Música

‘Com que roupa eu vou?’ - eis a questão apresentada por Noel há 90 anos

sábado, 12 de dezembro de 2020

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Dezembro é um mês de comemoração dupla para quem é fã de Noel Rosa. Primeiro, porque no dia 11 deste mês o cantor e compositor de Vila Isabel teria completado 110 anos se estivesse vivo. Além disso, é também em dezembro que celebramos a primeira gravação da música “Com que roupa?”, seu primeiro e grande sucesso, que em 2020 está completando 90 anos. 

Considerada até hoje uma das grandes obras de Noel e de toda a música popular brasileira, o delicioso samba “Com que roupa?” foi gravada pelo próprio compositor na Parlophone em dezembro de 1930. Na época, ele era apenas um rapaz de 20 anos, boêmio e cativante, que começava a dar seus primeiros passos na música. 


Um ano antes, em 1929, ele havia formado o conjunto Bando de Tangarás ao lado dos amigos Almirante, Braguinha, Alvinho, Henrique Brito e Henrique Domingos.

No final de 1930, depois de ter experimentado relativo sucesso com o grupo, apresentando-se em rádios, cinemas e teatros e com algumas canções gravadas, Noel já estava pronto para dar início à carreira solo, que começou justamente com a gravação de “Com que roupa?”, que não demorou a ganhar notoriedade e logo tornou o nome do “Poeta da Vila” conhecido. 

Não foi à toa. A música, que até hoje faz parte do imaginário coletivo nacional, já possui os principais elementos que marcariam toda a obra subsequente de Noel: o bom humor, a melodia brejeira, a letra crítica e irônica, com um tom de modernidade pouco comum àquela época. 

Foto: Reprodução/Instituto Moreira Salles

Origens da canção 

As biografias de Noel Rosa apontam diversas possíveis motivações para a composição de “Com que roupa?”, em parte por causa de depoimentos conflitivos dados pelo próprio compositor ao longo dos anos. Para além de motivações pessoais (quem sabe Noel estava realmente às voltas com seu próprio guarda-roupa na época?), a mais provável é mesmo o retrato do Brasil daquele momento. Um Brasil às vésperas da Revolução de 1930, que levaria Getúlio Vargas ao poder. Um Brasil pobre, maltrapilho, que não tinha roupa pra vestir. 

Some-se a isso o fato de que “com que roupa?”, naquela época, era uma gíria comum no Rio de Janeiro, que significava “com que dinheiro?”.

Charge inspirada na letra de "Com que roupa?", de autor desconhecido (Reprodução)

O que mais chama a atenção dos ouvintes e pesquisadores nessa música, no entanto, não é a crítica social em si, mas como ela é construída. Um casamento perfeito entre a melodia cativante e a letra com rimas até hoje pouco comuns em música popular, sempre com uma ironia cortante. 

As imagens evocadas por Noel (“pulando como um sapo”, “praga de urubu”, “meu terno já virou estopa”) fazem lembrar uma charge humorística, dessas capazes de arrancar riso e fazer graça na mesma medida em que descobrem situações absurdas. No caso de Noel, o cenário descoberto era a pobreza do país. 

O uso desse tipo de humor, tão próprio da cultura popular brasileira, é talvez o que mais tenha feito a música cair nas graças do público, que elevou “Com que roupa?” a um dos sucessos do carnaval de 1931, além de ter virado mote de charges, anúncios e propagandas. Tornou-se, por assim dizer, uma espécie de “meme” daquele período. 

Capa da partitura de "Com que roupa?" (Reprodução)

Algumas regravações

90 anos depois, o primeiro grande samba de Noel é ainda atual, tanto pela crítica que traz em si quanto pela própria modernidade da canção. Prova disso são as muitas regravações que ela ganha até hoje. 

Uma das versões mais conhecidas é a de Gilberto Gil, que a gravou em 1991 no Songbook de Noel Rosa e que, anos depois, fez parte da trilha sonora da novela “Celebridade”. Pouco tempo depois, em 1997, Zeca Pagodinho e Caetano Veloso apresentaram juntos a canção no projeto “Casa de Samba 2”, sob a regência de Rildo Hora


Ainda na seara dos duetos, uma das versões mais antológicas é a que Elza Soares e Miltinho fizeram no disco “Elza, Miltinho e Samba” (1967) em uma gravação deliciosa cheia de suingue e improvisos, numa espécie de batalha entre os dois e unida a um medley com “Se você jurar”, de Ismael Silva e Nilton Bastos


Isso sem contar dezenas de outros registros, como os de Joyce, Aracy de Almeida, Nelson Gonçalves, Dóris Monteiro, Zé Renato e Zizi Possi.

Afinal, que roupa Noel escolheu para ir ao tal samba ninguém nunca descobriu -  e ele nunca revelou. O que se sabe é que depois do sucesso dessa música ele se tornou um nome mais popular e passou a compor de forma sistemática. Logo em seguida, ele brindaria o público com novas composições, como “Cordiais saudações”, “Quem dá mais?” e “Gago apaixonado”. 

E o resto é História. 

Texto por: Tito Guedes 

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