmos, invenções e novas maneiras musicais que felizmente temos atualmente. Se hoje temos a felicidade de acompanhar a beleza da novíssima terceira revolução do instrumento, nascente pelas mãos de grandes artistas como Josyara e Kiko Dinucci, devemos muito aos discos e gravações icônicas que Jorge realizou. Obras definitivas como Força Bruta, Ben é Samba Bom e o manual definitivo de como se fazer "o suingue" com menos de 10 acordes Samba Esquema Novo são apenas alguns exemplos da grandeza do seu repertório como viologã, um tipo raro de violonista que toca percussão, ou percussionista que toca violão  se assim preferir.

A inquietude e sede pelo novo fizeram o revolucionário Jorge, em pleno auge, deixar o seu violão um pouco de lado e empunhar uma guitarra elétrica em tempos difíceis, nos quais se faziam manifestações contra o instrumento símbolo do rock num momento histórico e político onde se haviam mais dúvidas do que certezas. Este ímpeto desbravador como um orixá na mata impulsionou sua carreira para lugares ainda mais profundos por um ideal sonoro, tal qual uma ponte sobre o oceano conectando as diferentes africanidades com um Brasil de intensidade amplificada e imprimindo conceitos rítmicos refinadíssimos olhando sempre para frente, mas carregando na mala a bagagem ideal e necessária para a viagem rumo aos novos sons: curiosidade, tradição e coragem. Álbuns como Jorge Ben Jor 23, Bem-Vinda Amizade e A Banda do Zé Pretinho exemplificam tudo isso além da liberdade de reapresentar temas já conhecidos com roupagens diferentes além da já tradicional energia tão presente em sua produção.

Foto de Ricardo Borges / Divulgação

Como toda entidade que se preze, ele some, aparece, reaparece, deixa saudades e atende sempre as nossas preces quando queremos sentir o sabor de ser e pertencer a um Brasil que enche os olhos de lágrimas e as pernas de vontade de dançar. Seja pelas suas mãos ou pelos seus pares de ofício em homenagens e parcerias, Jorge é e será uma figura onipresente na nossa cultura, música e na vontade de celebrar a alegria.

Este é Jorge Duílio Luna Meneses ou Jorge Ben Jor, ou Jorge Ben. Um artista, afrofuturista, psicodélico brasileiro, sem data de nascimento e para sempre torcedor do Flamengo. O resto é história.



Ivan Silva: ex-artista, músico e produtor de aleatoriedades convergentes. Também é chamado de ivanbatucada e autor dos discos Deboche tropical e da trilogia Teoria da Rebolatividade.


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