De 'Chão de Estrelas' à turnê
Capítulo 4 da série especial 110 anos de SILVIO CALDAS
Na saída da Câmara, depois de um dia de trabalho, o poeta Orestes Barbosa se encontra, casualmente, com o parceiro Nássara e apresenta-lhe alguma uma escrita a lápis, em papel timbrado do legislativo. Na calçada da Cinelândia, o caricaturista põe os olhos, pela primeira vez, na obra-prima do amigo. Ali estava o que viria a ser uma das jóias da música romântica brasileira.
Na primeira estrofe, autobiografada, acha-se o estado de espírito do poeta, seu desapontamento com a vida de autor de canções. Da segunda em diante, há a descrição de uma cena no Morro do Salgueiro: dentro do barracão, um seresteiro canta as saudades da mulher que levou com ela a inspiração. Antônio Nássara sente a força poética e se interessa, imediatamente, pelo destino dos versos:
– Pra quem é que você vai dar isso?
Orestes Barbosa responde com uma expressão tipicamente sua, perfeita para o cenário da praça:
– Vou dar milho aos pombos!
Quando tem novas produções, o poeta distribui entre os colaboradores de fé, mas aquela, em especial, destina-se a Silvio Caldas, a quem encontra no Café Nice. Na Galeria Cruzeiro, Orestes tira do bolso a letra que entrega ao amigo. Junto com algumas explicações técnicas:
– Isso aqui é decassílabo. Não é pra ser musicado, porque o povo não canta decassílabo.
O poeta considera difícil a missão de transformá-lo em canção de sabor popular. Sabia que seu amigo mulatinho era muito teimoso! Temia não conseguir musicá-lo e depois o povo não cantar. Consciente do desafio, Silvio Caldas aprende primeiro a declamar o poema. Depois, compõe uma valsa. De melodia simples, próxima da melodia dos próprios versos. Uma música a serviço da poesia. Numa viagem a São Paulo, apresenta, com o violão apertado contra o peito, a canção a Guilherme de Almeida. E o poeta recorda o impacto dos versos:
De repente, uma forte imagem salta, vivíssima de cor local, novidade e autenticidade. Descreve a letra um fotográfico flagrante de favela: a roupa lavada, no varal, como que a... transfigurar o morro num navio embandeirado em arco: "festa dos nossos trapos coloridos/ a mostrar que nos morros mal-vestidos/ é sempre feriado nacional" ... A Agressiva beleza da "invenção arrepia-me: passando a mão pelo rosto tenho a impressão de que eu não havia feito a barba. (Essa "prova da barba" para mim é decisiva). (Silvio Caldas, depoimento, 18/09/1992)
De novo com a mão na barba, o modernista indaga pelo título da canção. Como de hábito, Orestes Barbosa deixou o batismo por conta do parceiro. E, para o cantor, ela se chama "Sonoridade que acabou":
– Silvio Caldas, está errado. O nome desta canção deve ser "CHÃO DE ESTRELAS". (Silvio Caldas, depoimento, 18/09/1992)
"Chão de Estrelas", com versos de Orestes Barbosa, música de Silvio Caldas e título de Guilherme de Almeida, vai para o disco somente em 18 de março de 1937. E seu sucesso demora ainda mais. Silvio Caldas disse em depoimento, no ano de 1993, que no primeiro trimestre vendeu só oitenta discos, depois é que estourou!
Em fins de 1935, Orestes Barbosa cumpre a promessa e abandona a música. Precisamente quando Silvio Caldas parte em turnê por Portugal e Espanha com a Companhia Jardel Jércolis.
Trechos deste texto foram extraídos do livro "Orestes Barbosa - Repórter, Cronista e Poeta", por Carlos Didier
Capítulo 1 - Silvio Caldas, o Caboclinho Querido!
Capítulo 2 - Silvio e Orestes no Café Nice
Capítulo 3 - O melhor da parceria entre Silvio Caldas e Orestes Barbosa
Capítulo 4 - De 'Chão de Estrelas' à turnê (lendo agora)
Capítulo 5 - Músicas Imortais (em breve)
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