Colunista Convidado

Alaíde Costa universaliza “Canções de amores paulistas”, de Eduardo Santhana

quinta, 16 de dezembro de 2021

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Ela morava no Méier, na zona norte do Rio, não tinha telefone em casa e recebeu um recado da vizinha, de um tal de João Gilberto, que a queria no movimento musical em que estava engajado. A carioca Alaíde Costa já nasceu moderna e foi uma das primeiras expoentes do canto inimista da bossa nova (que nunca se limitou à zona sul como quiseram os maledicentes), com sua voz cálida – e sensibilidade musical epitelial. Muitas décadas se passaram, João Gilberto já não vive (mas segue imortal em sua obra), e Alaíde comemora gloriosos 86 anos de idade a bordo de um disco novo – em grande forma vocal. A despeito do título, “Canções de amores paulistas” (MGK) não se prende a qualquer tipo de regionalismo. Circula em torno de universais odes afetivas de um único autor e seus parceiros, como sublinha o subtítulo – “Alaíde Costa canta Eduardo Santhana”.

E quem é o paulistano Eduardo para merecer tão ilustre chancela? Da diva que levantou, em 1965, um auditório apinhado no Teatro Paramount, em São Paulo, para os píncaros bachianos de “Onde está você”, composição do bossanovista Oscar Castro Neves (e seu parceiro Luvercy Fiorini), e assombrou os ouvintes do megaclássico disco “Clube da esquina”, num dueto arrepiante com seu titular, Milton Nascimento, em 1972, a bordo do samba, até então carnavalesco, “Me deixa em paz”, de Monsueto Menezes (com Airton Amorim). Tendo músicas gravadas por Jane Duboc e Ronnie Von, Santhana integra o grupo Trovadores Urbanos desde os anos 90, com quem gravou vários CDs e DVDs. Solo, tem sete títulos, entre eles o projeto “Musicando poesia”, realizado a partir dos versos de Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Vinicius de Moraes, Cecília Meirelles e Mário Quintana. Outro destaque de sua trajetória é o DVD “Eduardo Santhana – voz e pianos”, com adesão dos pianistas João Donato, Benjamim Taubkin, Amilton Godoy, Ivan Lins, Hermeto Pascoal, Leila Pinheiro, João Carlos Martins, Jane Duboc e Zé Miguel Wisnik, entre outros.

Mais eclética que aparenta sua voz delicada, Alaíde já trafegou do samba de protesto de João do Vale (“A voz do povo”, parceria com Luiz Vieira) à iconoclastia de festival de Hermeto Pascoal (“Serearei”). Recentemente, dividiu com outra carioca suburbana exilada na paulicéia, Claudette Soares, a antologia “60 anos de bossa paulista” (2018), singrou um songbook do vanguardista Zé Miguel Wisnik (“O anel”, 2020) e, em “Antes e depois” (2021), revisitou material de apresentações feitas nos estúdios da radio paulistana, Eldorado, nos anos 70. 

No songbook de Santhana ela flutua preferencialmente por baladas e canções, como “Lua linda” (“tão perto dos olhos/ tão longe das mãos”), letra de Nelson Botton e “Meu amor parece”, de Sérvulo Augusto (“meu amor parece extinto/ sendo vulcão hibernado”), “Sal” (com Alfredo Gasparette), temperada pelo acordeon de Lulinha Alencar, e a valseada “Meio a meio” (com Carlos Henry), conduzida pela flauta de Teco Cardoso. Do sólido núcleo instrumental do álbum ainda fazem parte Sylvio Mazzucca Jr (baixo), Michel Freidenson (piano e teclados), Adriana Holtz (violoncelo), Duda Neves (bateria) e o próprio Santhana (violão). Em “Amada pra sempre” (“mesmo que a gente se engane/ mesmo que tudo se dane/ estás amada pra sempre”), Alaíde tem apenas o acompanhamento do piano, enquanto “Anjo meu” (“voa espaçonave/ que te leva pra outra dimensão”) desata num acendrado baião, com reforço de coro. 

A homenagem “Alaíde, Alaúde”, na voz do autor Eduardo, que a cantora agradece emocionada, evoca um concerto homônimo, de que ela participou sob a batuta do maestro Diogo Pacheco, em 1965, interpretando canções medievais. Imperativa, ela abre a capella “Canta” (com Juca Novaes), imersa no auto retrato de uma carreira gloriosa: “sua voz é correnteza/ sua voz é tempestade/ sua voz tem a tristeza/ plena de felicidade”.


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