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Cidade Maravilhosa: a saga da marchinha que virou hino

TEMA DO MÊS de FEVEREIRO!

quinta, 13 de fevereiro de 2020

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Quem hoje canta os imortais versos de Cidade Maravilhosa talvez não saiba que ela seja, muito mais do que uma marchinha indispensável nos blocos de Carnaval, o hino oficial do Rio de Janeiro. E que há mais histórias por trás dela do que podemos imaginar ou comprovar.

Composta por André Filho na primeira metade dos anos 1930, a canção retrata o contexto histórico daquele período da vida carioca. O Rio de Janeiro de então dava seus primeiros passos no chamado “progresso”, obcecado com a ideia de ser moderno em todos os sentidos: cultural, artístico, paisagístico e arquitetônico. A inauguração do Cristo Redentor (em 1931) e a revitalização de diversos trechos da cidade impressionavam turistas e moradores, que tinham a sensação de que o Rio parecia cada vez mais belo e mais parecido com Paris. Essa euforia diante das novidades e o arrebatamento que a terra de São Sebastião causava são a tônica por trás da letra de Cidade Maravilhosa, cujo título acabou popularizando de vez uma expressão cunhada anos antes pelo escritor Coelho Neto, que assim se referiu ao Rio de Janeiro em um de seus livros. 

Cidade maravilhosa
Cheia de encantos mil
Cidade maravilhosa, coração do meu Brasil!

A marchinha foi lançada em outubro de 1934, em gravação do próprio André Filho com Aurora Miranda (irmã de Carmen Miranda), então com 19 anos, mas já uma estrela do rádio. A música não chamou atenção de imediato e só foi fazer sucesso mesmo no carnaval do ano seguinte.


A trajetória posterior dessa marchinha é cheia de polêmicas, reviravoltas e até mistérios ainda não solucionados. Há quem diga, por exemplo, que o verdadeiro autor de Cidade Maravilhosa foi, na realidade, Noel Rosa! Quem disse isso foi o próprio irmão de Noel, Hélio Rosa, ao biógrafo Jacy Pacheco, mas a informação nunca pôde ser comprovada. 

Em 1960, com a transferência da capital federal para Brasília e a criação do Estado da Guanabara, Cidade Maravilhosa se tornou a “marcha oficial da Cidade do Rio de Janeiro”, através da Lei nº 5, proposta pelo vereador Salles Neto e promulgada em maio pelo governador Carlos Lacerda. 

Estava assim inaugurada uma Era de disputas e discussões em torno da música de André Filho. A primeira polêmica diz respeito ao seu status, isto é, ela era “marcha oficial” ou “hino" do Rio de Janeiro? Bem, o texto de Salles Neto falava em “marcha oficial”, mas isso não impediu, por exemplo, que o Jornal do Brasil assim noticiasse o fato, em abril de 1960: “Cidade Maravilhosa é agora hino oficial da Guanabara”. De fato, parte da imprensa e a maioria da população não fez distinção entre os termos. Cidade Maravilhosa era hino e não se falava mais nisso! 

Para além deste pequeno imbróglio semântico-legislativo, não foram poucas nem discretas as tentativas de destituir a marchinha de seu posto soberano. Mas ela sempre resistiu bravamente - e com apoio popular, diga-se de passagem! 

Em 1962, por exemplo, a deputada Lygia Lessa Bastos liderou um movimento contrário à composição de André Filho, alegando que ela não refletia, “na tradição, o sentimento patriótico da gente carioca” e que o Rio merecia um hino que tivesse “as características técnico-musicais peculiares e inconfundíveis do gênero”. Em 1967, o deputado Frederico Trotta foi mais longe e apresentou um Projeto de Lei sugerindo à Assembleia Legislativa a criação de um concurso para escolha de um novo hino. Como justificativa, ele argumentava que Cidade Maravilhosa era “alegre, balanceante, carnavalesca e irreverente” demais para ser tocada em encontros oficiais, que pediam uma música mais solene e imponente.

De fato, Cidade Maravilhosa sempre fez as autoridades escorregarem no limite entre festividade e solenidade, algo muito revelador do espírito carioca. Em março de 1960, cerca de dois meses antes da elevação da música ao título de “marcha oficial”, o Jornal do Brasil noticiou que a Câmara Municipal do Rio havia inaugurado uma sessão legislativa ao som de Cidade Maravilhosa, executada pela Banda da Polícia Municipal. Dizia um trecho da matéria, não sem uma certa ironia velada: “Alguns Vereadores, aos primeiros acordes da alegre canção predileta dos foliões cariocas, puseram-se de pé, com a circunspecção devida aos hinos cívicos, mas foram discretamente alertados por alguns colegas da inoportunidade do gesto”.

Lendo hoje, parece uma premonição da movimentada trajetória política de Cidade Maravilhosa. Afinal, ao longo dos anos 1960 e 1970, houve muitas outras tentativas de derrubá-la, mas ela permaneceu invencível. Em 2003, a música finalmente foi dada como hino oficial, através da Lei nº 3.611, encerrando mais de quarenta anos de polêmica. Hoje, é uma senhora marchinha, de ar ainda muito jovem, e com uma carreira política talvez inédita no Brasil: ao longo desses anos todos, transitou de igual maneira entre os foliões mais populares dos carnavais de rua e os mais nobres políticos dos salões oficiais. 


Texto por: Tito Guedes 

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