Colunista Convidado

Amoroso: A fase pop do João Gilberto

quinta, 10 de junho de 2021

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Uma certeza todos podem ter: nos anos 1970 a bossa nova já não era mais tão bem vista como em outros tempos, e João Gilberto já havia entendido o recado. Depois de um álbum numa pegada de samba psicodélico, muito influenciado pelos Novos Baianos, João aposta em um disco mais pop, que foi um ponto fora da curva em sua carreira.

João Gilberto e pop nunca combinaram muito bem, e sinceramente eu não consigo imaginar como surgiu a ideia para esse álbum, ou como o João aceitou fazer um álbum assim. Mas é claro que não foi nada muito violento.

Em “Amoroso” João deixa a Bahia um pouco de lado, e aposta mais na World Music, a percussão e flauta cedem lugar à orquestração, algo que não era tão comum de se ver em seus discos anteriores, ao menos não como foi visto aqui.

Nos anos 70, a Bossa Nova já era uma realidade ultrapassada, porém, neste álbum podemos ver uma repaginada. João saiu da Polydor e passou para a Warner Music, que naquele momento era considerada por muitos a maior gravadora do mundo, seja pelo seu casting ou pelas condições de gravação oferecidas.

E por lá o elenco foi todo definido, a missão de produzir o álbum ficou por conta de Helen Keane e Tommy Lipuma, e o arranjos, por Claus Ogerman, o que gerou um certo desconforto para João Gilberto, que se queixava dos seus exageros nos arranjos e na orquestração. E de certa forma João tinha razão. Parece que a orquestra ganha mais destaque do que qualquer outra coisa, os arranjos de certa forma passam do ponto, uma vez que o violão perde espaço, talvez não tivesse ficado como João gostaria, mas ficou fenomenal.

“Amoroso”, para muitos fãs, é o melhor trabalho de João Gilberto, talvez porque se fizesse necessário uma mudança na sonoridade. Ogerman deu um som tão grande quanto João precisava e merecia.

Assim como Tom em seus álbuns anteriores, João se reinventa dentro da Bossa Nova (embora Tom tenha seguido um caminho flertando com a música erudita), a fase pop para ele viria nos anos 80. Mas isso é assunto para outro texto.

A respeito das músicas, o repertório não poderia ser melhor. A primeira faixa, “S´Wonderful”, apresenta todas as intenções que virão adiante, um inglês baiano, um som que estava cada vez mais universal.


O lado A, além de “S´Wonderful”, conta com “Estate”, “Besame Mucho” e “Tin tim por Tim tin”. “Estate” era a única música deste lado totalmente desconhecida. Ela foi composta pelo italiano Bruno Bernatti, e devido à gravação de João ele entrou para o circuito do jazz sendo regravado até mesmo por Chet Baker. “Besame Mucho” dispensa apresentações, é uma pérola do bolero, que foi um dos concorrentes na época do auge da bossa nova, assim como “Tin tin por Tin tin” também era um concorrente, afinal a bossa nova tomou a frente do samba-canção e o sambolero. 

O saldo final do lado A deste disco são 4 músicas em 4 idiomas, o que mostra, além da versatilidade do João, uma certa ambição que não era tão presente anteriormente. Talvez pela gravadora, talvez a vontade de se reinventar tenha sido grande, mas essas canções propõem um agradável passeio pelo catálogo do cancioneiro mundial.

O lado B, que pode ser o "lado Tom Jobim", mostrou que até mesmo a bossa poderia ganhar novos caminhos e se reinventar. Neste lado inteiramente dedicado a Tom, João deu novos significados a algumas canções.

Começando por “Triste” e “Wave”, que ganhou letra especialmente para este disco e foi imortalizada com o “Vou te contar”, apesar das muitas versões é possível dizer que João Gilberto se apropriou dela. Talvez mais até de “Triste”, que havia sido esquecida no álbum “Wave” do Tom Jobim. Nesse lado Claus Ogerman relembra os arranjos feitos para Tom, mas é claro que ele oferece uma cara nova para cada uma das canções.


Caminhos cruzados” foi a redescoberta, a parceria entre Tom e Newton Mendonça ficou esquecida no início da bossa nova e aqui ela é relembrada por João. Mas com certeza “Zingaro (Retrato em branco e preto)” foi o encerramento com chave de ouro. Essa era a canção ideal para se encerrar com tudo o que tinha direito com relação a orquestra. E ela fecha muito bem esse grande trabalho.

O resultado final foi um álbum mais palatável, em que João conseguiu explorar novos horizontes, a orquestra talvez tenha sido o maior desafio, pois para alguém tão intimista de uma hora para outra se ver dividindo cena com mais de vinte músicos pode não ter sido uma experiência muito boa, ainda mais para João Gilberto.

A minha única crítica negativa para esse álbum é o fato dele ter deixado o violão do João mais tímido, mas sempre presente. Talvez a orquestração tenha sido demais, mas de fato era o que João precisava naquele momento, esse é um álbum que mais que qualquer outro deve ser sentido e apreciado. 

No saldo final tudo foi muito positivo! E esse é um álbum inesquecível.

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