Escambo Sonoro

Felipe Batistella Alvares - Um Lugar Seguro (2023)

quinta, 16 de março de 2023

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Tradicionalmente, o contrabaixo é um instrumento de acompanhamento. As frequências graves, por vezes, apresentam alguns empecilhos quando se trata de ideias melódicas. No entanto, existem certos contrabaixistas que, felizmente, nos mostram o contrário disso tudo. Este é o caso do disco Um Lugar Seguro (2023) lançado pelo contrabaixista Felipe Batistella no mês passado.

Do ponto de vista dos instrumentos, ou melhor, do instrumento, a concepção do disco é simples: um contrabaixo de cinco cordas, apenas. Isso mesmo! Durante todo o álbum, nossa escuta é preenchida somente pelos acompanhamentos e melodias graves. Esta é justamente a maior exigência do disco. Afinal, não é todos os dias que escutamos um disco com dez faixas tocadas, única e exclusivamente, pelo contrabaixo.

Um Lugar Seguro, a faixa homônima ao disco, inaugura a escuta do álbum. A melodia e a progressão harmônica feita pelos acordes lembram, em alguma medida, algo de Bach. Talvez seja o prelúdio 1007 para violoncelo, obra que tem se tornado canônica para o contrabaixo elétrico. No entanto, essa impressão rapidamente se esvai e Felipe mostra que seu repertório vai muito além disso.

Por outro lado, em Cotidiano o recurso dos falsos harmônicos é usado de maneira bastante interessante. Essa técnica consiste em dividir a corda de forma artificial usando os dedos da mão direita como recurso. Junto a tudo isso, as progressões conduzem o ouvinte a caminhos pouco usuais no instrumento. Composta por Luiz Carlos Borges e Humberto Zanatta, a canção Tropa de Osso é interpretada por Batistella de uma forma singular. Com a forma tradicional da canção popular, A e B, a música ganha novos timbres contornos na versão do músico.

A quarta faixa do disco, Pentamê aparece com algumas escalas e ritmo bem legais. Vale a pena a escuta atenta da música. Em Pra Anamaria, música do guitarrista Gustavo Assis Brasil encontramos uma versão bastante cuidadosa da música. Mais uma vez, o contrabaixo empresta à música seu timbre característico, transformando-a em outra música, apesar de ser a mesma composta por Gustavo.

Michaba faz soar a pesquisa desenvolvida pelo músico desde sua monografia, cujo objetivo é fazer um resgate histórico sobre as origens e um levantamento sobre as células rítmicas e melódicas sobre quatro ritmos usados na música regional do Rio Grande Do Sul: Milonga, Chamamé, Chimarrita e Vaneira. Sétima do Pontal é composta por Renato Borghetti e Veco Marques. Neste caso, a música adquire outra roupagem quando tocada por Felipe. O que revela, mais uma vez, a pesquisa profunda e atenciosa feita pelo contrabaixista.

A chacarera Novos Rumos composta por Luciano Maia em parceria com Rodrigo Maia é tocada aqui de forma bastante particular. Recomenda-se a audição das duas versões para o ouvinte encontrar as nuances em cada uma delas e verifique o quão árduo é o trabalho de construir uma nova versão. A penúltima faixa, Teimosia, usa da repetição de acentos rítmicos e dos palm mute em uma espécie de brincadeira que, aos poucos, ganha corpo. A música merece ser ouvida várias vezes para o ouvinte perceber todas as sutilezas criadas pelo músico.

O melhor sempre fica para o final, não é mesmo? A forma de Passagem fica clara à medida que as técnicas usadas ao longo do disco são reunidas em uma única faixa. Além disso, as cadências harmônicas dão à faixa caminhos sólidos. Todo o disco foi gravado no home studio de Felipe na cidade de Passo Fundo no Rio Grande do Sul. A mixagem e a masterização foi feita em parceria com Patrício Contreras, professor da Universidade Federal de Santa Maria.

Lugar Seguro (2023) é resultado de um trabalho lapidado por décadas e objeto de estudo do pós-doutorado em performance, na área de Investigação Artística, realizado pelo contrabaixista na Universidade de Aveiro em Portugal. A opção entre músicas autorais e versões de grandes músicos da cena gaúcha revelam a perspicácia e a coragem de Felipe Batistella Alvares em recorrer ao contrabaixo como instrumento solista, assim como o piano ou o violão são comumente utilizados.

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