Música

BADEN POWELL: Da Bahia à França com naturalidade

quarta, 26 de setembro de 2018

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"O grande talento de Baden Powell sempre foi suficiente para abrigar quantos parceiros aparecessem. Com Geraldo Vandré, pesquisador de temas nordestinos, fez 'Rosa flor' e 'Se a tristeza chegar'; com Paulo César Pinheiro, um dos mais versáteis letristas e parceiro de quase uma geração da música popular brasileira, Baden fez 'Lapinha', 'Violão vadio', 'Samba do perdão'. Mas a grande parceria surgiu em 1962, com Vinicius de Moraes: além de notável contribuição durante a bossa nova, a dupla é responsável pelos afro-sambas ('Canto de Ossanha', 'Berimbau')."

Baden Powell de Aquino nasceu em Varre-e-sai, RJ, a 6 de agosto de 1937. Logo após, a família mudou-se para o bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Baden tem este nome porque seu pai, o violinista Lino de Aquino, quis homenagear o general inglês Robert Baden Powell (1857-1941), fundador do escotismo.

O menino logo tomou gosto pela música e, já aos oito anos, começou a estudar violão clássico com Meira (Jaime Florence), violonista do Regional de Canhoto. Entre as principais influências que recebeu, além da de Meira, estão a de Dilermando Reis e a de Garoto. Aos treze anos, já premiado como solista no programa de Renato Murce na Rádio Nacional, Baden começou a tocar em bailes e festinhas. Ganhando algum dinheiro.

Durante o ginásio, no Instituto Cylleno, em São Januário, costumava dar umas escapadas até a Mangueira, onde tocava seu violão acompanhado pelo batuque da molecada do morro. Terminado o ginásio, começou a trabalhar na Rádio Nacional e a excursionar pelo interior. Era o início de uma série de viagens que se estenderiam pelo mundo afora.

Em 1955, Baden passou a trabalhar com o jazzista Ed Lincoln no bar Plaza, de Copacabana. Ali costumava se reunir um grupo de jovens que constituiria um dos núcleos da bossa nova. Entre eles, Antônio Carlos Jobim.

O primeiro sucesso de Baden Powell – "Samba triste", com letra de Billy Blanco – data do ano seguinte e, quando a bossa nova chegou ao auge, essa composição estourava em discos e festivais. Na mesma época, Baden compôs sozinho "Deve ser amor", "Encontro com a saudade" e "Não é bem assim".

Em 1962, acompanhava Sylvinha Telles num show da boate Jirau e, certa madrugada, ela apresentou-lhe três grandes nomes da bossa nova: João Gilberto, Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Dali nasceu a parceria Baden-Vinicius, responsável por mais de cinquenta músicas. Dias após o primeiro encontro, surgia "Canção de ninar meu bem". Baden mudou-se para a casa de Vinicius e produziram uma safra inicial regada a uísque e de extrema qualidade: "Samba em prelúdio", "Labareda", "Astronauta", "Só por amor" e "Bom dia, amigos", entre outras. 

Ainda em 1962, Baden foi a Paris, com o violão e pouco mais de 430 dólares. No famoso Teatro Olympia tocou Ravel – para um público ansioso de batuques exóticos. Após a surpresa (“No Brasil se conhece Ravel?! Bach?!”), ele partiu para o divertimento, desencadeando seu samba cheio de balanço: Consolação, Amei tanto, Deixa. Sob aplausos, ele se entusiasmava, rendia cada vez mais. Voltou ao palco sete vezes. Virou comentário obrigatório. Assim, ficou por dois anos na França, estabelecido na boate Bilboquet. Mas a saudade apertou e ele descobriu que não conseguia compor longe de sua terra. Isso ficou claro quando fez a trilha sonora do filme francês Le grabuge: precisava estar indo e vindo.  

Em 1964, de volta ao Brasil, passou seis meses na Bahia, conhecendo os rituais dos terreiros e escutando o som dos berimbaus. E ouviu de Canjiquinha, mestre capoeirista, a história de Besouro de Ouro: famoso capoeirista da Bahia, no começo do século, defendia os negros e os fracos perseguidos pelos capitães-do-mato. Foi traído e morto. Segundo a lenda, seu espírito passou a vagar e a interferir no comportamento dos capoeiristas. Para apaziguá-lo, era preciso cantar a música do Besouro: “Quando eu morrê/ Me enterre na Lapinha, /Calça, culote, paletó almofadinha”.

Com todos aqueles sons ecoando em sua cabeça, Baden voltou para o Rio e, junto a Vinicius e novas doses de uísque, compôs: Canto do Caboclo Pedra Preta, Lamento de Exu, Canto de Iemanjá, Canto de Ossanha, Tristeza e solidão, Canto de Xangô. Todas impregnadas do negro mistério da Bahia. Da África. Eram os afro-sambas, que foram depois gravados pela Forma, acrescentando-se Berimbau e Samba da bênção.

Nas cordas do seu violão, Baden expressa o exotismo sedutor dos ritos primitivos, canta a alegria do ritmo tropical, tange o equilíbrio de melodias lineares e cria estilizações sobre material folclórico. Ele pode alçar voos jazzísticos, sugerir efeitos de cítaras, de balalaicas, da voz humana. Finalmente, a partir do som de sua terra, consegue criar figuras rítmicas inexistentes em qualquer outra música popular. Tudo dentro da mais perfeita técnica instrumental. Por isso – e com justiça – é chamado de “Baden de todos os violões”.

Em 1965, conheceu Paulo César Pinheiro. Embora ainda com dezesseis anos, Paulo César já tinha um sucesso, Viagem, feita em parceria de João de Aquino. Mas Baden se entusiasmou foi com Canto Livre da Terra, outra música de Paulo César com João de Aquino. Daí para outra parceria foi um passo. Novo isolamento e nova safra da maior qualidade. Baden e Paulo César trabalharam furiosamente e disso resultou: Cancioneiro, Samba do perdão, Meu réquiem, É de lei, Refém da solidão, Violão vadio, Aviso aos navegantes, Carta de poeta e Sagarana (esta última com letra em “estilo Guimarães Rosa).

Em 1968, Baden lhe mostrou o refrão que aprendera com o mestre capoeirista Canjiquinha. Resultado: Lapinha, a vencedora da I Bienal do Samba em São Paulo (1968).

Baden continuou sua vida seminômade, gravando aqui e na Europa. Em 67, recebeu o Disco de Ouro oferecido pela crítica parisiense por seu LP do ano anterior Mundo musical de Baden Powell. Em resposta fez o Mundo n.° 2, acompanhado pela Orquestra Sinfônica de Paris. E no Brasil ainda se podia ouvir Baden à vontade: Um Violão na Madrugada e Tempo Feliz, dentre os vários LPs gravados por ele. Nesse mesmo ano participou do Festival de Jazz em Berlim.

1968: Baden resolveu dar uma parada e se recuperar de tanto trabalho e de tanta agitação pela noite adentro. De tanto uísque. E recolheu-se à Clínica São Vicente, no Rio. No quarto ao lado o velho parceiro Vinicius de Moraes, também em recesso.

Em 1969, concorreu ao IV FIC (Festival Internacional da Canção), da TV Globo, com Sermão (letra de Paulo César Pinheiro), e em 71 gravou o LP É de Lei, pela Philips, onde incluiu Violão vadio (também em parceria com Paulo César Pinheiro). Desde então, radicou-se na França, recordista entre os músicos exportados pela bossa nova, com mais de trinta discos gravados só na Alemanha e com contrato assinado em vários países, da França ao Japão.

Baden cresceu ouvindo os chorões, depois descobriu na Bahia a malícia da música de capoeira. Talento e simplicidade já eram inatos: do mesmo jeito que se reunia para tocar num botequim, ele dá um recital na sala da Filarmônica de Berlim ou dialoga com a cantora lírica Maria D’Aparecida nas seletas e elegantes salas de Paris.


Fonte: História da Música Popular Brasileira, LP “Baden Powell e a Bossa Nova”.

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