Entrevista

Entrevista Exclusiva: Claudya, um cafezinho e um piano

por Caio Andrade e Mila Ramos

quinta, 25 de maio de 2023

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"Deixo um legado também de boas músicas, bons arranjos, de nunca ter desistido no que acreditei. Eu me orgulho do meu trabalho. Ele tem atravessado o tempo, você vê o 'Deixa eu Dizer'."

O mês de maio foi certamente um dos mais marcantes para o IMMuB. Não só pelo tema tão especial, como também pela quantidade de conteúdos que conseguimos produzir para todas as pessoas que nos acompanham: tivemos sorteio, cupom, entrevista e cobertura de show! Tudo isso em conjunto com Claudya, Grazi Medori e outros parceiros como A Música De.

Nossa equipe chegou a ir para São Paulo no dia do aniversário de 75 anos de Claudya e conversar pessoalmente com a artista, além de cobrir o show que de comemoração ao lado da filha (que você pode ler aqui!). A entrevista foi no Fino da Bossa - Canção de Autor, e rendeu mais de 1h de gravação, entre risadas, pausas para o cafezinho, muitas emoções e até uma palhinha no piano para nós!

Vamos nessa?


Caio Andrade: Você comentou sobre gostar de artistas da Era do Rádio e tê-los como referência, toda sua geração, na verdade, mas parece ter gravado poucos. Isso tem muito a ver com a vontade das gravadoras da época? Quem você gostaria de ter gravado mais?

Claudya: Na verdade, quando eu iniciei minha carreira, chegando em São Paulo, tinha um movimento grande na música brasileira. Tinha a Bossa Nova, Elis e Jair, Chico Buarque começando, éramos todos jovens naquela época. Então tinha uma coisa com os compositores desse movimento, a gente buscava cantar músicas dos compositores dessa geração.

Mila Ramos: E os artistas da sua referências foram ficando pra trás? Difíceis de gravar?

Claudya: Foram, porque as gravadoras preferiam aproveitar aquele momento ao repertório mais antigo, então a gente gravava muito o Chico, Gilberto Gil começando também, Paulinho Nogueira, o Toquinho…

Mila Ramos: E você se sentiu à vontade?

Claudya: Me senti porque eu já cantava esse pessoal lá em Juiz de Fora. Já cantava bossa nova, músicas mais “modernas”.

Caio Andrade: E um repertório bem variado.

Claudya: Eu gosto de cantar, gosto de música, música bonita, coisa que atinge minha alma, meu espírito. Eu não tenho isso de “eu sou cantora de tal estilo”. A cantora “dos festivais”, ou “romântica”, ou “de samba”. Pra interpretar, é preciso que [a música] diga alguma coisa pra gente, que sinta na pele.



Caio Andrade: Tem a ver com a segunda pergunta. Você viajou Brasil e mundo, já foi até pro Japão e cantou em japonês…com essas viagens, você aprendeu outros idiomas também? Fala grego ou japonês?

Claudya: Não, isso aí eu não falo não [risos]. Nesses lugares eu não costumava cantar no idioma deles, cantava em português. Por exemplo, quando eu fui pra Grécia, fazer o festival lá com a música do Marcos e Paulo Sérgio Valle, que ganhou todos os prêmios do festival, eles não sabiam nem o que eu tava cantando, mas é o tal negócio, a música chega, toca, nem precisa ter letra. Tinha lá mais de 10 jurados, o presidente do júri era Ray Connif, ele adorou tanto a música que gravou com a orquestra dele. Queria até gravar comigo, ficou tão enlouquecido que me convidou pra gravar e eu só não gravei por causa da gravadora com a qual eu estava contratada, que era a Odeon, hoje Universal. Não chegaram a um acordo lá, porque a gravadora pediu um dinheiro e não quiseram dar, aí infelizmente eu não pude gravar. Mas eram 100.000 pessoas assistindo o festival, e me aplaudindo freneticamente, eu cantei com uma orquestra de mais de 50 músicos no palco. Quando eu fui cantar, o coração batia tão forte, eu pensava: “meu Deus, minha mãe falou que eu estudasse, e eu não ouvi, inventei de ser artista. E agora?

Caio Andrade: No seu livro disse que o pessoal nas ruas ia seguindo vocês.

Claudya: É. Depois do festival a gente saiu andando na rua até o hotel e o pessoal atrás da gente. Foi tão emocionante, eu nunca vou esquecer isso. Eles nem entendiam, perguntavam que idioma era aquele que eu estava cantando, eu explicava: “é português, não é o de Portugal, é português do Brasil!”. Por isso digo que a música tem muita força. 



Caio Andrade: Aproveitando que comentou sobre a Odeon, você disse que a gravadora deu uma brecada na sua carreira num momento que estava muito bem, sucessos e tal, então pergunto: se pudesse escolher a gravadora pra onde iria, qual seria ela e quem seriam os músicos? Com quem gostaria de trabalhar?

Claudya: Olha, a gravadora seria ela mesma, eu me manteria na Odeon. Eu fiz 3 discos lá, muito bons, com grandes músicos, mas eu precisava gravar mais, você mesmo falou que eu sou eclética, isso é bom e não é, eu precisava estabelecer um estilo, e esse estilo só se estabelece com uma continuidade, senão não dá. Depois da Odeon eu fui pra RCA com outra ideia, totalmente diferente. Eles pediram música dançante, que fosse disco, e eu não queria perder a oportunidade de gravar. Mas eu pensava: “disco? Mas eu não sou uma cantora de disco, como vai ser? Como é que eu posso dentro da música brasileira inserir esse disco?”. Aí pensei, escolhi as músicas que eu queria cantar, até compus algumas [com pseudônimos], tinham algumas bem no estilo que eu queria gravar, e deu certo o disco. Conversei com os maestros, o José Paulo Soares, um grande amigo meu, falei sobre os arranjos, dei ideias, ele comprou e abraçou. Eu queria que saísse do jeito que queria, conversava com os maestros que eu trabalhava, sugeria, e todos abraçavam minhas ideias. Eu digo isso com muito orgulho, sabe: eu trabalhei dentro dos meus discos, nas ideias deles.


Capa de "Reza, Tambor e Raça" (RCA Victor, 1977)

Mila Ramos: E continua trabalhando, né? 

Claudya: Sim. Nesse disco de agora eu uni a bossa nova com a jovem guarda, fantástico. Na época, todo mundo achava a jovem guarda menor, eu não gosto que subestimem, de repente você tem uma surpresa. O pessoal meteu o pau na jovem guarda, eu vou mostrar que a jovem guarda não é ruim, muito pelo contrário!

E da Odeon e RCA conversamos um pouco sobre o álbum “A Nossa Bossa Sempre Jovem” e o EP “Além da Jovem Guarda”. No primeiro, ela nos contou como trabalhou com o genro para que ele criasse arranjos fora do comum nas canções do álbum, e no segundo, como foi a experiência de tocar 3 faixas ao piano. No fim da entrevista ainda tivemos uma palhinha de “Dindi” com Claudya mostrando todo seu talento no instrumento.


Caio Andrade: Isso tem bastante a ver com algumas perguntas que eu ainda vou fazer, na verdade, que era: eu vejo que você é muito exigente, crítica. A Claudya é muito vaidosa? Não só pela aparência, mas com o trabalho a ser apresentado.

Claudya: Ah, sou. Sou vaidosa em tudo. Já falei pra minha filha: se eu morrer amanhã não me deixa aparecer feia! [risos] Cuida, chama um maquiador…
Mas voltando, acho que a gente tem obrigação de ser vaidosa, porque o músico é um esteta, a gente não pode fazer qualquer coisa. Eu jamais cantaria qualquer coisa, de qualquer jeito, subestimaria algum trabalho, eu faço tudo com muita garra, muito amor, muito carinho.

Claudya concordou que a música é um reflexo da essência do artista e lembrou que a entrega no palco deve ser a mesma independente do lugar: “é o seu trabalho, você tem que fazer o melhor possível”.

 


Caio Andrade: E qual trabalho seu mais gosta? E menos gosta?

Claudya: Difícil, eu gosto de todos, porque todos têm uma razão de ser, todos têm coisas bonitas. O todo sempre foi bom. Vamos tomar um cafezinho?

Nessa hora demos uma pequena pausa para tomar nosso cafezinho. Mas continuamos a conversa! Falamos sobre o festival de Niterói em 1969, Márcio Proença e Quarteto Forma, sobre como ela gostaria de tê-lo gravado, já que o admirava muito. Voltando para a entrevista…



Caio Andrade: E essa essa escolha de repertório, você que escolhia, ou vinha gente te pedir, ou diretor de gravadora que vinha…?

Claudya: Não. Tinha muita coisa que o próprio produtor trazia. E meu produtor lá no Rio era muito bom né, o Renato Corrêa, dos Golden Boys. Ele é muito bom, tinha muito bom gosto, sabia como eu tinha que cantar. Às vezes ficava chateada, ele falava pra mim: “menos, Claudya, aí não”, porque eu era muito exagerada, queria cantar tudo o que tinha direito, soltar a voz, mas ele tinha todo um jeitinho de conversar. Todos eles fizeram backing vocal pra mim, os Golden Boys e as meninas do Trio Esperança, Evinha, Marizinha e Regininha. Elas moram todas na Europa…

Mila Ramos: E você, já pensou ou pensa em sair do Brasil?

Claudya: Olha, já pensei, já saí, mas voltei. O Brasil é um país encantador, né? Eu tinha muita vontade de ir para os Estados Unidos, fui e morei lá, mas eu sou muito brasileira, sabe? Eu sou carinhosa, o pessoal lá é muito frio. Mas eu moraria na Europa, na Itália, Inglaterra…é diferente dos Estados Unidos.

Mila Ramos: E o que te fez trocar Rio por São Paulo? Qual motivação?

Claudya: Olha, eu saí do Rio muito nova, com 9 anos de idade, fui morar em Juiz de Fora, com 17 eu vim pra São Paulo, peguei todo aquele movimento da TV Record, aqueles musicais, o Fino da Bossa. Aliás, essa casa tem o nome do primeiro programa que eu fiz, o Fino da Bossa. Vocês voltaram no tempo!
Mas, depois, o que aconteceu: eu finquei raízes aqui em São Paulo. Houve uma época que tudo acontecia aqui, os programas de televisão, os shows, então fui ficando, depois me casei com o Chico Medori, Graziela nasceu aqui, é paulistana, e acabei ficando. Sei lá, São Paulo é uma cidade estranha, sabe? A princípio, você não gosta da ideia, mas depois você compra. Não falando mal do Rio, sou de lá, são minhas raízes! O Rio ainda será a cidade mais linda do mundo.



Caio Andrade: E depois do sucesso de público e crítica do musical Evita, você não pensou em continuar e se manter no tablado, trabalhar com teatro?

Claudya: Eu pensei, achei que ia ser abrir um novo horizonte. Eu fui muito bem, as pessoas iam lá assistir, choravam, os argentinos iam, e eles são exigentes, um povo politizado, e eu ficava com muito medo. Mas eles iam lá chorando: "¡Eres Evita!”, são dramáticos, né [risos]. Teve um que falou assim: "¡Eres  mejor que Evita!”, “Tu cantas muy bien”. Bicho, eles iam chorando, não acreditavam. Eu ganhei os argentinos, é um povo difícil, eles não aceitaram a Madonna!
Você sabe que quando a Madonna fez Evita no cinema eu estava em Buenos Aires porque eu fazia navio todo ano, eu cantava em navios, e a Madonna estava lá. O público vaiava, ela não conseguiu fazer com que o público a abraçasse - e eu consegui, eles iam até no camarim. Era uma coisa incrível, eu ficava a Evita quando eles me preparavam. O maquiador, inclusive, muito talentoso, hoje mora nos Estados Unidos, o Rubens. Ele fez uma maquiagem inacreditável, o cabelo bem claro, tive que clarear e quase perdi o cabelo porque era muito forte a química, o pó descolorante, fazia até calombo. Mas eu tinha que fazer, ou eu virava Evita ou não era.

Mila Ramos: E como surgiu essa escolha de Evita? Partiu de você? Foi um convite?

Claudya: Na verdade, já estavam fazendo testes lá fora. Aqui no Brasil, começaram a fazer os testes, e o Maurício Sherman, grande amigo meu e diretor da TV Globo, que gostava muito do meu trabalho, me ligou e disse: “Claudya, queria conversar com você para um convite pra fazer Evita”. Eu não sabia nem quem era Evita Perón. “Peronismo” meus pais até falavam, um sistema político argentino, mas não sabia quem era. Eu falei que não podia aceitar, porque já estava comprometida com uma amiga minha, que íamos fazer um espetáculo no Theatro Municipal, e era verdade mesmo. Eu já estava compromissada com a Mariana Natal, uma coreógrafa, e nós íamos fazer um trabalho muito bonito, sabe, música e balé. Mas de tanto ele me falar, eu fui. Me pagou a passagem, fui na dubladora de um amigo dele que comprou os direitos, Victor Berbara. Eles estavam desesperados, porque compraram os direitos da peça mas não tinham a cantora. E ninguém que fez o teste serviu, a Rosemary fez, Christiane Torloni fez, e nada. A peça era difícil. Eu já ouvi falar que os autores têm ódio de cantoras, porque eles fizeram a peça pra ninguém cantar. Tinha que ser muito boa. O Berbara pediu que eu cantasse alguma coisa pra ele ouvir, ele falou: “Olha, você me perdoe, mas eu não conheço muito do seu trabalho. Eu gostaria que você cantasse alguma coisa pra eu ouvir”. E eu cantei “People”. Quando comecei a cantar ele começou a gritar: “é você! É você! Achei a minha Evita!”. Ficou todo emocionado. Tanto fizeram que me convenceram a fazer o espetáculo. Foi um sucesso, eu não estava fazendo nada na época.

Mila Ramos: E como foi pra você receber esse papel? Você tinha alguma preparação? Alguma virada de chave?

Claudya: Eu tive que pesquisar bastante. E eu era Evita mesmo! Eu ouvia a voz dela, juro por Deus! Antes de eu entrar ela falava comigo, era impressionante: “¡ahora soy yo, vas a vencer!”. Eu nunca falei isso com ninguém antes.

Neste momento Claudya chegou a se emocionar recordando essa passagem tão marcante com Evita. Era a deixa para mais um café!

Continuando com nossa conversa, ela definiu como “extraordinária” a experiência de ser Evita e contou como até o elenco da peça se emocionava junto ao público, até atores experientes como o próprio Mauro Mendonça. Era tão forte que um senhor na plateia chegou a passar mal do coração na estreia! Já tinha se passado mais de uma hora de conversa.



Caio Andrade: Uma curiosidade: como e por que surgiu essa troca do “I” pelo “Y” no seu nome?

Claudya: Pois é, sempre me perguntam. Eu acredito muito em numerologia, acho que tudo é matemática. Então, eu estava analisando que o 3 está em tudo: Pai, Filho e Espírito Santo, Santíssima Trindade; os Apóstolos que são 12 mas se pensar, 3, 6, 9 e 12, 2+1 dá 3; na Bíblia é um número perfeito. Partindo desse princípio, achei a numerologia muito interessante, tem gente que não acredita, mas é matemática pura. Aí, até lá no Rio, um astrólogo sugeriu que eu mudasse o nome, mas eu não podia, porque já era conhecida. Aí sugeriu que eu pelo menos mudasse uma letra, que daria um valor numérico muito bom, 21, que era o número da Carmen Miranda. Olha aí, 2+1…ele falou que eu ia gravar mais, e realmente, deu certo. Isso foi no fim dos anos 1980, logo depois de Evita.

Nesse momento Claudya ficou impressionada com uma constatação nossa: o “Y” possui 3 pontas, 3 ângulos, 3 arestas, 3 linhas. “Nossa, que coisa louca, eu nunca tinha pensado nisso”, disse.

Quando perguntada sobre a sensação de dividir o palco com a própria filha, ela que não se imaginava nem mãe, e ambas terem inclusive um timbre parecido com a mesma faixa de idade, a resposta foi certeira:

"Eu nunca poderia imaginar. Já tive Graziela com 37 anos, era uma gravidez de risco na época, e nunca poderia supor que ela iria trilhar o mesmo caminho que eu e me dar tanta alegria, tenho até uma netinha linda. Trabalhar com ela e ver que ela trilhou esse caminho é tanto orgulho. Poder dividir o palco com ela é uma dádiva de Deus. Um amor de pessoa, muito simpática, não é por ser minha filha não!"

Caio Andrade: Em que lugar você acha que sua obra se encontra na memória musical brasileira? Você sente que deixa um legado?

Claudya: Eu acho que sim. Eu deixo um legado muito interessante, mas acho que é algo que as pessoas ainda vão descobrir. Coisas como usar a voz de instrumento, como eu fiz com o Altamiro Carrilho, voz e flauta, isso é muito futurista. Mas deixo um legado também de boas músicas, bons arranjos, de nunca ter desistido no que acreditei. Eu me orgulho do meu trabalho. Ele tem atravessado o tempo, você vê o “Deixa eu Dizer”, em filmes da Noruega e tudo.



Caio Andrade: Bom, para terminar, e que conselho hoje daria para a pequena Maria das Graças?

Claudya: Olha, eu daria o conselho de não ser teimosa. A Claudya é muito teimosa, sempre foi, e a Maria das Graças também. Mas, por ser teimosa, eu sou artista, né? Se eu não teimasse eu já teria desistido. Salve a teimosia, então, né?

E com essa a gente se despede! Só temos a agradecer Grazi e sua mãe por todo carinho conosco desde o primeiro contato! Foi um prazer inenarrável conhecer vocês e termos uma troca tão boa. Viva Claudya!

Fotos: Mila Ramos

Caio Andrade é graduado em História da Arte na Escola de Belas Artes (EBA/UFRJ), pós-graduando em Jornalismo Cultural (UERJ) e Assistente de Pesquisa e Comunicação no Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB) desde 2020. Grande apaixonado por samba, pesquisa sobre o gênero há mais de uma década, além de tocar em rodas e serestas no Rio de Janeiro.
Mila Ramos é fascinada por música e foi em seu trabalho com bandas cover em 2012 que encontrou uma nova paixão: o Music Business. Especializou-se em Marketing e Design Digital pela ESPM-RJ e somou seus conhecimentos ao mundo musical como Produtora Artística. Em 2017, entrou para o Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB). Lá chegou ao cargo de Coordenadora de Comunicação e, sob sua gestão, conquistaram o Prêmio Profissionais da Música 2019, e o Programa Aprendiz esteve entre os finalistas de 2021.



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