Conversa de MPB

As bijuterias - e as jóias - da Sloper da alma

quinta, 29 de abril de 2021

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Certo dia fui quase que acordado com uma mensagem de uma grande amiga que, sabedora do quanto sou fã da obra de João Bosco (e sua parceria de décadas com Aldir Blanc), me questionava acerca do que significava o final da música "Bijuterias" (João Bosco e Aldir Blanc, 1977) uma das mais conhecidas da dupla no final da década de 70. O trecho final da música ao qual a minha amiga se referia era aquele que termina com João Bosco cantando “Transparentes...” e depois João diz quase que declamando “Transparentes/feito bijuterias/pelas vitrines”... e a frase “Da Sloper da alma” em coro que dá passagem para um arranjo de cordas que dá uma sensação marcante de encerramento, de conclusão, executada em pianíssimo até o seu término. Para o “aborrecimento” da minha amiga, eu sabia o que significava aquele final, já que conhecia e me instigava a analisar a obra da dupla há quase 30 anos. “Ah, eu sabia que tu irias saber me dizer!!!”. Interessante é que já ouvira este final “Da Sloper da Alma” cantado em coro ser cantarolado por outras pessoas, para minha surpresa e riso, como “Vacilou, perde a Alma”...


"Bijuterias" obteve grande sucesso, para além da beleza da música, sua composição e execução ocorreu pelo fato de que ela foi o tema de abertura da novela O Astro, de grande sucesso na TV Globo, em sua primeira versão entre os anos de 1977 e 1978. Escrita por Janete Clair e dirigida por Daniel Filho, a novela trazia a trama de Herculano Quintanilha (Francisco Cuoco), Alan Quintanilha (Stepan Nercessian), Neco (Flávio Migliaccio), Márcio Hayalla (Tony Ramos), Amanda Assumpção (Dina Sfat), Lili (Elizabeth Savalla), Clô (Tereza Rachel), entre outros personagens e atores de renome da teledramaturgia brasileira. Importante notar que a música não tinha sido encomendada para a novela, mas caiu como uma luva para a abertura, mais uma escolha do produtor musical da novela, o produtor e compositor Guto Graça Mello quando o disco Tiro de Misericórdia ainda estava sendo mixado e que viria a ser lançado no ano de 1977. Em 2011, a novela foi novamente exibida em nova versão pela mesma TV Globo, tendo novamente "Bijuterias" como música de abertura, retomando o sucesso de cerca de 30 anos antes.


"Bijuterias", como dito anteriormente, é música constante do disco “Tiro de Misericórdia” e é importantíssimo destacar que na música que conversamos aqui e em várias outras, diversos músicos de renome da música popular brasileira nos dão o prazer de ouvir, a cada vez, as suas canções. Apenas para citar alguns: teclados, arranjos e regência do maestro Darcy de Paulo, inclusive no belíssimo desfecho de "Bijuterias", violão de sete contas o icônico Dino Sete Cordas, Toninho Horta na guitarra, flauta de Altamiro Carrilho, cavaco de Canhoto e violões do próprio João Bosco e Meira (Jayme Florence).

A letra mostra, de forma muito pitoresca, os vários "segredos" que o protagonista revelaria ao seu amor. As nuances características do grande cronista da vida cotidiana que foi (é) Aldir Blanc fica evidente em toda a letra. E é nas várias características do protagonista da canção que podemos encontrar as ligações diretas com a conotação de misticismo presente na novela O Astro, algo que deve ter chamado bastante atenção de Guto Graça Mello. 

Em setembro, se Vênus me ajudar, virá alguém. Eu sou de Virgem, e só de imaginar, me dá vertigem” é como interpreta João Bosco como que falando para si mesmo. Na verdade, pela voz de João, o que parece quase que evidente é Aldir Blanc, virginiano convicto, falando de forma autobiográfica das suas agruras em relação ao amor. Nesse ponto de partida, a própria referência ao mês de Setembro - que remete ao número místico 7, o signo de Virgem que é ligado à ansiedade e ao pessimismo fica evidente no personagem que busca a todo custo apresentar profundamente e internamente como ele é, sincero, mostrando que “preciso ir urgente ao dentista/ tenho alma de artista/e tremores nas mãos/ao meu bem mostrarei”. As referências à esta ansiedade de mostrar tudo como ele é, intimamente, profundamente é revelado de forma caracteristicamente pitoresca por João e Aldir, principalmente na parte que diz “ao meu bem mostrarei/no coração/um sopro e uma ilusão”. Simplesmente a cara do cronista Aldir aparece aqui, o virginiano retratado na canção se abre mostrando toda a sua intimidade, mas também o seu pessimismo, sua ilusão presente em seu coração que para além das desilusões tem um problemático sopro, genial. Para complementar o quadro, os tiques e as manias, na sua idade começam a se apresentar de forma “Transparente...”. Mas será que nem mesmo a Vênus, a deusa do amor não viria em seu auxílio? Talvez nem ele mesmo acreditasse nisso por ser de virgem...  o que já lhe daria até vertigem. E a pedra ametista, envolta em seu misticismo e poderes que remetem à espiritualidade teriam efetividade como amuleto, como energia para o seu apoio em relação às desventuras do amor? 

De qualquer forma, a necessidade do personagem da canção de se mostrar, com insegurança, quase que incrédulo de um futuro amoroso vitorioso, transparente só teria paralelo com as bijuterias da loja Sloper. “Transparente... Feito bijuterias/pelas vitrines/da Sloper da alma”. Ele estaria, assim, abrindo tanto seu coração, seus "tiques", suas "manias", sua alma, que seria possível ver e se admirar de forma límpida e clara com suas revelações como se fazia com as Bijuterias das vitrines da loja Sloper, uma referência de elegância e sofisticação, motivo de admiração dos consumidores de classe média de algumas capitais brasileiras como Rio de Janeiro (Rua Uruguaiana), Salvador (Rua Chile) e Porto Alegre (Av. Andradas) dos anos 50 a 80. Tão aberto, tão transparente na sua busca pelo amor se apresenta para o seu “bem” como uma verdadeira Sloper, da alma.

Aqui diria que mais do que o revelar da alma do protagonista como se fazia na tão famosa Sloper, é possível vermos de forma transparente a alma de Aldir (e de João), em todo seu brilhantismo e transparência. Se muitos não conhecem ou conheceram a Sloper loja ou se revelam ao seu amor, ao seu bem, como uma Sloper da alma, podemos dizer também que, assim lembrando o Aldir – “O Brazil não conhece o Brasil” - , o Brasil não conhece, pelo menos como deveria, a alma de Aldir.

Em setembro, se Vênus me ajudar, Virá alguém
Eu sou de Virgem, e só de imaginar, me dá vertigem
Minha pedra é ametista
Minha cor, o amarelo
Mas sou sincero, necessito ir urgente ao dentista
Tenho alma de artista e tremores nas mãos
Ao meu bem mostrarei, no coração um sopro e uma ilusão
Eu sei
Na idade em que estou, aparecem os tiques (as manias)
Transparentes, transparentes
Feito bijuterias
Pelas vitrines
Da Sloper da alma

Leonardo Malcher

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