Colunista Convidado

As várias faces do ódio no dialético 'Petróleo', de Paula Mirhan

sexta, 10 de julho de 2020

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Em plena era de discussão a respeito do ódio como sentimento e ação política disseminada pelas redes sociais, a cantora e compositora Paula Mirhan traz novos argumentos e pontos de vista sobre o assunto em seu disco solo, “Petróleo” (Independente). ”Concordo com Christian Dunker, psicanalista e professor titular da Universidade de São Paulo, quando diz que a sociedade sem ódio é um ideal que pode ser extremamente mutilador, porque o ódio, como todos os afetos, é parte do humano”, lanceta Paula no texto de apresentação de seu álbum. Musicalmente provocador e vanguardista, com apenas dez faixas, (quatro delas de autoria ou parcerias da solista) “Petróleo” instiga a partir do título. “O nome do óleo viscoso e escuro é metáfora para esse afeto que fica fermentando debaixo de muitas camadas, bem profundamente, por muito tempo e que, quando vem à tona, é explosivo e combustível”, segue a narrativa da cantautora.

Foto:  Cacá Bernardes

Nascida na cidade pantaneira de Corumbá, Mato Grosso do Sul, Paula iniciou sua trajetória nos festivais estudantis da canção locais, na década de 90. Mudou-se para São Paulo aos 18 anos, em 2001, formou-se em Artes Cênicas na Unicamp, e Canto Popular no Centro de Estudos Musicais Tom Jobim. Conciliou as carreiras de atriz e cantora, e participou de onze espetáculos adultos e quatro infantis. Na área teatral, foi uma das fundadoras da companhia Les Commediens Tropicales, menos devotada a personagens que a performances. Em disco, estreou em 2005, ao lado do compositor e preparador vocal Wagner Barbosa, no duplo “Amanhecer” e “Amanhecer ao vivo”. Em 2011, lançou “Café da tarde”, com Demétrius Lulo. Integrou a paulistana Filarmônica de Pasárgada, participando dos títulos, “O hábito da força” (2013), “Rádio lixão” (2014), “Tribunal do Feicibuqui” (2015), ao lado de Tom Zé, e  “Algorritmos” (2016). Atuou também na Orquestra Mundana Refugi, em álbuns lançados em 2017 e 2019. É professora de expressão vocal e canto.

Em “Petróleo”, essa maestria canora é exercitada a cada faixa, escudada por orquestrações minimalistas e compactas de alto impacto, como a inicial “Meu testamento” (Bruno Batista/ Paulo Monarco). Emissão trabalhada pela eletrônica, ela escala uma muralha instrumental para fustigar: “meu ódio é linha de frente/ pipoco, balaço, terror/ criado contra a corrente/ um copo cheio de amor”. Eivada de breques e cantos falados, “Refluxo”, corrosiva parceria de Paula e o líder da Orquestra Pasárgada, Marcelo Segreto, regurgita: “panela, prato, esôfago, estomago, esôfago, boca/ e eu digo com voz rouca/ querido papelote de cocaína que eu engoli/pra poder pagar os ‘boleto’, você voltou!”. De autoria solitária da solista, “Chororô” esgueira-se entre dissonâncias e desata: “carrego um aperto no peito/ que bate doído e sufoca”.

“Petróleo” foi produzido pela própria Paula e o baixista (acústico e elétrico) do disco, Rui Barossi, também responsável pelos densos arranjos, com a solista e mais André Bordinhon (guitarra e violão). Sérgio Abdalla fornece a munição eletrônica do petardo, cuja faixa título, entre dedilhados recorrentes, escande: “Pétreo oleo/ pútrido ódio submerso/ que aparecerá nas entranhas do mundo/ por entre as fissuras da civilização”. Só há uma faixa conhecida, uma regravação cálida de “Preciso aprender a só ser” (1974), réplica de Gilberto Gil ao clássico romântico da bossa nova, “Preciso aprender a ser só” (1965), da dupla de irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle. Dialética, por sinal, não falta ao conceitual manifesto de Paula Mirhan, como na definidora e gingante “O ódio meu amor”, de Chico César e Chico Salém: “Quem das brasas da dor não provou desse gole indigesto/ capitão das vinganças, herói dos conflitos/ cria do incesto entre o dito e o não dito”.

Tárik de Souza


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