Um papo com o Cazes

Disco é Cultura: um tempo de incentivos fiscais para a indústria fonográfica

sexta, 21 de agosto de 2020

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Nesse momento em que se discute a criação de novos impostos que incidirão sobre bens e serviços de natureza cultural, é importante refletirmos sobre a sensibilidade dessa área no campo tributário. 

Ao ser criado em dezembro de 1965, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias prometia ser um tributo mais justo, por ser não cumulativo. Funcionava assim: o valor pago na compra de insumos para o processo industrial de um produto, era deduzido no imposto da etapa seguinte. Para a indústria fonográfica havia um problema específico. A matéria prima industrial, o vinil dos discos e o papelão das capas, não representava um percentual significativo nos custos do produto fonográfico. A maior parte desses custos vinha da gravação, com pagamento de cachês, direitos artísticos, autorais e conexos. Esse era um dos problemas a serem enfrentados pela recém-criada Associação Brasileira dos Produtores de Disco (ABPD), que logo iniciou uma campanha para diminuir o pagamento de imposto das gravadoras. O aspecto visível dessa campanha passou a estampar a contracapa dos discos, era o slogan "Disco é Cultura"

O objetivo foi alcançado algum tempo depois, em dezembro de 1968. Dias após ter chancelado o famigerado AI-5, o presidente Costa e Silva assinou o Decreto Lei nº 406, que tratava de incentivos fiscais relacionados a isenção de ICM. No artigo 3º, parágrafo 4º constava assim a isenção fiscal: 

As empresas produtoras de discos fonográficos e de outros materiais de gravação de som poderão abater do montante de imposto sobre circulação de mercadorias, o valor dos direitos autorais, artísticos e conexos, comprovadamente pagos pela empresa, no mesmo período aos autores e  artistas, nacionais ou domiciliados no país, assim como dos seus herdeiros e sucessores, mesmo através de entidades que os representem

(Fonte: <http://www2.camara.leg.br/legin/declei/1960-1969/decreto-lei-406-31-dezembro-1968-376809-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em julho de 2020)

A medida foi transformada na Lei Complementar nº4 no ano seguinte, quando o Congresso Nacional reabriu, com redação idêntica. Tratava-se de um incentivo prático, que fez com que as empresas lançassem mais artistas novos, investindo na produção dessas gravações pois o "prejuízo" virava crédito de ICM. O impacto foi positivo e hoje é possível avaliar que o mecanismo de incentivo fiscal foi um dos fatores que fez da década de 1970 um período de aperfeiçoamento técnico nas gravações, maior experimentação no estúdio, revelação de novos talentos e expansão de mercado. Por outro lado, gerou uma concentração de poder na mão das grandes empresas do setor, que teve como reação o movimento do disco independente. De tão identificado com esse poder então monolítico das gravadoras, o slogan foi acrescido de um ponto de interrogação na contracapa do anárquico LP independente do "Conjunto Coisas Nossas" de 1980: Disco é Cultura?

O mecanismo de crédito do ICM perdurou até a adoção da nova constituição e, embora esta fosse promulgada em 1988, em plena troca de tecnologia do LP para o CD, num momento em que a indústria estava investindo alto, não me lembro de grandes mobilizações pela continuação do incentivo.

Penso que numa hora como essa, em que o poder público sabota a indústria do audiovisual e ameaça taxar livros, devemos estar atentos para entender o que pode ajudar e o que é só figuração. Vocês se lembram quando quiseram combater a pirataria numerando os CDs? Pois é, só serviu para promover alguns artistas. Fiquem de olho!

Foto: Tyler Nix on Unsplash

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