Rolê Musical

John Dandurand: É proibido proibir

quinta, 27 de maio de 2021

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Durante a revolução estudantil de maio de 1968, na França, entre os vários grafites que se viam nos muros de Paris, um dos mais populares dizia: “Il est interdit d'interdire”, ou “É proibido proibir”. Tão popular que se espalhou pelo mundo e se tornou um slogan internacional, quase um clichê. O produtor e empresário da maioria dos artistas do grupo tropicalista, Guilherme Araújo, sugeriu que Caetano Veloso escrevesse uma canção tendo a frase como mote. Ele resistiu à sugestão, mas acabou vencido pela insistência de Araújo:

“Fiz rapidamente uma breve marchinha ternária com uma série de imagens de sabor anarquista (era o que me parecia à primeira vista o movimento francês - ou pelo menos era o seu aspecto que mais o identificava ao nosso) e usei a frase singelamente paradoxal como refrão. Mostrei-a a Guilherme (que disse achar tudo divino, maravilhoso) e me desobriguei em relação à canção”, contou Caetano Veloso, em "Verdade Tropical", seu livro de memórias.

A canção ficou com ele, sem destino certo, talvez num próximo disco. Então veio o convite para a participação no III Festival Internacional da Canção, o de 1968, promovido pela TV Globo.

Guilherme Araújo, verdadeiro formatador da estética visual do tropicalismo, queria Gilberto Gil e Caetano Veloso no festival. Caetano mais uma vez resistiu e, mais uma vez, aquiesceu pela insistência do empresário. Porém, advertiu, usaria a canção como base para um happening (assim como Gil faria com "Questão de Ordem"). Consignavam ali o ápice e o começo do fim da Tropicália, que finalmente ganhara corpo sólido como um movimento musical (sobretudo musical), que quebrou louças, derrubou estantes, virou mesas, e rompeu barreiras estéticas. Seus efeitos, meio século depois, ainda podem ser detectados na música do século 21, e não apenas no Brasil.

É provável que a apresentação de Caetano Veloso e os Mutantes, defendendo "É Proibido Proibir", tivesse sido considerada apenas mais um passo à frente do baiano para se afastar da MPB convencional em cujas hostes militou. Guitarras e trajes “pra frentex” (empregando um termo então em voga) não seriam novidades no ato tropicalista. O que causou surpresa, traduzida em repulsa, foi a aparição inesperada de um americano muito branco, quase albino, altíssimo, com as botas chegava perto de dois metros, então com 22 anos. John Dandurand, o nome dele. Dandurand reuniu-se a Caetano e aos Mutantes com botas de canos longos, uma capa, e emitindo, em alto volume, ruídos que levaram a plateia a reagir, como se em autodefesa: 

“Eu usava um pequeno microfone, que coloquei, em parte, na boca, daí aproveitaria o feedback do fundo da garganta. Para o público, provavelmente, isto soava feito berros e uivos”. A explicação é do citado americano John Dandurand, 75 anos, que cumpriu o papel de agente provocador na mais polêmica apresentação de uma canção num festival de música popular nos anos 60.  Em  "É Proibido Proibir", na eliminatória do FIC, no TUCA (Teatro da Universidade Católica), em São Paulo. Mais do que  a música, o traje de plástico verde e preto, de Caetano Veloso, a iconoclastia juvenil dos Mutantes,  foi a atuação do americano que catalisou a perplexidade, transformada em desaprovação, combustão para a violenta reação do público do TUCA.

John Dandurand, Caetano Veloso e os Mutantes durante apresentação de "É Proibido Proibir" (Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução) 

John Dandurand mora há anos no estado do Colorado, quando muito é citado en passant, pelo historiadores do tropicalismo.  Por e-mail ele me concedeu, antes da pandemia, um entrevista, a primeira a um jornalista brasileiro desde o fim da década de 60. A principio ficou meio cabreiro, acabou acedendo, e até mandou fotos recortadas de publicações da época, que guarda como recordação do histórico episódio que implodiu a Tropicália.

ENTREVISTA

José Teles: Como você conseguiu fazer tanto barulho naquela sua participação na apresentação de "É Proibido Proibir", no Tuca? 

John Dandurand: Eu tinha um microfone pequeno, coloquei parte dele na boca, então gritava e controlava o feedback no fundo da garganta. Para a plateia provavelmente aquilo soava como berros e uivos.

José Teles: Você ensaiou com Caetano e os Mutantes antes daquela noite?

John Dandurand: A gente tinha gravado a canção juntos, mas minha intervenção não precisava ser ensaiada para aquela performance lá no TUCA.

José Teles: Você esperava que o público reagisse daquela maneira?

John Dandurand: Não tinha a menor ideia do por que da plateia reagir tão violentamente. Achava que o publico estava demonstrando seu amor por Caetano de uma maneira estranha, porém quando começaram a atirar coisas na gente, comecei a temer pela nossa segurança.

José Teles: Como você conheceu Caetano Veloso?

John Dandurand: Conheci Caetano mais ou menos um ano antes da apresentação no TUCA, e ele me convidou para ir com ele a São Paulo, onde gravamos "É Proibido Proibir". Em seguida, Caetano me convidou para participar com ele da apresentação no TUCA.

José Teles: Você tornou-se um assunto polêmico nos jornais. Diziam que você era alemão, que era um travesti, ninguém parecia estar entendendo nada.

John Dandurand: Como lhe disse, meu português nunca foi muito fluente, então não consegui entender a maioria das maluquices que escreveram sobre mim. Mas nem sou alemão, nem travesti, embora seja totalmente possível que eu tivesse sob efeito de drogas naquela noite.

José Teles: Por que você veio para o Brasil?

John Dandurand: Vim para o Brasil com uma banda de San Francisco, The Sound.  O grupo nunca foi muito popular, e acabamos nos separando no Rio. O integrantes da banda voltaram para os Estados Unidos, porém decidi ficar porque amei o Brasil.

José Teles: Você também participou do show de Caetano e Gil na Sucata, logo depois eles seriam presos. Como foram estes shows?

John Dandurand: Na Sucata a plateia queria abraçar nós todos. Ficaram entusiasmados com as performances. Me lembro de chegar mais perto para apertar as mãos de pessoas na plateia.

José Teles: E como você se sentiu, quando soube que Caetano e Gil tinham sido presos?

John Dandurand: Depois que o DOPS prendeu Caetano e Gil (por subversão, até onde eu me lembre), fiquei com muito medo, e voltei para os Estados Unidos.

José Teles: Você manteve algum contato com os dois depois disto? 

John Dandurand: Nunca mais vi nem Gil, nem Caetano desde então, embora Caetano tenha me aceitado como amigo dele no Facebook. Gil recusou meu pedido de amizade. Talvez ele pense que delatei ele às autoridade antes de serem presos. Não fiz isto de maneira alguma. A embaixada americana, inclusive, recusou-se a me ajudar quando a procurei e pedi ajuda. Eles achavam que eu tinha traído os Estado Unidos por participar do evento no TUCA. Espero voltar ao Brasil e me encontrar tanto com Caetano quanto com Gil.

José Teles: E como foi sua vida depois que voltou aos EUA?

John Dandurand: Depois disto, eu comecei uma carreira solo, e com várias bandas, mas não consegui ser realmente famoso. Depois me envolvi com organizações não governamentais, que ajudam pessoas pobres, e é ainda o que faço hoje. Me sinto feliz em ver que o tropicalismo tornou-se tão importante no mundo. Meu próprio país, com Trump, está voltando a trilhar mesmos caminhos malignos contra os quais me rebelei na época de Johnson e Nixon.

GIL GARANTE QUE NUNCA DESCONFIOU DO AMERICANO

Entrevistado sobre esta entrevista, Gilberto Gil surpreendeu-se quando tomou conhecimento de que John Dandurand, supôs que ele, Gil, desconfiasse que  fosse um agente da CIA

“Ele era um menino americano que se aproximou de nós, tinha interesse em muitas coisas brasileiras, inclusive na questão dos índios, da Amazônia. Era músico, tocava, compunha, teve um período de colaboração conosco, até que veio nossa prisão, nosso exílio, e perdemos contato com ele.

Isso da CIA era uma lenda urbana que atingia não só a ele, mas a muitos americanos, especialmente jovens, que vinham pra cá. A paranoia da época incluía esta coisa de achar que todo americano fosse da CIA, mas  não foi o meu caso em relação a ele. Se ele achou que eu tinha este tipo de desconfiança em relação a ele, tá enganado. John dormia, comia lá em casa, era meu amigo, nunca tive nenhum tipo de paranoia com ele não. Manda um abraço pra ele”.

José Teles 

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