Colunista Convidado

Alessandro Penezzi e Fábio Perón reafirmam a vitalidade do choro

segunda, 07 de fevereiro de 2022

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Quando faleceu precocemente, em 1969, aos 51 anos, Jacob do Bandolim temia que o choro morresse com ele. Felizmente isso não ocorreu, como comenta um de seus maiores ases modernos, o bandolinista Hamilton de Holanda, em texto na contracapa de mais um sólido representante do gênero recém lançado. “Tenho certeza que o mestre do bandolim ficaria feliz ao ouvir Fábio Peron e Alessandro Penezzi, músicos contemporâneos, intérpretes e compositores com muita criatividade e muita conexão com a tradição”, sentencia ele. Intitulado simplesmente com o nome dos únicos intérpretes, Alessandro Penezzi + Fábio Peron” (Independente), o álbum traz dez faixas, cinco autorais inéditas de cada um. “É muito gratificante poder retomar o som que fazíamos de forma tão despretensiosa há anos. Parece que foi ontem que Fábio chegou lá em casa, pra gente ‘sangrar os dedos’, durante as noites e madrugadas”, brinca Penezzi. “E é justamente dessa forma que nós descobrimos e criamos tantas afinidades musicais. Nosso encontro é sempre uma festa, sempre uma exaltação à música dos nossos ídolos e mestres”, rebate Peron. 

Natural do Rio de Janeiro, cultivado por sumidades como Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Joaquim Callado, Patápio Silva, Pixinguinha, Altamiro Carrilho, Waldir Azevedo, Dino Sete Cordas, Raphael Rabello e o supracitado Jacob, o choro também fez história em São Paulo, de Zequinha de Abreu, Garoto, Gaó e Canhoto a Esmeraldino Salles, Antonio Rago, Orlando Silveira e Dilermando Reis. Multinstrumentista (flauta, cavaquinho, baixo, guitarra, bandolim, banjo, viola caipira) Alessandro Penezzi, o titular do violão 7 cordas do disco, nasceu em Piracicaba, no interior do estado, em 1974, numa família musical. Começou a estudar aos 7 anos, bacharelou-se em Música Popular na Unicamp e formou-se em violão erudito na Escola de Música de Piracicaba. Teve entre seus mestres Sergio Belluco, Jair Teodoro de Paula, Ulisses Rocha, Marcos Cavalcanti e o flautista João Dias Carrasqueira. Gravou com os grupos Oitava Cor (“Vem pra roda sambar”, 1995), Conjunto Som Brasileiro (“Viva o choro”, 1996), Trio Quintessência (“A quintessência da música”, 2002), Choro Rasgado (“Baba de calango”, 2005), e estreou solo em “Abismo de rosas” (2001), seguido por “Alessandro Penezzi” (2006), “Sentindo” (2008) e “Dança das cordas” (2013). 

Penezzi já se apresentou com um catálogo da MPB, de Chico Buarque, Beth Carvalho e Silvio Caldas a Dona Ivone Lara, Dominguinhos, Zimbo Trio, Xangô da Mangueira, Marília Medalha, Joel Nascimento, Riachão, Fabiana Cozza, Demônios da Garoa e Época de Ouro.  Foi solista das orquestras Jazz Sinfônica de SP e  Filarmônica de São Bernardo do Campo. Gravou músicas de Bertold Brecht e Kurt Weil  com a atriz Maria Alice Vergueiro, e dividiu microfones ainda com os clarinetistas Alexandre Ribeiro (“Cordas ao vento”, 2011, “Ao vivo na Bimhuis”, em Amsterdã, em 2012), e Nailor Proveta (“Velha amizade”, 2014), o violonista Yamandú Costa (“Quebranto”, 2018), além de participar como convidado especial de “Laércio de Freitas homenageia Jacob do Bandolim” (2007).

Filho do violonista Ítalo Peron, o bandolinista (que usa no disco um instrumento de dez cordas), compositor e arranjador Fábio Cury de Andrade, adotou na vida artística o sobrenome do pai. Nasceu em São Paulo, em 1990, formou-se na faculdade Santa Marcelina e fez pós graduação na Facamp. Toca desde os 5 anos, e já se apresentou com Paulo Vanzolini, Yamandu Costa, André Mehmari, Adilson Godoy, Silvia Góes e Hamilton de Holanda. Em 2011, saiu seu primeiro disco, “Fábio Peron em boa companhia”, seguido por “Roupa na corda” (2013), ao lado do baixista e multi-instrumentista Arismar do Espírito Santo e Léa Freire. O filho de Arismar, Thiago Espírito Santo aliou-se a Peron em “Alma de músico” (2014), com Mestrinho do Acordeon. Os mesmos Arismar e Thiago participaram de “Fábio Peron e a confraria do som” (2015), junto com Izaías Bueno de Almeida, Alexandre Ribeiro, Ricardo Herz, Chico Pinheiro e Zé Barbeiro. No ano seguinte, “Afinidades” reuniu o solista, mais Zé Barbeiro e Danilo Silva. 

Lenda do choro paulista, Esmeraldino Salles, o “Esmê” foi homenageado num disco projeto que levou seu apelido, por Peron, Gian Correa, Fernando Amaro e André Mehmari. Em 2018, lançou dois álbuns: “Folia de reis com Edu Ribeiro e Toninho Ferragutti e “Jacob 100 anos, sentimento e balanço”, ao lado do bandolinista e discípulo do homenageado, Joel Nascimento. 

No encontro de Penezzi e Peron, dois caudalosos afluentes do choro contemporâneo, sobram virtuosismo, técnica e humor afiado na abordagem dos temas. Como nas alusões ao clássico “Retrato em branco e preto”, do bossanovista Tom Jobim (letrado por Chico Buarque) no rendilhado da “Valsa em branco e preto” (Perón). O gênero era um dos preferidos do maestro soberano, que estreou como compositor na chopiniana “Valsa sentimental” (igualmente letrada por Chico, com o título de “Imagina”).Também se destacam no disco a picotada e ágil “Valsa de pedra” (Penezzi) e a insinuante “Valsa crioula” (Peron), repleta de floreios entrelaçados e escalas íngremes. Nostálgica é outra valsa, “Varanda da Saudade” (Penezzi), enquanto a homenagem “Chorinho pra Dominguinhos” (Peron) lembra, no bandolim chorado que deságua na baixaria do sete cordas, que o sanfoneiro pernambucano também foi chorão de estirpe.

  Outras celebrações decorrem do “Choro pro Pirajá”, de breques e retomadas aguçadas, ao desenho lírico de “Peron” (Penezzi), onde o músico mais velho incensa o ás mais novo, e o dialogado “Mestre Miltinho” (Penezzi), onde os simultâneos solistas e acompanhadores duelam através de narrativas que dispensam palavras. Do despreocupado e estimulante “Teminha feliz” (Peron), o roteiro desemboca nas sincopas velozes do “Partido atrevido” (Peron), onde voltam a conjugar-se agilidade, inovação e lirismo, num atestado da pulsação vibrante do choro, que desmente a receosa profecia de mestre Jacob do Bandolim, de mais de meio século atrás.

 

Crédito das imagens: Dani Gurgel

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