Colunista Convidado

Álbum inédito de Edu, Lubambo e Senise – este, ainda em novo duo com Peranzzetta

quarta, 03 de julho de 2019

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Surgido em plena efervescência cultural da passagem da bossa nova para a ruidosa era dos festivais – da qual foi protagonista relevante – o compositor carioca Edu Lobo até frequentou paradas de sucessos com alguns hits. De Elis Regina (“Upa neguinho”) ao maestro pop francês Paul Mauriat (“Ponteio”). Mas nunca se afastou do artesanato sólido de suas edificações musicais à prova do tempo. Tanto que, mesmo nesta era de apocalipse tecnológico e o populismo desenfreado das redes sociais, ele segue seu trajeto altivo e sereno, acantonado por alguns dos melhores músicos nacionais. O CD “Quase memória” (Biscoito Fino) já é o terceiro título que divide com o sax/flautista Mauro Senise e o violonista/guitarrista Romero Lubambo, após “Todo sentimento” (2016) e “Dos navegantes” (Grammy Latino, 2017). A instrumental faixa título foi inspirada no livro homônimo do romancista Carlos Heitor Cony e é uma das inéditas do repertório, ao lado de duas parcerias com Paulo Cesar Pinheiro, a onírica “Terra do nunca” (“tem castelos feitos de areia e jardins que dão balas de mel/ é a terra das crianças/ lá ninguém tem que crescer”), gravada anteriormente apenas pelo Boca Livre, e a incisiva “Peregrina”: “eu só virei violeiro/ pro coração caminhar/ toda estrada é ilusão/ vida não tem direção/ vou pra onde a poesia quiser me levar”. Parceria com seu primeiro letrista, Vinicius de Moraes, “Silêncio” foi pescada de um limbo, onde não deveria ter ficado: “Cala bem, meu amor/ quem diz muito, diz nada/ escuta o silêncio que fala de tudo mais intimamente”

Mauro Senise sopra da flauta baixo soturna da modinha “O dono do lugar” (parceria com Cacaso) ao sax alto bailarino de “Quase memória”, além de revezar-se na flauta em sol, sax soprano e piccolo. Ele não dialoga apenas com o encordoamento eloquente e preciosista de Lubambo – que na incandescente valsa “Lábia” (com Chico Buarque), do musical “Cambaio”, cerze o recheio a bordo de guitarra. Há outros ilustres convidados. Da gravação, um dos cumes do roteiro repleto de pontos luminosos, participa também a clarinetista Anat Cohen, israelense escolada em MPB, que também cintila nas imersões históricas da ecoante “Branca Dias”: “este soluço que ouço, que ouço/ será o vento passando, passando”

Do mesmo cenário agreste, num pique de xaxado, escrita para trilha de filme, “Canudos” (ambas com Cacaso), de Sérgio Resende, em 1997, volteia no acordeon de Kiko Horta, mais contrabaixo de Bruno Aguiar e bateria de Jurim Moreira. A letra desliza num plano seqüência, no timbre certeiro do cantor/autor de 75 anos: “Entre rios, belos montes, quem é esse que vagueia?/ Conselheiro que tonteia e apeia sem chegar/ que horizonte mais errante/ de crendice mais descrente/ de descrença mais distante/ que distancia mais presente/ desgoverno governante/ quanta gente confiante em Antonio penitente”. Outro esteio instrumental do trio central é o piano intenso de Cristóvão Bastos (em seis faixas), que deleita-se, em especial, na belíssima “As mesmas histórias”, só de Edu, repescada em seu fulgurante álbum de estréia, ao lado do Tamba Trio, em 1965. 

Apenas instrumental, “Cinema a dois” (Fina Flor) é outro projeto emparceirado de Senise, este com o tecladista Gilson Peranzzetta, com quem já dividiu nada menos de 12 discos. Gravado em fevereiro de 2019, no Estúdio Araras, em Petrópolis, editado em versões física e digital, com participações especiais de Zeca Assumpção (baixo acústico) e Mingo Araújo (percussão) o novo repertório trafega por temas cinematográficos menos e mais conhecidos. O único nacional incluído é a valsa “Eu te amo” (Tom Jobim/ Chico Buarque), do filme homônimo do cineasta Arnaldo Jabor, de 1981. Trilheiros do porte dos italianos Ennio Morricone (“Cinema Paradiso”, com Andrea Morricone, 1988) e Nino Rota (“Amarcord”, 1974) e do francês Michel Legrand em parcerias com Alan e Marilyn Bergman (“What are you doing the rest of your life”, de “Tempo para amar, tempo para esquecer”, 1969 e “The summer knows”, de “Houve uma vez um verão”, 1971) foram escalados ao lado dos americanos Harold Arlen (“Over the rainbow”, com E.Y. Harburg, de “O mágico de Oz”, 1939), Johnny Mandel (“The shadow of your smile”, com Paul Francis Webster, de “Adeus ás ilusões”, 1965) e Jerry Goldsmith, “Chinatown”, do filme homônimo, de 1974. A abordagem geral é lírica, com longos espaços para digressões dos solistas centrais, que tanto acariciam as melodias quanto dilatam seus limites. Show à parte, é a espetacular releitura da incursão afro do maestro ítalo americano Henry Mancini, “Tema de Hatari” (do filme “Hatari”, de 1962), onde Mingo Araújo esbalda-se na percussão, respaldada pela flauta baixo e piccolo de Senise


Por: Tárik de Souza

Fonte da imagem: Rodrigo Lopes

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