Entrevista

Entrevista exclusiva: Andréa, filha de Dora Lopes, conversa com o IMMuB sobre memória musical da mãe

por Caio Andrade

quarta, 23 de março de 2022

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Em 2022, a cantora, compositora e também pandeirista Dora Lopes completa seu centenário. Nascida em 2 de novembro de 1922, só foi registrada dia 6 do mesmo mês. Carioca da gema (mas com uma grande paixão também por São Paulo), foi uma figura de destaque da Era do Rádio a partir dos anos 1950 e dona de sucessos como Samba da Madrugada e a marcha Pó-de-Mico. Uma das primeiras artistas assumidamente homossexuais da MPB, faleceu na véspera do Natal de 1983, deixando diversos sambas produzidos e 4 LPs gravados. O último disco, Esta É Minha Filosofia, lançado em 1976 pela Tapecar, chegou recentemente aos streamings, revivendo a obra da sambista para as gerações posteriores.

Em uma entrevista exclusiva, Andréa Lopes, sua filha, conta um pouco ao IMMuB sobre a vida e obra dessa artista "anos-luz a nossa frente", como ela mesmo a descreve.

 Dora Lopes (à esquerda) / Andréa Lopes (à direita)

Leia logo abaixo e confira! 

IMMuB: Qual a primeira memória que você tem da carreira de sua mãe?

Andréa: A minha primeira memória é de que a nossa vida era difícil, mas ela fazia de tudo para que parecesse fácil. Ela era uma pessoa muito otimista. Quando eu comecei a ter mais consciência da carreira dela eu percebi que ela não recebia dos outros o valor que merecia.


IMMuB: Quando/Como percebeu pela primeira vez que ela era uma grande artista da nossa música?

Andréa: Eu sempre soube que ela era uma grande artista, isso era inegável. Eu participava indiretamente das rodas de samba em casa, de onde saíram muitas composições dela e parcerias. Para mim era tudo muito normal, era o que ela sabia fazer e fazia muito bem.

Dora Lopes no aniversário de 5 anos da filha Andréa.

IMMuB: Você nos enviou uma foto do seu aniversário de 5 anos com sua mãe. Sobre suas lembranças da Dora Lopes no dia a dia, o que gostavam de fazer juntas e do que sente mais falta?

Andréa: Essa foto do meu aniversário foi em 1968, na boate dela, eu completava 5 anos. Eu e mamãe íamos muito à praia, ela também cozinhava muito bem! Em casa as panelas eram enormes, porque ela chamava todos os amigos da música e tudo acabava em samba. Sinto falta do colo de mãe. Sabe quando você quer um porto seguro e não tem mais? Foi isso que eu senti quando perdi minha mãe. Pode acreditar, onde mamãe estava, era festa na certa!


IMMuB: Em uma entrevista, Dora disse que era muito amiga de Dolores Duran. Você se recorda de outros artistas próximos a ela dos quais chegou a conhecer?

Andréa: Sim, me recordo de alguns, como Cauby PeixotoAlcione, Agnaldo Timóteo, Célia, Noite Ilustrada, Angela Maria, Emilinha Borba (era concunhada de mamãe).

Dora Lopes e Dolores Duran.

IMMuB: Você chegou a participar de algum processo criativo com a sua mãe, seja compondo alguma música ou viajando em um show?

Andréa: Eu sempre estava participando do processo criativo dela, mesmo que indiretamente. Acompanhei mamãe na maioria de suas apresentações, muitas em clubes no interior e churrascarias.


IMMuB: Apesar de popular, com alguns sucessos lançados, você sente que Dora Lopes foi esquecida ou pouco valorizada pela memória musical brasileira?

Andréa: Com certeza! Foi pouquíssimo valorizada, considerando toda a obra dela. Só no IMMuB, o acervo musical dela é de mais de 300 músicas! Quando ela faleceu, em 1983, eu fiquei sem chão. Na época já não ligavam tanto para o trabalho dela. Parecia que toda aquela riqueza musical se calou, muito porque ninguém lhe deu seu devido valor. Fiquei muito triste, mas dentro de mim eu tinha respeito pela profissão dela e, principalmente, pela pessoa que ela era. Então segui minha vida, sempre acompanhando tudo sobre ela nas mídias. Um dia li: "Testamento da cantora carioca Dora Lopes é reaberto depois de 43 anos", fiquei muito feliz! E parece que começou um movimento bacana, as pessoas começaram a ouvir a música dela novamente. O nome dela parecia estar sendo lembrado de uma nova forma. Vi como ela foi importante pra nossa música.


IMMuB: Existem poucas informações sobre os últimos anos de Dora Lopes, a partir do fim dos anos 1970 e início dos anos 1980. Você lembra como foram, onde ela morava, como ela estava?

Andréa: Em 1970 eu tinha só 7 anos. Lembro que morávamos na Praia de Botafogo, num edifício que se chamava Maragato. Depois de alguns anos viemos pra São Paulo e o trabalho pra ela ficou cada vez mais difícil. Foram tempos complicados e ela não estava nada bem.

Almoço em família com a mãe de Dora Lopes, Dona Ignacia, cozinheira de mão cheia.

IMMuB: Se você tivesse que definir sua mãe em uma frase, para apresentá-la a quem não a conhece, o que você diria?

Andréa: Essa é minha mãe, anos-luz a nossa frente!


IMMuB: Qual principal legado de Dora Lopes?

Andréa: Seu legado é de inspiração para todas as mulheres. Ela era visionária, corajosa, batalhadora, com um coração enorme e uma generosidade impressionante! Ela me ajudou a ser melhor. Obrigada, te amo mãe!


Em conversa após a entrevista, Andréa complementou sentir profunda gratidão por sua adoção feita com muito amor pela mãe, Dora Lopes, em 1963. Além de Andréa como sua filha, também ficam 2 netas: a atriz Mayara Lopes Constantino (35) e a engenheira ambiental Beatriz Lopes (29). Ambas apaixonadas por uma avó que não conheceram, mas respeitam e admiram a trajetória de vida. O respeito por Dorinha é tudo que Andréa ensinou para suas filhas, elas são desprovidas de qualquer preconceito. Lindo isso!

Nós da equipe IMMuB agradecemos o carinho.



Imagens gentilmente cedidas do acervo de Andréa Lopes.



Caio Andrade é graduando de História da Arte na Escola de Belas Artes (EBA/UFRJ) e Assistente de Pesquisa e Comunicação no Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB)Grande apaixonado por samba, pesquisa sobre o gênero há mais de uma década, além de tocar em rodas e serestas no Rio de Janeiro.

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