Amigo ao Peito

As Histórias de João Pedro Borges

segunda, 25 de fevereiro de 2019

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Já começo com João contando:

Herminio (Bello de Carvalho) me  levou para conhecer Cartola, já debilitado. E eu ali, embevecido com a figura, a figura mais humilde que já conheci. Pediu que eu tocasse, peguei o violão e toquei o “Choro da Saudade”, de Agustin Barrios. Ele, muito interessado, pediu: você não se ofende de tocar de novo?

– Claro que não! 

E toquei de novo. Ele ouviu, muito atento, e ao terminar:

– Você não vai me chamar de chato se eu pedir para tocar mais uma vez?

Claro que não fiquei, um pedido de Cartola não se recusa. Toquei, e ele:

– Rapaz, tem certas músicas que ouço e que imediatamente me fazem chover ideia na cabeça. Desde a introdução essa daí já me fez pensar num monte de coisas!

Pegou o violão e esboçou umas coisinhas ali na minha frente. 

Ali eu entendi a arte da influência; quando se vai compor algo sempre se preocupa se, por caso, não vai estar plagiando alguém. Paulinho da Viola se preocupava demais com isso, chegava a checar com o pai para ver se suas músicas lembravam alguma anterior. E Cartola era o oposto: me mostrou obras primas que criou baseado no que tinha ouvido – mas sem copiar de ninguém! Zero plágio, eram músicas diferentes, mas despertavam emoções que o faziam produzir algo distinto – mas influenciado. 

João Pedro Borges é um maranhense que, quando radicado no Rio de Janeiro, participou das mais diversas manifestações artísticas na cidade. Havia semanas em que estava em cartaz em 3 palcos diferentes! Tocava com Turibio Santos, Paulinho da Viola, na Camerata Carioca do grande Radamés Gnatalli...  Transitava no violão clássico e no popular com igual desembaraço. Ainda no Maranhão tocou literalmente de tudo, de frevo a rock. Veio ao Rio como prêmio por ter ganho o primeiro festival de música estudantil de São Luis. E testemunhou – e protagonizou - uma enorme parte da história da música brasileira no final do século XX.

Veio em 70, mas foi em 66 que Turibio Santos (depois, amigo de toda a vida) lhe colocou a pulga atrás da orelha para vir para o RJ. O orientou no que viria a ser sua carreira, e lhe abriu diversas portas. 

– Cheguei no Rio e fiz de tudo, já tinha uma certa prática, enrolava bem; toquei bossa nova, toquei choro. Isso me abriu muitas portas. Por exemplo, fui numa reunião com os grandes Orlando Silveira, Copinha e Abel Ferreira. Tocaram maravilhosamente, os acompanhei, todo bobo, me desculpando, eles muito amistosos...

Na saída, fui de carona com Copinha e a esposa. Esta comentou que Abel Ferreira dava uns “estalos” no clarinete, um som diferente e muito bonito, de grande efeito. Copinha, indignado, parou o carro no acostamento, puxou o freio de mão, olhou para ela muito sério:

– Eu também faço isso!

Soltou o freio e, tranquilamente, seguiu viagem.

Conta que Herminio, sempre ele, indicou um violonista “idoso” para Turibio conhecer. Ele ligou para João Pedro:

– Vem pra cá agora!

O “senhor” que Herminio indicou era um garoto, muito sério, ainda na adolescência: Raphael Rabello.

Em outro encontro, Raphael o levou no aniversário de Nara Leão para conhecer “uma pessoa muito importante”. João achou que fosse a própria Nara, mas não: era Joel Nascimento. Esse encontro gerou um dos shows mais importantes da década, um tributo a Jacob do Bandolim

João repisa muito as vantagens de ser eclético. Cada dia tocava de um jeito num lugar, grandes músicos se encontrando pelo prazer de fazer música, Paulinho da Viola sempre atrasado...

Radamés o chamava de seu spalla, por saber ler música muito bem. Raphael, muito jovem, ficava enciumado. Radamés explicava:

Spalla não serve pra porra nenhuma, o craque é você!

Um dia, estavam ensaiando na casa do maestro. Chegou Cauby Peixoto – a quem João já tinha acompanhado uma vez cantando “Apelo”! – para dar uma passada num arranjo – com letra -  da “Serenata”, de Schubert

Num determinado momento, Cauby deu uma atravessada na melodia. Radamés, com sua proverbial delicadeza:

– Porra! Nessa idade ainda não aprendeu a cantar!

Eles tinham total intimidade, mas o pessoal da Camerata, totalmente constrangido, não sabia onde enfiar as caras. A solução: saindo de outro cômodo, Luís Otávio Braga enfia a cabeça na porta e berra:

– CONCEIÇÃO!!!!!!!!!

Todos gargalham, Cauby inclusive. Dia salvo, não sabemos se Cauby acabou acertando. Deve ter conseguido, sabia tudo. 

E João, que também sabe tudo, qualquer dia volta, com mais histórias de sua fantástica carreira.




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